05 de abril de 2024

Na vida e no mundo corporativo, não há texto sem contexto

Nas nossas atividades diárias, bem como nos projetos, iniciativas, negócios e comunicações no trabalho, é essencial sempre considerarmos o contexto envolvido nas informações ou nas narrativas a serem construídas e/ou divulgadas. A contextualização contribui para a comunicação e a interação de excelência e ajuda a evitar interpretações errôneas, embaralhadas ou equivocadas.

Na nossa existência, nas artes, nas relações, nos desenvolvimentos, nas comunicações e nos negócios, nada acontece por si só, dissociado do resto do mundo. No dia a dia, me acompanha sempre a expressão “não há texto sem contexto”, que é rica em significados e implicações, abrangendo diferentes áreas do conhecimento e da vida cotidiana.

Acima de tudo, temos que considerar que qualquer narrativa, informação ou dado devem ser lidos, entendidos e utilizados à luz do contexto em que se situam. Antes de fazermos qualquer análise ou julgamento sobre determinado assunto (texto narrativo, notícia, artigo, prosa, matéria, estudo, dado estatístico, foto, imagem, etc.), devemos, antes de tudo, observar a contextualização em que determinado tema foi tratado ou divulgado.

Não existe história, acontecimento, mensagem ou informação dissociados de um  contexto, que é um dos elementos mais importantes que compõem uma narrativa. Por exemplo: uma empresa reúne seus principais executivos para anunciar que as bonificações adicionais atreladas à remuneração dos dirigentes e demais gestores da companhia passarão por uma reformulação, que culminará numa redução no valor dessas bonificações, e que isso deve ser difundido ao público elegível. Se a informação não vier acompanhada de contextualização – os porquês (queda nas vendas, necessidade de redução de custos, volatilidade do mercado, contenção de gastos para investimentos em outras frentes, e/ou outras causas), o cenário, as implicações e as perspectivas –, corre-se o risco de gerar conclusões precipitadas, ilações e até pânico!

Esse olhar se torna ainda mais importante no momento em que vivemos, no qual, muitas vezes, fake news e materiais de desinformação fazem estragos expressivos na percepção das pessoas. Com o avanço da inteligência artificial, isso pode resultar em situações ainda mais dramáticas e danosas, com fotos, vídeos, imagens, depoimentos, textos e matérias manipulados ou alterados. Robôs podem criar notícias falsas ou modificadas que imitam o conteúdo de notícias reais. Algoritmos podem ser usados para criar e distribuir conteúdos que já existem, mas que foram alterados para enganar as pessoas. Áudios, fotos e vídeos podem ser remontados, retocados ou até criados do zero, a partir de fragmentos de vozes, fotos, vídeos e imagens reais. E por aí vai.

Independentemente das manipulações e da desinformação, as narrativas reais não podem ser olhadas e entendidas sem se analisar o contexto, que é muito importante para a comunicação e a compreensão de informações, porque, sem ele, podem ocorrer interpretações equivocadas. A contextualização vai além do que é dito, mostrado ou escrito na informação ou na narrativa.

Conto a seguir, resumidamente, uma pequena história, que me fez perceber, verdadeiramente, a dimensão da relevância desse elemento.

A Bordighera me deu uma luz!

Pela organização em que eu atuava na época, pelos idos de 2003 estive em Amsterdã, na Holanda, para um período de trabalho. Coincidentemente, naquele ano estavam sendo realizados, por lá, vários eventos comemorativos aos 150 anos de nascimento de um dos maiores gênios da pintura mundial, Vincent Van Gogh (1853-1890).

Quando estava próximo de eu retornar ao Brasil, aproveitei um tempo livre para visitar uma exposição no Museu Van Gogh. A mostra reunia obras de artistas que haviam influenciado o pintor holandês.

Nessa visita, um quadro me marcou, de maneira especial: Bordighera, do francês Claude Monet (1840-1926), um dos mestres do impressionismo. Inicialmente, foi a beleza pictórica do quadro que me chamou a atenção. Porém, num segundo momento, o que me deteve por mais tempo diante da obra foi a carta exposta ao lado dela, escrita por Vincent a seu irmão mais novo, Theo. Nela, Vincent comentava com entusiasmo o vermelho presente na tela. No entanto, olhando detidamente o quadro, eu só conseguia ver pequenos pontos avermelhados na pintura, e isso me deixou intrigado. A ponto de perguntar a um amigo se ele havia notado essa referência ao vermelho na obra. Também não notou. O quadro retratava uma relva verde em primeiro plano, edificações amareladas na parte central da tela e os tons azuis do céu e do mar ao fundo. Dei sequência à visitação, mas continuei com isso na cabeça, aquele quadro não me saía do pensamento.

