Repensar a sustentabilidade
Lembro-me muito bem da primeira vez quando ouvi sobre sustentabilidade no contexto empresarial e na ênfase do locutor ao explicar a razão pela qual o termo expande a questão ambiental, aliás conversa regada com toda paciência, para uma estagiária em início de carreira.
Ele usou como base o conceito do Triple Bottom Line, de John Elkington, em que os três P’s – Profit, Planet e People – atuam como solução para garantir o futuro das próximas gerações. Canibais com garfo e faca, livro em que o autor apresenta a teoria, havia sido lançado há quase dez anos e ainda assim a sustentabilidade carecia de aprofundamento para fugir do sinônimo de abraçar árvores.
Quase duas décadas após ser presenteada com aquela conversa foram incontáveis as ocasiões em que ouvi o termo sustentabilidade ser utilizado de forma incompleta, considerando apenas uma das bases – geralmente a ambiental – para algo muito mais complexo e que hoje, como é defendido por alguns teóricos, ultrapassa até mesmo a barreira dos pilares econômicos, ambientais e sociais. O teólogo Leonardo Boff, por exemplo, cita em seu livro “Sustentabilidade – o que é, o que não é” pelo menos três outros fundamentos essenciais para sustentar a sociedade, como a Gestão da mente saudável, Generosidade, Cultura, entre outros.
As pesquisas e a ciência existem para que possamos concordar, contestar, avançar com as teorias e evoluir. Temos sorte por isso e, independentemente de deslocamentos teóricos, falar em sustentabilidade vem ganhando mais força nos últimos meses enquanto sobrevivemos a uma pandemia capaz de desestabilizar até mesmo as mais fortes sociedades e economias.
Meses antes da covid-19 ocupar os noticiários, as manchetes eram dedicadas às mudanças climáticas. Do Fórum de Davos até a ativista Greta Thunberg, o tema conseguiu mais abrangência nas empresas e espaço na mídia do que muitas questões puramente econômicas, tamanha a sua urgência e importância para a sobrevivência das pessoas e, consequentemente, das organizações.
Em uma primeira análise, pode parecer que o coronavírus fez com que saíssemos de um assunto para outro e esquecêssemos da gravidade do aquecimento global, porém, mudanças climáticas, pandemias e, ela, a sustentabilidade, fazem parte da mesma narrativa sobre o relacionamento dos seres humanos com o planeta.
A raça humana, por séculos, tem vivido de forma desconectada da Terra e de seus ciclos. Na ânsia pelo desenvolvimento econômico desconsideramos questões básicas, como o tempo necessário para a reposição de recursos naturais, e abrimos em paralelo enormes abismos sociais, aprofundados pelo crescimento desordenado e pela exploração da natureza.
Esse modo já saturado de vivenciar a experiência humana no planeta tem seu preço. A Terra, como organismo vivo do qual fazemos parte, tem suas próprias defesas para restabelecer o equilíbrio e antes mesmo que tomemos uma atitude, ela é capaz de reações que colocam à tona toda a nossa fragilidade. O coronavírus, provavelmente trazido por um morcego que foi incomodado em seu habitat natural, é um exemplo disso.
O otimismo me faz significar os tempos atuais como uma chance para reavaliarmos o nosso modo de vida, reconsiderando as relações sociais, econômicas, de consumo e com a natureza, como sugere o texto do historiador econômico Robert Skidelsky.
Para as organizações, mesmo que os tempos sejam difíceis até mesmo para manter os próprios alicerces, é preciso refletir, em curto, médio e longo prazo, a fim de encontrar meios mais sustentáveis de existir em uma visão holística de sociedade, que também acolhe em seu pragmatismo o abraço humano nas árvores e em toda a natureza.
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