08 de outubro de 2019

Aberje: a inquietação reinventando seu destino

No dia 8 de outubro é comemorado o Dia da Comunicação Empresarial, data que marca a fundação da Aberje, em 1967.

Ao longo das celebrações do cinquentenário da Associação, a Aberje Editorial publicou, em dezembro de 2018, a obra “50 Anos Aberje: Ensaios e Memórias”, um compilado de reflexões sobre o passado e o futuro da Comunicação Empresarial brasileira. Leia a seguir o posfácio do livro, assinado por Renato Gasparetto.

Renato Gasparetto

Em uma manhã de 1989, envolto no fechamento das edições de quatro publicações internas e da Revista Santista (externa), recebi um telefonema de Amauri Beleza Marchese, presidente da Aberje.

Eu era gerente de Comunicação do Grupo Bunge (na época denominado Moinho Santista e Associadas) e sempre entendi que a atividade em entidades de classe era uma forma de disseminar a cultura da comunicação empresarial. Havia começado oito, nove anos antes no BCN – Banco de Crédito Nacional – como “foca” (jornalista novato), aos 17 anos de idade, na redação da revista externa que a instituição financeira fazia para seus clientes e formadores de opinião.

E fui privilegiado por um incidente de mercado. O resultado da greve de jornalistas de 1979 tinha provocado um efeito colateral: o êxodo de vários profissionais dos grandes veículos de imprensa para a comunicação empresarial. Meio atordoados por se aproximarem de um mundo que antes repeliam por entenderem que jornalista “de verdade” trabalhava em jornal, TV ou rádio, eles chegavam – como “bárbaros” – aos departamentos de comunicação das empresas buscando reproduzir as ruidosas e esfumaçadas redações, o que contrastava com os ambientes assépticos das empresas não jornalísticas.

Em um espaço antes prioritariamente ocupado por relações-públicas e profissionais de recursos humanos, os jornalistas chegavam aprimorando reuniões de pauta, produzindo textos primorosos e me ensinando muito.

Meu chefe de redação no BCN, Ricardo de Paula Ferreira, era um ícone desse perfil: rigoroso nos textos e na qualidade dos títulos, apesar de não disfarçar uma grande queda para fotos e diagramação. Seu rigor inspirava medo. E o medo, com o tempo, foi decodificado por admiração, e nos tornamos grandes amigos.

Já na Bunge, tive a oportunidade de liderar várias publicações internas e externas sob a batuta de um líder empresarial de destaque: Ruy Martins Altenfelder Silva. À primeira vista, sua suposta formalidade propunha uma distância disciplinar. Mas escondia, na verdade, um bom humor refinado pautado por um comportamento ético irrepreensível. Além de diretor de Comunicação da Bunge, Ruy era vice-presidente da Fiesp e tinha uma visão institucional ampla dos desafios de uma época em que se iniciava a implementação da nova Constituição Brasileira (1988).

O telefonema de Amauri Marchese, em 1989, continha o espírito inquieto de mudança que ele sempre carregou: havia liderado a transformação – pouco tempo antes – do histórico significado da Aberje, de Associação Brasileira de Editores de Revistas e Jornais de Empresa para Associação Brasileira de Comunicação Empresarial. Enfim, a Aberje deixava de ser uma sigla para se tornar uma marca, o símbolo de uma nova era.

Amauri me convidava para fazer parte da equipe que sucederia sua gestão e seria comandada por Miguel Jorge (então Autolatina). Dizia ele que precisava de renovação e isso passava por ter então o nome-símbolo daquele momento, um grande jornalista que havia migrado da direção de redação de O Estado de São Paulo para a comunicação empresarial.

Não tinha como não aceitar. Era uma honra para mim fazer parte de um time que ainda teria como vice-presidente Antonio Alberto Prado, ex-correspondente internacional de destacados veículos da grande imprensa, então à frente da Comunicação da Bayer. Naquele momento, a Aberje refletia a ascensão de jornalistas ao espaço da comunicação corporativa.

Minha aproximação com a Associação até então não se resumia a participar de cursos de formação profissional ou vibrar quando a empresa em que trabalhava era vencedora do Prêmio Aberje. Em minha “militância” na defesa da comunicação empresarial como área estratégica nas organizações, eu participava de debates e colóquios com vários profissionais da área. Destaco a Comissão Permanente e Aberta de Jornalistas de Assessoria de Imprensa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, na qual tive condições de conviver com colegas de altíssimo nível e igualmente inquietos e inconformados como eu com a falta de reconhecimento da área. Mais ainda: que acreditavam no futuro da comunicação empresarial. Destes, eu destaco Eduardo Ribeiro e Marco Rossi, que viriam a ser os criadores do Congresso Mega Brasil, dentre outras iniciativas.

A defesa da “causa” também passava pela Academia. Vale fazer um tributo especial àquele que originalmente lançou as bases conceituais para uma visão mais estratégica da comunicação empresarial: Gaudêncio Torquato, professor titular da USP e o primeiro a lançar livros sobre comunicação no ambiente empresarial e organizacional. Torquato, com seus ensinamentos, despertou-me para uma conexão possível entre a teoria e a prática. O gatilho foi acionado quando constatei uma enorme dificuldade em contratar profissionais que tinham aderência ao novo “pensar” sobre a comunicação corporativa. Em autocrítica, cheguei à conclusão de que poderia compartilhar mais o que estava aprendendo na prática. Passei então – em paralelo à vida executiva – a aceitar convites para participar dos primeiros cursos em nível de pós-graduação na área, como o da ESPM-SP, na qual fiquei 11 anos ministrando a disciplina de Gerenciamento da Comunicação Corporativa em nível de MBA Executivo, cujo programa tive a oportunidade de formular.

