CEOs da Ambev, Itaú e SAP falam sobre comunicação da solidariedade na pandemia
Última sessão do Fórum Comunicação Corporativa, organizada pela Aberje e Valor Econômico, debate solidariedade, posicionamento das marcas e papel de porta-voz da liderança
O ano de 2020 é singular em todos os aspectos. Diante dos imensos desafios causados pela pandemia, tornou-se notável um movimento de solidariedade em toda a sociedade, com destaque para as ações do setor empresarial. Com o tema Comunicação da Solidariedade, a quarta e última sessão do Fórum de Comunicação Corporativa Aberje e Valor Econômico, realizada no dia 22 de outubro, reuniu algumas lideranças que atuaram nessa frente: Candido Bracher, presidente-executivo do Itaú Unibanco; Adriana Aroulho, presidente da SAP Brasil; Jean Jereissati, CEO da Ambev e Luciano Huck, apresentador da TV Globo, filantropo e empreendedor. A mediação foi feita pelo diretor-geral da Aberje, Hamilton dos Santos.
Em sua abertura, Hamilton dos Santos reforçou o propósito do fórum de destacar o protagonismo da Comunicação durante a pandemia, analisar como a crise acelerou as tendências no mundo corporativo e debater as transformações nas relações das empresas com seus diversos públicos.
“Se por um lado tivemos um quadro caótico de polarização, de notícias duras e contraditórias, no momento mais crítico, um fenômeno extraordinário se fez notar: uma rede de líderes, empresários e investidores se organizou num movimento solidário para ajudar o Estado e a sociedade a combater os efeitos imediatos e perversos da crise sanitária e financeira”, ressaltou.
A solidariedade é uma virtude
A solidariedade é uma virtude, mas quando praticada por empresas e figuras públicas, muitas vezes, gera uma certa desconfiança e uma sensação de oportunismo. Os convidados contam como foi, em meio ao caos e à pressão, planejar, decidir e comunicar as ações de ajuda no combate à covid-19, além dos riscos assumidos no campo da imagem e da reputação.
A executiva Adriana Aroulho, que durante a pandemia assumiu a presidência no Brasil da SAP, líder mundial de softwares de gestão, e que atuava na empresa há três anos como diretora de Operações, conta que a empresa investiu em projetos de responsabilidade social e disponibilizou algumas tecnologias aos seus clientes como a plataforma de gestão da experiência para que pudessem otimizar a comunicação com suas comunidades nesse período tão complicado.
“Quando a comunicação é genuína e está alinhada aos valores da empresa essa questão do oportunismo não é um problema. Nesse momento de tamanha dificuldade, os valores das organizações realmente afloraram”, comentou Adriana. “Três quartos do PIB mundial transacionam nos nossos sistemas e com isso temos uma grande responsabilidade de ajudar esse mundo a funcionar melhor através das nossas soluções tecnológicas”, completou.
“Ninguém se prepara para uma crise como essa. Não havia nenhum plano de contingência e quando a crise surge o que emerge é a espontaneidade, é aquilo que você é de verdade, enquanto indivíduo e enquanto corporação”, complementou Candido Bracher, CEO do Itaú Unibanco que, juntamente com o conselho administrativo da instituição, criou o Todos pela Saúde, iniciativa que começou com a doação de R$ 1 bilhão e reuniu parceiros e concorrentes numa corrente solidária. “Tão importante quanto a doação foi a forma de gestão dos recursos e isso não tem nada de mercadológico”, arrematou.
Outra iniciativa foi a da Ambev, maior produtora de bebidas da América Latina. A companhia reorganizou a operação de todas as suas fábricas para produzir e doar álcool em gel, equipamentos de proteção, alimentos e água potável para os profissionais de saúde que estavam na linha de frente nos hospitais. “Foi muito bacana transformar uma linha de cerveja em uma linha de álcool em gel. Em sete dias aprendemos a fazer algo que nunca tínhamos feito e no momento em que o Brasil inteiro mais precisava”, disse Jean Jereissati, CEO da empresa no Brasil. “Nós recompactuamos o nosso propósito elevando-o para além de ‘Juntar as pessoas para um mundo melhor’ e tivemos uma explosão de criatividade, uma doação de tempo de gente boa com capacidades e competências”.
Reconhecido cada vez mais por seu posicionamento em temas sociais, o apresentador de TV Luciano Huck acredita que a pandemia evidenciou as desigualdades de um Brasil tão diferente. “Todos nós fazemos parte do problema e todos nós fazemos parte da solução. Temos uma questão social e de desigualdade e não existe uma receita infalível para combater ou superar a pobreza no país, mas penso que é saindo da inação e tendo capacidade de execução”, deduziu. “Conselho ajuda e exemplo arrasta. Aqui temos exemplos de líderes que saíram na inação e de fato tiveram a capacidade de execução de ideias nesse momento tão delicado e doloroso”.