Insights são insights, e aparecem quando menos se espera. No dia seguinte, o voo de volta ao Brasil era diurno. Antes de embarcar, matutando sobre diversas coisas, me veio novamente na memória a imagem daquela tela. E aí, num átimo, caiu a ficha: o vermelho estava lá sim! Claro! Era o vermelho do sol! Com seus raios incidindo na relva, na luminosidade da paisagem, na sensação de calor do dia retratado. Definitivamente, o sol estava lá. Apenas não se encontrava explicitado na área delimitada pela moldura. O sol brilhava fora da tela e seu efeito era inegável. “Van Gogh vê o sol, mas só vemos o que está no quadro”, pensei.

A partir desse insight, a analogia com os processos de comunicação foi imediata. Quantas vezes não nos atemos somente à parte tangível da comunicação? Nosso olhar fica muito condicionado nos elementos práticos, explícitos, óbvios do processo comunicacional e de criação de narrativas. Ou seja, para aquilo que está “dentro da moldura”. Mas e a parte intangível? O contexto equivale a tudo aquilo que ultrapassa os limites da moldura. No universo corporativo, divulgar comunicados, projetos ou avanços não necessariamente transmite a contextualização estratégica em que uma organização está inserida. A comunicação precisa vir acompanhada disso.

Onde vemos o contexto?

Se pararmos para pensar, está em quase tudo!

Na linguagem, palavras, frases e até mesmo materiais inteiros podem ter significados distintos, dependendo do contexto em que são utilizados. Um exemplo clássico e simplório é a palavra “banco”, que pode se referir a uma instituição financeira, um assento ou uma margem de rio. A clareza e a objetividade na escrita e na fala, juntamente com a contextualização (fornecendo informações suficientes para que o recebedor possa compreender o significado da mensagem ou da narrativa), são fundamentais para evitar ambiguidades e garantir uma interpretação de acordo com a intenção do autor.

Nas comunicações, a compreensão eficaz de uma mensagem ou de um material depende, também, do conhecimento do contexto em que ela foi gerada e transmitida. Sem esse conhecimento, podem surgir mal-entendidos e interpretações errôneas.

Exemplos:

– Uma notícia sobre um evento político pode ser interpretada de maneiras diferentes por pessoas com diferentes convicções e visões de mundo.

– A análise de uma obra de Shakespeare pode ser enriquecida pelo conhecimento da Inglaterra do Século XVI.

– A interpretação de um versículo da Bíblia pode ser influenciada pelo conhecimento da cultura judaica antiga.

Voltando ao mundo empresarial, em compliance igualmente não há texto sem contexto. Se não, são apenas regras. E só isso não é suficiente. Temos sempre que analisar a matriz de riscos e as demais variáveis envolvidas. Por isso, uma organização não pode ser refém da decisão de apenas uma pessoa, de decisões unilaterais. As decisões devem ser analisadas em conjunto e compartilhadas, principalmente em situações de risco. Nossos comportamentos geram inúmeras percepções, e temos que estar conscientes disso. Nos relacionamentos corporativos, tudo tem risco. O compliance, no processo de construção de narrativa de uma empresa, faz parte da legitimação de qualquer companhia, olhando não só os aspectos de legalidade, mas também a contextualização, pois conforme a sociedade evolui e se transforma as leis vão se adequando. Ou seja, compliance não pode apenas focar nos riscos e no “não à primeira vista”, mas sim em criar um escudo de proteção à substância corporativa da companhia.

Nos relacionamentos e projetos corporativos em geral, somente a partir de uma análise de históricos, impactos e variáveis envolvidos, assim como do olhar clínico sobre o ambiente político, institucional, econômico e socioambiental, é que é possível uma tomada de decisão mais qualificada nas estratégias e ações de interação e desenvolvimento. Leitura de cenários, verificação de riscos e outras variáveis e avaliação de perspectivas são elementos que ajudam a contextualizar uma iniciativa, um projeto ou uma narrativa.

