27 de junho de 2023

Menos achismos e mais evidências: precisamos entender os métodos científicos para uma comunicação mais assertiva (Parte 3)

Confira as partes anteriores do artigo:

As duas partes anteriores desta série de artigos foram dedicadas à ideia de sairmos da intuição para sustentarmos nossas decisões baseadas em evidências. Para isso, foi demonstrado o quanto é importante entendermos a estrutura de formação de conhecimento para compreender o mundo no qual estamos inseridos. Portanto, engana-se quem ainda não compreendeu que as tradições filosóficas, como as proposições empiristas de Immanuel Kant (1724-1804) ou a dialética de Friedrich Hegel (1770-1831), determinam a forma como enxergamos o mundo e, mais importante,  como moldam a práxis das nossas atividades profissionais.

Esta noção fica clara quando colocamos um engenheiro – físico aplicado, que é treinado em ciências naturais e, portanto, tende a ser Popperiano e busca enunciados factuais universais para compreender o mundo – ao lado de um jornalista – cientista social aplicado que, ao ser influenciado por Theodor W. Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), tem uma visão crítica da sociedade construída na Dialética – para discutir o cenário político do Brasil. Se não houver clareza sobre a epistemologia de suas formações acadêmicas, teremos apenas um almoço de domingo com muita discussão e pouco entendimento.

Porém, para a tristeza de meus colegas de humanidades, não basta filosofia para construirmos um pensamento mais científico e menos intuitivo. Obviamente, a matemática é fundamental neste processo. Infelizmente, o modelo educacional voltado para criar força de trabalho e não para construção de pensamento crítico tem feito com que as ciências exatas sejam reduzidas, para grande parte da população, a algo menos compreensível ou apenas um instrumento operacional.

Não é para menos. Quantos alunos não se indagaram de onde saíram os Xs e Ys das equações matemáticas que, sem contextualização, seus professores jogaram nas lousas? Não há a preocupação em explicar que a matemática, antes de tudo, é uma linguagem que surgiu por desafios reais da humanidade, como medir a área de um terreno agricultável ou compreender a órbita dos planetas do sistema solar. Colocá-la a partir do ponto de vista histórico torna-o mais interessante e mais compreensível.

Por isso, sempre que me perguntam dicas de como iniciar no universo de dados, costumo indicar junto a quaisquer cursos a leitura de livros sobre a história do conhecimento de matemática, como “Uma senhora toma chá… como a estatística revolucionou a ciência no século XX”, do  David Salsburg, ou “Desafio aos deuses: a fascinante história do risco”, de  Peter L. Bernstein.  Além de leituras interessantes e bem escritas, ajudam a compreender o contexto da invenção de cálculos de probabilidade, as motivações por trás dos Testes de Hipóteses ou entender como o Teorema Central do Limite explica pesquisas de opinião.

“Menos astrologia, mais astronomia”: estatística é instrumento para o comunicador

A capacidade de utilizarmos a matemática, especialmente o campo da estatística, para explicar fenômenos das ciências sociais, pode ser o fator de mudança da compreensão do papel da comunicação corporativa em uma companhia. Pode ser a razão da transição de um time operacional, que serve para marcar entrevistas para executivos, para um que impacta estrategicamente a companhia.

Nestes anos de evangelista, tive a oportunidade de vivenciar algumas experiências de “empoderamento” por meio de dados. Mas tem uma em especial que gosto de compartilhar. Era um cenário típico, e talvez o mais temido, do mundo corporativo: a apresentação de resultados trimestrais para o CEO de uma das maiores montadoras do mundo. Os protocolos destas situações – sala de reunião mais escura, formalidades excessivas e o silêncio entre as apresentações – materializam a tensão que está no ar.

O clima só fica melhor quando os slides com gráficos e números dos resultados da comunicação corporativa começam a interessar o principal executivo da mesa. Seu interesse pelas informações muda o tom de todos da sala. Especialmente, quando o CEO tira insights sobre o seu produto a partir dos dados da percepção da imprensa, detalhadamente coletados, trabalhados e visualizados na apresentação. Pela primeira vez, a comunicação corporativa assumiu o protagonismo em uma reunião executiva.

Depois da reunião, o diretor de comunicação, empolgado pelo sucesso, convoca uma reunião de emergência com todos do time de comunicação. E solta, para mim, a frase mais emblemática: “conseguimos mostrar que comunicação não é astrologia, mas sim astronomia.” A sua metáfora sintetiza perfeitamente a ideia de que existe um processo científico na práxis comunicacional. Porém, por negarmos a matemática, ficamos restritos, nestes casos, à parte semiótica da exposição da imagem nas mídias – que é muito importante, mas para a epistemologia dos engenheiros da sala de reunião soa como algo sem materialidade.

A ideia da publicação neste espaço na Aberje é exatamente quebrar esta percepção de que não existe ciência no processo de comunicação. Pelo contrário, por ser uma ciência social aplicada, apresenta complexidades teóricas e nos métodos que tornam a compreensão mais desafiadora do que nas demais disciplinas. Nesta perspectiva, podemos dar com exemplo a possibilidade do uso ou não do Testes de Hipóteses (teste t ou ANova).

É requisito que, para aplicar estes testes, os dados analisados tenham uma distribuição normal, homogeneidade e esfericidade. Nas ciências naturais, existe mais chance de os dados tenderem, ou se aproximarem, a estes requisitos, como, por exemplo, a altura da população ou incidência de uma doença cardíaca. Por outro lado, nas ciências sociais os dados tendem a ter tipos de distribuição não-normais. Ou seja, tem assimetrias na curtose, com as incidências muito abaixo ou acima da média.

Desta forma, o pesquisador desta área é obrigado a usar outros modelos estatísticos que respondam a estas complexidades. Portanto, somos impostos a desafios metodológicos diferentes – e diria mais complexos – que médicos ou engenheiros, por exemplo. Não por acaso Émile Durkheim (1858-1917), um dos fundadores da sociologia, publica, em 1895, o livro As Regras do Método Sociológico no qual delimita, a partir da definição de fato social, o campo de estudo da sociologia e reforça a importância da estatística para a sua compreensão.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Cláudio Bruno

Claudio Bruno é Diretor de Inovação na Cortex, líder em Big Data e IA para Marketing e Vendas na América Latina. Com mais de 20 anos de atuação, passou por empresas como CDN Comunicação e Grupo In Press. Possui especializações em Gestão de Marketing pela USP e Comunicação, Audiovisual/Novas Tecnologias pelo Centro Universitário Senac. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

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