02 de setembro de 2020

O novo ativismo empresarial: por que se engajar é mais do que uma opção?

4ª edição Aberje e Cause reúne representantes de empresas engajadas que mostram que uma causa deve estar na centralidade da marca

Por Aurora Ayres

Pesquisas apontam que mais de 65% dos brasileiros gostariam de se engajar mais em causas sociais. Mas, por que isso não acontece? Entre os principais motivos estão a falta de dinheiro para doar ou de tempo livre para se voluntariar e, por incrível que pareça, o de que nenhuma ONG solicitou ajuda. Por outro lado, a pandemia provocou o resgate do senso de coletividade aflorando nas pessoas sentimentos como empatia e solidariedade e empresários entraram em cena impulsionando uma cultura de doação no país e exibindo um novo tipo de ativismo empresarial.

O encontro online “O novo ativismo empresarial: por que se engajar é mais do que uma opção?”, realizado pela Aberje e associada Cause no dia 27 de agosto, trouxe alguns cases de empresas engajadas para discutir o assunto. Participaram  Hamilton dos Santos, diretor geral da Aberje, Mônica Gregori e Rodolfo Guttilla, sócios da CauseEduardo Vilhena, gestor do Instituto Mary KayLillian Dakessian, líder da categoria de Cuidados Femininos para América Latina na Kimberly-Clark e Rodrigo Pipponzi, co-fundador da Editora MOL.

Ao abrir o evento, Hamilton dos Santos aproveitou para anunciar que a Aberje, parceira de longa data do Jornal Valor Econômico na produção anual da revista Valor Setorial Comunicação Corporativa, está preparando um fórum digital com o objetivo de abordar o protagonismo da Comunicação durante a pandemia. Um dos temas será a Comunicação da Solidariedade: o Ativismo. Serão quatro encontros que se estenderão até outubro.

O propósito das organizações e as demandas da sociedade 

A crise provocada por um vírus invisível e desconhecido ensina que a sobrevivência individual só pode se dar por meio de ações coletivas e indica que atitudes egoístas não salvam. Iniciativas e medidas de enfrentamento surgiram de todos os cantos do planeta, revelando incontáveis conexões entre o propósito das marcas e os anseios da sociedade. “Nós acreditamos que nosso maior potencial de contribuição social está no encontro entre o propósito das organizações e as demandas da sociedade. A partir dessa união é possível gerar transformações positivas para todos”, salientou Mônica Gregori, sócia fundadora da Cause.

Apresentação de Mônica Gregori, sócia fundadora da Cause.

Nesse sentido, a executiva comenta alguns pontos que devem ser levados em conta em tempos de crise. “Ninguém é dono de uma causa, ela pertence à sociedade. Vimos várias marcas concorrentes se unirem e se articularem ao encontro da mesma causa. E cada empresa acaba se diferenciando quando influencia e mobiliza seus stakeholders por meio de sua melhor competência para atuar frente à uma causa”, enfatizou.

Em relação à Comunicação de Causa, Mônica frisou não ser o momento de uma empresa enaltecer seus diferenciais nem seus produtos, mas como pode se valer do que tem de melhor para engajar o seu público. Outro ponto abordado refere-se ao bom senso e à coerência. “É preciso analisar se há coerência entre a comunicação e as ações começando pelos públicos internos, pois o risco de parecer oportunista pode manchar a reputação de uma empresa”, alertou.

Ao comunicar ações e medidas estreitam-se os laços de confiança, tornando possível sair fortalecido de uma crise. “É preciso ter transparência acima de tudo. Nunca vimos tantas cartas abertas, tantos posicionamentos em relação à política, conjunturas sociais…Além disso tudo, é preciso agir, mesmo que uma ação pareça pequena diante do problema. No final das contas, tudo vai contar na transformação que todos querem ver”, concluiu.

