05 de setembro de 2022

Relações objetivas de trabalho são a resposta para conflitos no ambiente empresarial

*Publicado originalmente no LinkedIn em 02 de agosto de 2022

O que chamamos de uma “empresa” é uma estrutura de relações humanas voltada para objetivos comerciais. Mas é inegável que, sendo isso, ela também participa da organização social do trabalho e contribui de maneira fundamental para a ordem geral da economia. Em outras palavras, toda empresa, para além de sua função imediata, existe em um jogo intrincado com a realidade política e com a história da sociedade, além de ocupar um grande espaço nas vidas daqueles que trabalham com ela, organizando seu tempo, articulando sua função social e atravessando seus modos de ser e conviver.

Ora, dentro dessa dupla consideração (de um lado, os objetivos comerciais, os produtos e serviços, e, do outro lado, como ela molda boa parte da vida dos envolvidos em seu trabalho), não é simples diferenciar aquilo que é relativo à performance no trabalho e aquilo que é relativo ao envolvimento pessoal dos indivíduos com a empresa. A personalidade, os valores e os ideais de cada um influenciam em sua capacidade profissional, assim como ninguém consegue construir uma vida pessoal que seja totalmente indiferente àquilo que seu trabalho exige de tempo e esforço.

O problema é que, ainda assim, é preciso reconhecer que o meio empresarial funciona de acordo com uma ordem própria, distinta, por exemplo, da ordem afetiva das relações pessoais, da ordem espiritual das religiosidades ou da ordem dos ideais de vida coletiva no nível mais geral da política. Ou seja, é preciso saber distinguir o que diz respeito ao bom funcionamento do ambiente de trabalho e o que diz respeito a outras demandas por um acordo de ideias.

Isso é de suma importância para a gestão e, principalmente, para a promoção do diálogo, a resolução de conflitos e a descoberta de consensos no ambiente corporativo. Porque uma empresa não é o lugar onde se devem resolver quaisquer conflitos pessoais ou ideológicos que não digam respeito à ordem empresarial, isto é, àquilo que é necessário para a performance e eficácia da empresa.

Toda empresa funciona melhor quando é regida por aquilo que podemos chamar de “relações objetivas de trabalho”. Elas são objetivas na medida em que não são guiadas pelas nossas subjetividades particulares, mas sim pelo que objetivamente constitui a performance empresarial. Gostar ou não gostar de um colega, concordar ou não com suas opiniões, posicionamentos políticos ou visões de mundo são fatores que não têm lugar na estrutura empresarial senão apenas na medida em que impactam a performance. E a cooperação, a valorização do serviço bem feito ou a proatividade precisam ser promovidos e reconhecidos à parte de nossas opiniões pessoais sobre outros assuntos. Claro, é sempre bom lembrar que opiniões e posturas pessoais são uma coisa. Crimes e comportamentos afins são outra coisa. Por exemplo, racismo não é opinião. É crime! Homofobia, também.

Construir relações objetivas de trabalho sempre incrementa positivamente a dinâmica empresarial, porque passa segurança para todos os envolvidos. Saber que nosso trabalho vai ser reconhecido independentemente de não sermos pessoalmente amigos do chefe, ou cooperar com a equipe ainda que tenhamos opiniões políticas contrárias, garante que nossa dedicação ao trabalho vá ser avaliada por si mesma, incentivando-nos a produzir. Por isso, as discordâncias de ordens outras que não aquelas pertinentes à performance empresarial não devem influenciar na cooperação e na harmonia do ambiente de trabalho.

É claro que toda empresa precisa implementar, em sua estrutura, medidas de responsabilidade social, baseando-se em um propósito e estabelecendo valores corporativos. Mas, no meio empresarial, em geral nem mesmo isso se distingue dos indicadores de performance: não é preciso concordar ideologicamente para saber que é um fato que a objetividade, a diversidade, a inclusão da diferença e a promoção do respeito e da saúde mental só podem gerar resultados positivos para a performance empresarial.

Afinal, lidar com a diferença é inevitável nesse contexto. Kenneth Frazier, por exemplo, diretor executivo do conselho da Merck e ex-CEO da empresa alemã, chegou a afirmar, durante o último Page Society Spring Seminar, que “Os negócios [empresas] são o último lugar em que pessoas não podem escolher se relacionar apenas com pessoas iguais a elas, que acreditam no mesmo que elas”. Para lidar com essa realidade, a política interna da empresa, orientando-se com inteligência pelos indicadores de performance, precisa promover princípios éticos ligados à diversidade, ao respeito, ao diálogo e ao amadurecimento das relações sociais.

O que se torna necessário para isso, então, mais do que discutir princípios éticos, é desenvolver técnicas e modos de formação básica para que, sem jamais negar a natureza humana, as pessoas se tornem capazes de se engajar com a produção cotidiana dessa harmonia empresarial, em relações objetivas de trabalho. Fazer essa distinção básica entre a ordem subjetiva e a ordem objetiva é o passo inicial para esse desenvolvimento primordial da performance empresarial.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Hamilton dos Santos

Jornalista, mestre e doutor em Filosofia, ambos pela Universidade de São Paulo (USP). Também é formado em Administração de Empresas pela Stanford Global Business School. Tem experiência em diversas redações dos principais veículos de comunicação do Brasil e como diretor de Recursos Humanos da Editora Abril, onde trabalhou por 20 anos. Atualmente é diretor executivo da Aberje – Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, representa a instituição na Global Alliance For Public Relations and Communication Management e é membro da Page Society, do Conselho da Poiésis e um dos líderes do movimento “Tem Mais Gente Lendo”.

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