Huck ressaltou ainda que a crise promoveu, de alguma forma, uma maior conexão entre todos. “Nunca fomos tão conectados. Que possamos sair da pandemia como um país mais solidário e mais fraterno”.
Quebrando as barreiras da concorrência
É difícil quebrar as barreiras da concorrência e partir para a colaboração? Durante o fórum, Hamilton comenta sobre a dicotomia entre concorrência e colaboração e como os participantes enxergam essa questão. “O mundo dos negócios parece estar um passo à frente da política, no sentido de que está incorporando, em suas culturas e diretrizes internas, certos anseios da sociedade, como a diversidade e a sustentabilidade, por exemplo. Como podemos transformar isso para o setor público?”, indagou aos participantes.
Ao se unirem para levantar milhões de reais no combate à pandemia, os dirigentes dos bancos Bradesco, Santander e Itaú Unibanco também se aliaram para apoiar o Plano Amazônia Sustentável, plano do Governo Federal que existe desde 2008. “A pandemia vai passar, mas os problemas ambientais vão demorar muito mais tempo para serem sanados. Essa aliança que nós fizemos para apoiar a região amazônica e proteção da floresta é fruto desse momento que estamos passando, pois nos tornou muito mais propensos a trabalharmos em conjunto pelo bem da sociedade”, acentuou Bracher, do Itaú.
Além da crise ambiental, Luciano Huck observou que a pandemia trouxe ao debate público questões importantes desde racismo estrutural, machismo, prejuízos da polarização na mídia digital, negação à ciência e redução das desigualdades sociais. “Tenho a sensação de que, daqui para frente, temos que sair dessa zona de inação que vivemos nessas últimas décadas. Acredito que quem não tem opinião e não se posiciona nesse momento está fora do jogo. E isso vale para a Comunicação. A publicidade, tradicionalmente, sempre teve certa ojeriza à opinião. Temos bons exemplos de que a opinião faz a diferença, mas não partilhar da mesma visão não significa que somos inimigos. Existe uma narrativa equivocada no Brasil, a de que pensar diferente nos torna inimigos. Temos que desconstruir isso”, propôs.
“Quanto à política, a solução dos nossos problemas passa pelo Estado, que é gerido pela política e a política é gerida pelos políticos. Não podemos negar a política, ela faz parte da solução dos problemas. Não temos um caminho ideal mas precisamos escolher um caminho, fortalecer nessa nova geração o aparecimento de novas lideranças. O que funciona é a boa gestão do Estado, de maneira eficiente e afetiva e, para isso, precisamos do melhor capital humano disponível no Brasil para nos ajudar nessa tarefa que não é fácil”, completou.
“A pandemia trouxe um inimigo tão claro que fez todo mundo se elevar para colaborar e poder passar por tudo isso”, disse Jereissati, da Ambev, acrescentando que a companhia também propôs uma iniciativa que envolveu oito grandes empresas, inclusive concorrentes, do setor de alimentos e bebidas. “Nossos clientes estavam passando por uma necessidade grande e nós nos unimos para trabalhar em três direções: levantar capital de giro para o pequeno varejo, disponibilizar um produto com desconto e trabalhar a partir de protocolos de segurança e kits de higienização. Um projeto impensável antes, pelo cenário competitivo e eu acho que isso vai ficar, essa colaboração mútua de capacidades”.
O executivo lembra que as estratégias organizacionais mudam constantemente, mas a cultura fica – e esta deve sempre evoluir para estar alinhada aos desafios futuros. “O mundo muda muito rapidamente, independente dessa pandemia, e as estratégias estão cada vez mais volúveis, rápidas e racionais. A cultura é o somatório de valores, hábitos e repetições; um componente mais emocional da organização. A cultura da Ambev está evoluindo, são valores de colaboração e abertura, de escuta ativa, do ecossistema da empresa e da capacidade de aproveitar essa janela única de tecnologia que está acontecendo no Brasil para transformar a companhia”.
Adriana frisou que a tecnologia vem facilitando as conexões. “No mundo tecnológico sempre tivemos esse componente da ‘coompetição’, pois a gente coopera em algumas coisas e compete em outras, e isso é normal. Nós fazemos muitas parcerias e alianças globais que implementam as nossas soluções e nos ajudam a repensar novos processos e jornadas de transformação digital dos nossos clientes”, explicou.
O exercício de comunicar
Nunca os líderes das organizações, de qualquer parte do planeta, foram tão requisitados e convidados a participar do debate público, a se comunicar e assumir o papel de porta-voz da empresa. Mas como os CEOs têm lidado com isso?