Uma causa relevante no universo feminino

“Como é importante as empresas darem voz aos movimentos sociais presentes na sociedade”. A frase foi dita por Lilian Dakessian, da Kimberly-Clark ao apresentar uma campanha da Intimus, apoiada pela Cause. Ela explicou que o desafio era conectar a marca a uma causa relevante e que estivesse dentro da categoria da empresa – que é cuidado feminino – e que fosse duradoura e perene e não pontual.

Apresentação de Lilian Dakessian, da Kimberly-Clark

O tema escolhido foi a estigmatização do comportamento da mulher pela menstruação. Assim, seguindo o propósito da marca – apoiar o progresso feminino – criou-se a campanha #Chega de Estigma. Lilian esclareceu que objetivo era ajudar a derrubar o descrédito de que menstruar é algo vergonhoso que denota fragilidade convidando a sociedade para discutir e debater o assunto.

O start foi dado em março, no Dia internacional da Mulher, na av. Paulista, em São Paulo em um evento que contou com a participação de celebridades e influenciadoras da América Latina. Através de uma caixa grande e rosa, o público pôde assistir um vídeo sobre o quanto as pessoas costumam agir com preconceito quando uma mulher está estressada ou emotiva ao julgarem ser o período menstrual (estar naqueles dias).

“O vídeo, o plano de conteúdo e uma mídia robusta foram a faísca necessária para gerar essa conversa e engajar a sociedade”, revelou Lilian, contando que para aumentar o impacto da campanha foi feita uma parceria com a ONG Plan International, ampliando o trabalho em comunidades carentes com orientação sobre menstruação, educação sexual e outros temas relacionados, além de trazer meninos e homens para o debate.

A campanha se estendeu até julho e teve impacto na mídia em toda América Latina. Segundo Lilian, o nível de engajamento foi duas vezes maior, se comparado a campanhas anteriores, com alto potencial de conexão e compartilhamento. “Além disso também trouxe novas audiências para os canais da empresa. Falar algo relevante faz a diferença para a conexão do consumidor com a nossa marca”, observou.

Um modelo de negócio de impacto social

Criada a partir de um modelo de negócio de impacto social, a Editora Mol vem promovendo a cultura de doação, desde a sua fundação em 2008, ao vender produtos editoriais nos caixas de grandes redes varejistas e reverter parte do valor para instituições. São mais de quatro mil pontos de venda no Brasil todo. E tudo começou com a Revista Sorria, projeto que já doou mais de R$ 25 milhões.

Apresentação de Rodrigo Pipponzi, fundador da Editora Mol

Rodrigo Pipponzi, fundador da Mol, ressalta que a missão da empresa é promover a cultura de doação ao conectar as causas dos consumidores aos negócios, o que acaba gerando um mecanismo de ganha-ganha para a sociedade. “É um modelo que permite que todos ganhem. De um lado, o consumidor final que adquire um conteúdo relevante, de outro a empresa que apoia a causa ganha em reputação e investimento social e a causa em si que é beneficiada com recursos financeiros”, comentou.

De acordo com Pipponzi, já foram doados mais de R$ 35 milhões a mais de 100 ONGs de grandes causas, a partir da venda revistas, livros, calendários e jogos de impacto social em parceria com as maiores redes varejistas do país. “Somos uma grande fonte de recursos para instituições, a partir de uma plataforma de arrecadação de micro doação na rotina do consumo. Não há nenhum investimento financeiro do varejo, eles são canais, são co -realizadores com a gente”, frisou.

O executivo explicou que o modelo parte da premissa de que cada um faz o que tem de melhor como a capilaridade do varejo, pelo volume gigantesco de consumidores. “O grande ativo que reconhecemos, e que durante a pandemia foi um fenômeno de evolução, é o público interno. Percebemos que criamos um modelo que engaja muito poderosamente esses funcionários, pois são eles que oferecem o produto, são embaixadores dos projetos. O principal resultado é a diferença nas vidas das pessoas”, avaliou.

O propósito de uma mulher a frente de seu tempo

Uma mulher aposentada, nos anos 1960, no Texas (EUA) decide abrir uma empresa com apenas 5 mil dólares numa sexta-feira 13 e com o propósito de enriquecer a vida das mulheres. Quem apostaria em Mary Kay Ash?