O contexto como fator interligado e determinante no “significado”

Muitas vezes, uma mensagem, informação ou narrativa é criada e emitida com um objetivo claro, mas o resultado pode variar ao sabor das interpretações. A título de ilustração, diante de um simples comunicado sobre férias coletivas uma pessoa pode fazer a seguinte projeção: “Ótimo, vou poder ficar com a minha família e relaxar”. Já para outro colaborador da empresa o mesmo conteúdo pode sugerir tempos nebulosos: “Será que a produção ou as vendas estão caindo? Será que os negócios vão mal? Terei o meu emprego ao voltar das férias?” Assim, o que seria uma mensagem padronizada suscita leituras diferentes. Se o fato a ser divulgado são as férias coletivas, o contexto é o que ele pode significar.

Dessa forma, temos que nos antecipar às eventuais interpretações da informação e nos certificarmos de que a mensagem, a notícia ou a matéria está devidamente contextualizada. Sem a devida explicação sobre o contexto, as pessoas, seja movidas por convicções, crenças, intuições, históricos, valores ou por perspectivas diferentes, acabam conferindo significados variados à informação, partindo da ideia original da comunicação.

Uma boa dica é pedirmos para alguém de outra área ou externo que leia a mensagem e relate o que compreendeu. Isso pode ocasionar bons feedbacks. Além disso, a informação precisa estar clara, completa e levar em conta que podem existir realidades internas e externas diferentes – matriz X filiais, nacional X regional, culturas diversas, conjunturas históricas, e assim por diante.

O texto e o contexto não são elementos estáticos, mas sim dinâmicos, que interagem e se influenciam mutuamente. O significado de um texto é construído a partir dessa interação e de como a mensagem é gerada, desenvolvida e recebida.

Nas redes sociais…

As mensagens nas redes sociais são frequentemente interpretadas de forma errada, devido à falta de contexto. Historicamente, as redes sociais sempre facilitaram a disseminação de informações de modo escalonado, o que faz com que as pessoas repliquem discursos ou narrativas, muitas vezes, sem uma posição crítica. Isso dá margem à disseminação de fake news e de mensagens mentirosas. Em momentos de raiva ou indignação, ou até pela falta de conhecimento mais amplo e de análise crítica, muitas vezes replica-se uma mensagem ou uma informação sem que se veja, diretamente, quem é o outro para quem se fala e sem verificar tudo o que a envolve ou até a sua veracidade. A falta de contextualização estimula esse processo.

No Instagram, Facebook, LinkedIN e outras plataformas, muitas publicações são feitas, pela pessoa que coloca o post, pensando em um determinado público ou segmento. Porém, essas publicações acabam sendo lidas por uma gama muito maior de pessoas, o que, às vezes, gera problemas de contextualização e comentários inadequados.

No WhatsApp, Telegram, Messenger, mensagens do Instagram, X (antigo Twitter), TikTok e outras redes, a instantaneidade das mensagens e a rapidez da propagação, sem tempo para uma análise mais crítica, acarretam problemas ainda maiores de compreensão e comentários também difusos e dispersos, muitas vezes inapropriados.

Conclusão

Em cima de tudo o que foi aqui apresentado, há uma constatação e uma reflexão. A constatação: é de fundamental importância levar em consideração o contexto em que uma narrativa ou uma comunicação é originada, produzida e recebida. A contextualização é primordial para a compreensão das informações e significados que queremos transmitir, para a análise do conteúdo e para uma produção comunicacional mais clara e eficaz.

A reflexão que fica é como podemos evoluir no sentido de buscar processos de comunicação e engajamento cada vez mais estruturados, organizados, transparentes e assertivos, principalmente em tempos de fake news e inteligência artificial, incluindo sempre o contexto em torno da informação, da notícia ou da matéria, sob pena de contribuirmos, mesmo indiretamente, para a desinformação e para interpretações errôneas ou embaralhadas, que podem, inclusive, afetar reputações e negócios.

É um desafio para o nosso dia a dia no trabalho e na vida pessoal. Vamos a ele!

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Carlos Parente

Graduado em Administração de Empresas pela UFBA, com MBA em Marketing pela FEA USP, possui um sólido histórico de experiência em Relações Institucionais & Governamentais, Comunicação Corporativa e Advocacy, com participações e lideranças em processos de comunicação estratégica, inclusive internacionais. Carlos Parente é sócio-diretor da Midfield Consulting.

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