24 de março de 2017

O que aprendi no SxSW sobre criar narrativas que impactem negócios

Carolina Fullen

O SxSW, também conhecido como South by Southwest, é um dos maiores festivais de criatividade do mundo e reúne, no Texas/EUA, milhares de pessoas para conversar sobre interatividade, música, filmes e o futuro de tudo isso. Passa longe de ser uma competição de belos cases para criar uma grade que estimula o pensar. São centenas de palestras, painéis de debates, sessões de mentoria em que se fala um pouco de tudo: de automação do trabalho, chatbots, AI/VR a questões mais “pé-no-chão” de comunicação, como o papel dos micro influenciadores, conteúdo linear/não-linear, futuro do jornalismo e por aí vai.

Até mesmo assuntos que poderiam ser tidos como ‘tradicionais’ são abordados sob novas ópticas. O exemplo perfeito disso é o já batido storytelling. Sim, acredite. Mas se você parar para pensar, em um evento em que se falou sobre automação do trabalho e substituição de posições por inteligência artificial e softwares, é uma boa notícia saber que conteúdo permanece um diferencial e grande driver de conexão de marcas e públicos.

A premissa é simples: uma campanha linda não é mais garantia de impacto positivo nas vendas. Não sem uma narrativa capaz de influenciar as pessoas a realmente mudarem um comportamento. E isso é uma boa notícia para quem trabalha com PR. Quando o assunto é contar histórias sem tantas pirotecnias, que encarecem projetos em épocas de vacas mais magras, o PR pode – e deve – ter um papel mais protagonista nas estratégias das companhias.

Mas se há oportunidades, há também imensos desafios. O SxSW trouxe reflexões importantes sobre como usar novas tecnologias, neurociência e dados para construir narrativas engajadoras.

 

Dados e novas tecnologias, ok! Mas… neurociência?

Sim! Pesquisadores científicos vêm estudando há anos como o cérebro reage à informação e já conseguiram provar como pessoas respondem de forma mais contundente quando se constrói uma conexão empática. Especialmente nos momentos batizados de transposição narrativa, em que a audiência consegue enxergar pela mesma perspectiva que o sujeito da história, independente de concordar ou não. Alguma dúvida de que isso influencia?

Em um olhar geral, aqui vão grandes dicas de como usar isso no nosso dia-a-dia:

  • Audiência virou comunidade

A hiperconexão em que vivemos mudou o comportamento dos consumidores de informação – e do seu produto também. É mais do que uma questão de instantaneidade da informação, que existe, claro, mas é principalmente sobre o poder de influência de comportamento. Parece óbvio, porque todo mundo está cansado de saber que recomendações de outros clientes influem na formação de percepção e na tomada de decisão de compra. Tampouco é novidade o papel dos novos influenciadores nas ações de Comunicação.

A nova reflexão que o SxSW trouxe, na verdade, é pensar no comportamento de comunidade quando planejamos estratégias de comunicação. E, realmente, ainda é muito mais comum pensar em targets de forma isolada e não em grupos de influência.

Isso requer conhecer a fundo essas audiências. Como os públicos se interconectam e se influenciam? Que formatos de conteúdo terão mais aderência?

Um exemplo apresentado no festival é o da marca de cosméticos e.l.f., que foca em produtos de premium a preços acessíveis. Em um mercado saturado de ações e de concorrentes, eles se diferenciaram aproveitando uma característica da comunidade que curte maquiagem: os tutoriais e a inclinação natural de compartilhar dicas e produtos.

A partir disso, a marca decidiu direcionar sua verba de marketing para criar uma comunidade de influenciadores que reverberasse a comunicação. Mas em vez de grandes tiros de canhão, focou em micro influência – naquelas pessoas que têm alta aderência com valores da marca e alto engajamento dentro de suas respectivas comunidades, independente do alcance total.

Hoje, a companhia seleciona fãs da marca para se tornarem as embaixadoras a partir de um concurso em que o engajamento é fundamental: é necessário postar fotos específicas sobre maquiagem, lifestyle e personalidade, e de divulgar o produto favorito da marca. Para tornar a experiência completa, além de conteúdo, a e.l.f. realiza três eventos anuais – os Beautyscapes, fins de semana de compartilhamento de conhecimento e muitas atividades para criar laços entre a marca e as participantes, mas também entre elas. O último aconteceu justamente durante o SxSW 😉

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  • Use dados – mas não de forma exagerada
    Vivemos a famigerada era do big data. E é maravilhoso poder entender melhor públicos, tendências e comportamentos, como acabamos de ler acima. Mas como usar dados propriamente ditos para criar narrativas poderosas ainda rende uma boa discussão.

Com prós e contras, como tudo. Na verdade, consenso sobre uso de dados existe. Usar um número como parte de argumentação pode ajudar a dar consistência e chamar a atenção para a mensagem. O importante é não exagerar na dose. Não apenas para não ficar técnico demais, mas em um universo de opiniões polarizadas, discutir os fatos não ajuda e pode causar um efeito contrário ao desejado. Afinal, quem gosta de ser abertamente contrariado com um contra fato?

O uso inteligente dos dados dentro de um contexto de afirmação, claro, funciona. Exemplo é a campanha Do I have prediabetes?” (Tenho pré-diabetes?), que criou uma campanha de TV usando estatísticas e dedos para incentivar as pessoas a fazer o teste simples. Ah, eles também fizeram isso para responder a uma característica da comunidade: a desculpa da falta de tempo.

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  • Emoção é chave. Decisões são, quase sempre, emocionais. As pessoas querem criar conexões emocionais com marcas –virtualmente e no mundo real, por meio de experiências. Narrativas que encontrem seu eixo nesta seara terão mais influência naturalmente.

Isso se deve ao que os cientistas chamam de neurônios-espelhos. Como se fosse um espelhamento cerebral – em que as pessoas assimilam experiências (ou mensagens) ao assistirem/lerem algo por estarem na mesma “onda cerebral” do conteúdo.

Por isso, criar conexões pessoais se tornou determinante. Independente do seu segmento de atuação.  Toda história tem potencial de conectar emocionalmente sua comunidade de audiências.

Para isso, às vezes, precisamos enxergar além da funcionalidade para entender como as pessoas reagem. Um exemplo é a campanha Dear Sophie, do Google, para divulgar funcionalidade e alta integração do navegador Chrome e os demais produtos da empresa. Ao mostrar a trajetória da relação de um pai e sua filha recém-nascida, o vídeo transpira emoção e engaja. Veja o vídeo e você vai concordar também.

google

 

Carolina Fullen é diretora de Inovação e Engajamento na MSLGROUP ANDREOLI.

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