Hoje, a multibilionária Mary Kay, empresa de venda direta no ramo e cosméticos, criada com o propósito de enriquecer a vida das mulheres – não só no que diz respeito à independência financeira, mas para tornar o mundo um lugar melhor para elas – se mostra comprometida no empoderamento das mulheres e suas famílias através de parcerias com organizações de todo o mundo, concentrando-se em apoiar pesquisas sobre o câncer e proteger sobreviventes de abuso doméstico.

Apresentação de Eduardo Vilhena, gestor do Instituto Mary Kay

Vindo de uma empresa com esse propósito, o Instituto Mary Kay – criado em 2014 – tem como foco de trabalho no Brasil a atuação no combate à violência doméstica. Eduardo Vilhena, responsável pela instituição salientou que a causa central é empoderar a mulher para que ela rompa o ciclo de violência doméstica de uma forma segura para que possam se inserir novamente na sociedade. “A maioria dessas mulheres fica restrita àquele mundo que o companheiro impõe a ela”.

“Com a pandemia, percebemos que o foco é o engajamento. Pequenas e rápidas ações que fomos tomando mudou a visão das próprias funcionárias do instituto, assim como a de milhares de mulheres que atuam na força de vendas. Elas não se sentiam acolhidas pelo instituto”, revelou Vilhena.

Para promover esse acolhimento, foram feitas parcerias com a Associação Fala Mulher, com o movimento Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, da CNJ, além de doações no combate à Covid-19 para a Fiocruz e para o Governo do Estado de São Paulo. “A pandemia possibilitou, em alguns meses, um engajamento que não esperávamos obter em dois anos e as próprias mulheres se sentiram ainda mais protegidas com nossas ações”, concluiu.

Cultura de doação, causa e transparência

A pandemia evidenciou a relação de interdependência entre as pessoas e vem ensinando a prática de doar, mostrando que a solidariedade é a base de uma cultura de doação. No entanto, acompanhar as causas sociais e a transformação promovida pelo dinheiro bem aplicado também faz parte dessa evolução da consciência coletiva. A transparência e a prestação de contas dos recursos doados para uma causa não só ajuda na captação de novas doações mas estabelece uma relação de confiança entre doador e organização.

“Para fortalecermos uma cultura de doação no país, a confiança é um dos grandes fatores na hora de doação. Trabalhar a transparência e a prestação de contas é fundamental para a gente criar e manter a relação de confiança do doador com a organização. Confiança é um valor inegociável”, frisou Rodrigo Pipponzi, da Editora Mol. “Vamos evoluindo cada vez mais não só para entregar recursos financeiros, mas também serviços que possam profissionalizar essas organizações para que utilizem melhor esses recursos”.

Pipponzi reflete a importância trazer a prestação de contas não só do ponto de vista técnico, mas também do emocional. “Procuramos humanizar o impacto de uma doação, contando as histórias dos beneficiários, mostrando como as vidas estão sendo transformadas, quais as conquistas alcançadas com os recursos que estão sendo entregues. Ou seja, além da prestação de contas objetiva, apresentar uma mais humanizada conectando, emocionalmente, o doador à causa para estimularmos que ele continue sendo um doador”, recomendou.

Ao final do encontro, Mônica Gregori, da Cause, fez questão de enfatizar que qualquer organização é mais do que um produto/serviço e que pertence a um ecossistema de relações. “Toda empresa tem uma causa com as demandas da sociedade a partir do seu propósito. Basta olhar para as próprias competências e, com essa lente, oferecer o que tem de melhor para o mundo”, acentuou. “O que não dá é ter uma desconexão absurda entre a causa e a atuação da empresa. Isso aconteceu durante muito tempo”, alertou, argumentando que uma causa não é um enlatado que se pode comprar. “Ela tem que fazer sentido com a essência da organização. Toda empresa tem algo a oferecer para a sociedade. É só dar o primeiro passo: olhar bem para dentro”, recomendou a executiva.

Assista à íntegra no canal da Aberje:


 

 

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