Bracher conta que sempre foi razoavelmente avesso à exposição, mas acredita que, à medida que uma pessoas evolui em sua carreira, ela não necessariamente faz aquilo que faz de melhor, nem faz aquilo que mais gosta, e sim o que é mais necessário e útil para a empresa. “É assim que as coisas funcionam. Então, com essa pandemia, tornou-se necessário falar. Tive que sair totalmente da minha zona de conforto e começar a falar, porque eu percebi que isso era importante para o banco e para o momento que o país vivia. E isso é bastante positivo, pois o exercício de comunicar te obriga a uma consequência maior em suas atitudes”, ensinou.
“Eu sou como o Candido, escuto mais do que falo, sou mais introspectivo no geral, não é um processo fácil para mim”, confessou Jereissati, que administrava a operação na China. “Eu estava completamente enferrujado nesse processo de falar para fora [da empresa]. Mas antes da pandemia, já havíamos consensado que abriríamos mais a Ambev para o mundo exterior. Em fevereiro, criamos um movimento interno de abertura que chamava ‘A Ambev que vai além de seus rótulos, em que convidávamos as pessoas para conhecerem nossos projetos de diversidade, de impacto social. Com a pandemia, isso se tornou um processo inevitável e necessário, que nos ajuda a marcar alguns posicionamentos”.
De perfil discreto, Adriana revelou que sempre fez comunicação da porta pra dentro e que mantinha uma rotina de comunicação com seus colaboradores. “Para fora, realmente esses dois meses têm sido de bastante superação. Essa comunicação é importante para o nosso time. Em tempos de pandemia, isso se fez ainda mais necessário e temos aprendido muito com nossas parcerias, é nessa troca que surgem novas ideias e refletimos sobre o que pode melhorar…O diálogo é o caminho”, recomendou.
Com 20 milhões de seguidores somente no Instagram, Luciano Huck contou como é lidar com tanta audiência. “O Brasil ainda é um país em que 80% das pessoas tem a televisão aberta como única fonte de entretenimento e informação. Temos um país com diferentes recortes e diferentes acessos. É muito importante estar no debate público, mas não é fácil se posicionar e dar opinião em um país com tanta polarização”, frisou.
Nesse árduo exercício dos líderes, as áreas de comunicação das empresas devem estar afiadas. Adriana reforçou que durante a pandemia, essa área ocupou um espaço ainda mais protagônico. “Cada vez mais a comunicação tem papel fundamental nas empresas que querem manter seus propósitos”, afirmou. Bracher complementou dizendo que seu contato com a área de comunicação tem sido praticamente diário: “Não só meu, mas o de meus colegas do Comitê Executivo também. É uma área cujas demandas são crescentes”.
Jereissati também reconhece que é uma atividade fundamental dentro da Ambev. “Pouco depois de assumir como CEO, fizemos uma mudança estrutural importante, que foi a criação de uma Vice-Presidência de Relações com a Sociedade, onde a Comunicação está inserida. Foi uma mudança estrutural e de jeito de trabalhar, em que a área ganha cada vez mais relevância”, concluiu.
Ao fechar o Fórum de Comunicação Corporativa, o diretor-presidente da Aberje e professor titular da ECA-USP, Paulo Nassar, enfatizou sobre a importância de líderes institucionais nas organizações. “Os líderes empresariais também estão se tornando líderes institucionais, se preocupando com a sociedade e com todos esses temas que foram debatidos hoje”. Na ocasião, Nassar anunciou o troféu hors concours de CEO Comunicador do Ano para Candido Bracher, do Itaú Unibanco. “É importante destacar que o Prêmio Aberje é minimalista e tem a tradição de destacar pessoas que lutam por um propósito na área de comunicação empresarial. Parabéns a esse homem sereno por sua trajetória!”.
Assista à sessão na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?v=v4JoequByiA
Fórum Aberje Valor Econômico de Comunicação Corporativa
A Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e o jornal Valor Econômico, parceiros de 12 anos na publicação do caderno especial Valor Setorial Comunicação Corporativa, promoveram entre setembro e outubro o Fórum de Comunicação Corporativa, série de quatro encontros digitais que objetivaram discutir o papel da comunicação e as novas estratégias de negócios em um mundo transformado pela pandemia. Todas as lives estão disponíveis na íntegra no canal do Youtube da associação.
Confira a coberturas:
Sessão 1: Transformação da comunicação na pandemia foi tema de debate no Fórum da Aberje e Valor Econômico
Sessão 2: Comunicação Corporativa e a pandemia: o que funcionou, o que mudou e o que precisa mudar
Sessão 3: Comunicação empresarial e cultura digital: adaptação e emoção
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