A Aberje das gestões Miguel Jorge e posteriormente Antonio Prado ainda demandava um impressionante nível de envolvimento pessoal dos membros da diretoria. Lembro-me de uma vez, na gestão do Prado, com meu carro repleto de cases para ser julgados pelos jurados do Prêmio Aberje e eu levando-os às casas e empresas dos jurados. O office boy da Aberje tinha faltado naquele dia, e me foi pedido um apoio emergencial. Não havia espaço para hierarquias, o prazo estava correndo!

No fim do mandato de Prado começaram as discussões internas de quem deveria sucedê-lo. Mais um profissional sênior e de sucesso na área ou haveria uma nova etapa a ser construída?

Em uma noite no apertado escritório da Rua Dona Antônia de Queirós, após uma reunião de diretoria tendo Anna Chala como testemunha de mais um momento-chave na evolução da entidade, lancei ao Prado a sugestão que soava como um desafio: já que queremos realmente dar um salto de qualidade, não vamos continuar pregando somente aos convertidos. Vamos convidar um líder empresarial para presidir a Aberje. E sugeri o nome de Ruy Altenfelder. Minha convivência com Ruy na Bunge me assegurava que, além de ter visão empresarial de vanguarda para a época, ele conhecia a Aberje por acompanhar meus passos na entidade e nutria respeito pela causa e por seus profissionais.

Há uma máxima que diz: “Já que sugeriu, execute!” Fui incumbido de levar ao Ruy o convite de presidir a entidade. Como já liderava o Instituto Roberto Simonsen, da Fiesp, participava de outros importantes conselhos de empresas e entidades, Ruy foi objetivo em duas precondições para aceitar o convite. Disse ele: “Somente posso aceitar o desafio se tiver um diretor executivo e se você continuar na diretoria”.

Minha ligação com a Aberje já tinha se tornado afetiva, e prontamente aceitei o segundo convite. Quanto ao primeiro, era um desafio. A entidade nunca tinha tido antes um COO, Chief Operating Officer, considerando que o presidente do Conselho acumulava a posição de CEO, Chief Executive Officer.

Porém, um círculo virtuoso se formava: dias antes eu havia almoçado com um amigo de velhos tempos, Paulo Nassar, que estava entrando em um novo ciclo profissional após ter tido papel de destaque na instalação da TV Jovem Pan. Paulo carregava o espírito empreendedor inquieto de que a Aberje precisava para seu novo momento. Conhecia bem o mercado da comunicação empresarial e tinha um excelente networking. Meu próximo passo foi aproximar Ruy de Paulo e constatar que a boa química tinha se estabelecido imediatamente.

Ruy elevou a Aberje ao patamar que se esperava com apoio de uma diretoria ativa e tendo Paulo como um desbravador de oportunidades, buscando o crescimento e a expansão do conceito da comunicação empresarial, em paralelo ao aperfeiçoamento da governança, processos internos e conexão com o mundo acadêmico. Posteriormente o Prêmio Aberje passou a ter auditoria independente, dentre outras melhorias que, na época, eram inovadoras.

Na década e meia seguinte, com as diretorias que sucederam às de que participei mais ativamente, ampliaram-se o conceito e o alcance da Aberje para muito além do que se conhecia como comunicação empresarial nos seus primórdios.

A Aberje deixou de ser um espaço de jornalistas, publicitários e relações-públicas que trabalhavam em empresas e agências. A comunicação corporativa deixou de ser território de disputa profissional de origem acadêmica e passou a ser espaço de convergência de profissionais de várias formações e expertises. Ou seja, um think tank internacional voltado à comunicação corporativa, com uma narrativa muito mais abrangente e estratégica.

Não se resume mais ao mundo da relação interna e externa da empresa com seus stakeholders básicos. Sob a batuta e a expertise acadêmica de Nassar, a Aberje tornou-se emuladora de causas e protagonista de ações de advocacy.

A Associação, hoje internacionalizada, é inquieta com a leitura de cenários e antecipa tendências, debatendo-as e provocando o compartilhamento e a colaboração em um mundo em que a nova economia altera valores e acelera exponencialmente a interação entre as pessoas.

Sinto-me honrado em ser um dos soldados da comunicação empresarial que foi um observador privilegiado e – juntamente com bravos colegas – agente de uma era em que se construíram as bases da credibilidade que nossa área alcançou. Por ter começado muito cedo, continuo ativo e vibrando com a causa da comunicação corporativa, inclusive presidindo comitês internacionais. No Conselho Consultivo da Aberje, presencio uma entidade que, com vigor, experiência e juventude, calcada em uma equipe de profissionais qualificados, atingiu um patamar de inovação muito acima dos sonhos que eram debatidos nos acanhados escritórios da Rua Dona Antônia de Queirós, no princípio de tudo.

Renato Gasparetto é vice-presidente de Relações Institucionais da Vivo. Texto escrito para o posfácio da obra “50 Anos Aberje: Ensaios e Memórias”, lançado pela Aberje Editorial em 2018, como parte das comemorações do cinquentenário da Associação.

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