Comunicação empresarial e cultura digital: adaptação e emoção
Terceira sessão da série organizada em parceria entre Aberje e Valor Econômico traz líderes de comunicação de grandes companhias multissetoriais
O debate da terceira seção do Fórum Aberje Valor Econômico de Comunicação Corporativa, realizada no dia 8 de outubro, teve como foco as transformações, adaptações e influência no ambiente digital, a partir do tema “Comunicação empresarial e cultura digital: adaptação e emoção”. O evento online, transmitido via Youtube foi dividido em dois painéis e contou com a participação de líderes de comunicação de grandes companhias multissetoriais.
Para discutir as ‘Transformações e Emoções’ vividas nos últimos meses foram convidados Luiz Gustavo Ramos, head de People Experience no iFood; Saulo Passos, diretor de Comunicação da Uber para América Latina e Andréa Mota, diretora de Sustentabilidade e Comunicação Corporativa da Coca-Cola Brasil. Este primeiro painel contou com mediação feita por Priscilla Cortezze, diretora de Assuntos Corporativos e Relações com a Imprensa da Volkswagen do Brasil e Região América do Sul.
“Ser digital tornou a emoção mais forte?”
Ao mediar o primeiro painel, Priscilla Cortezze, da Volkswagen do Brasil, trouxe uma interessante reflexão ao conectar a forte presença digital das empresas participantes da live à existência da relação sentimental que mantêm com seus respectivos consumidores. Ao frisar que a pandemia intensificou essas relações nas redes sociais indagou: “Ser digital tornou a emoção mais forte?”
Andréa Mota, da Coca-Cola, reconhece que essa transformação veio pra ficar. “O mundo digital traz novas ferramentas de acompanhamento, nos mostra quais são os grandes temas e as dores das pessoas. O grande desafio para o negócio, como é para empresas centenárias de marcas líderes e fortes, é deixar de ser centrada na solução das marcas e do negócio para realmente olhar para as pessoas. Parece óbvio, mas é uma transformação importante que tem gerado bastante resultado”, revelou.
Com dez anos de atuação no mercado, a Uber já nasceu digital, possui cerca de 1 milhão de parceiros que dependem da plataforma para gerar renda e mais de 22 milhões de usuários no Brasil. Boa parte da interação com esses parceiros é feita através de canais digitais e pelo próprio aplicativo, mas também eram realizadas de forma presencial nos centros espalhados por todo o país, conforme contou Saulo Passos: “tivemos que adaptar a frequência da nossa comunicação, assim como o conteúdo compartilhado com nossos parceiros para dar todo suporte necessário naquele primeiro momento”.
O equilíbrio de todo o ecossistema, formado por parceiros – restaurantes, entregadores e clientes – é no que acredita o iFood. “Na pandemia tudo isso se intensifica ainda mais com a insegurança que surge, os parceiros precisam de todo o apoio, desde a orientação, a capacitação, a educação para uma higienização adequada, até a questão financeira que a crise traz de maneira dramática, sem precedentes e sem planejamento”, comentou Luiz Gustavo Ramos. “O fato de a empresa ser nativa digitalmente facilita a comunicação por aplicativo, mas é preciso trabalhar tons, mensagens e conteúdos, o que é diferente de um funcionamento normal do dia a dia”, completou.
Como inovar na Comunicação?
Desde o início da pandemia, foram muitas as emoções vividas nas fábricas, nos escritórios, nas residências, nas ruas. Sem precedentes, a crise sanitária provocada pelo novo coronavírus, de magnitude ímpar, chegou de repente e se instalou sem que houvesse tempo para que a sociedade – incluindo as empresas – se preparasse. Para sobreviver, foi preciso inovar, olhar para dentro das organizações, enxergar as pessoas. A inovação está na capacidade de escutar, de entender e até de calar para se adaptar a este momento. Isso é claro para os participantes do fórum.
Por mais que seja amplo falar de disrupção, de agir de forma diferente, a base de tudo tem a ver com pessoas e cultura. Esse é o pensamento de Luiz Ramos, do iFood, no que se refere à inovação na Comunicação. “Empatia é uma palavra de ordem muito ouvida nesses últimos tempos, mas o que significa ser empático? Juntar todo mundo em uma live para saber das dores parece óbvio, mas foi um momento de grande conexão, de ressignificação. Usamos a tecnologia, o uso de dados para conectar os corações e para o entendimento de tudo o que está acontecendo. A inovação foi fazer o simples, de uma forma diferente. Era o único caminho a seguir”, comentou.
Andréa compartilha da mesma opinião de Ramos. “A inovação na Comunicação tem a ver com humanização. O básico da comunicação é o emissor transmitir uma mensagem ao receptor, mas para que aconteça de forma efetiva é preciso que a mensagem faça sentido ao receptor e só vai fazer sentido se tiver emoção, verdade. A forma de inovar em comunicação é a escuta, é ouvir para entender e ter coragem para tomar decisões sem um histórico ou experiência prévia”, recomendou.
“Há momentos em que a Comunicação deve calar”, observou a executiva, presumindo que em toda a história da companhia no Brasil, a marca Coca-Cola nunca havia ficado fora do ar. “Foram dois meses sem campanha, uma decisão muito difícil. O momento era único, de muita dúvida e dor. Foi quando a empresa colocou seus recursos humanos e financeiros para ajudar a sociedade através de uma grande força-tarefa”.
Ao longo dos meses, as reuniões internas da Uber, assim como de tantas organizações, foram realizadas no formato online. “Mas à medida que o tempo foi passando, percebemos que o contato humano é muito importante”, observa. “Externamente falando, além do desafio, foi uma oportunidade interessante. Por um lado, todo nosso planejamento foi para o espaço, foi literalmente jogado fora e todo o time se uniu para focar nas ações de suporte aos clientes e parceiros. Isso nos permitiu atingir um crescimento exponencial em algumas áreas, como a unidade de entrega de comidas, que em quatro meses dobrou o tamanho da operação”, revelou Saulo.
Comunicação digital, porém humana
Comunicadores e líderes de reputação das empresas têm vivido uma cobrança constante e uma exigência diária para se posicionarem nas redes sociais em relação a várias questões sociais, de diversidade, de igualdade. Como lidar com isso? A comunicação tem o papel de trazer o corpo executivo para o que falamos e fazemos.
Na visão de Saulo, a comunicação não existe de maneira isolada. Ela acaba sendo consequência dos próprios atos da companhia. “No caso da Uber, por ser um serviço de recorrência, essa interação é constante, tanto para o bem quanto para o mal. Tipicamente, em empresas de serviços, existem pessoas para elogiar e outras para criticar. Desde o início da empresa, a Uber se posiciona muito abertamente nas questões sobre o combate ao racismo e à violência contra a mulher”, comentou.
“Qualquer que seja o posicionamento de uma empresa, deve refletir o que acontece na companhia”, argumentou Ramos. “Aqui, qualquer tomada de decisão, qualquer movimento da empresa, está baseado em seu código de ética, que traz claramente a questão da não discriminação, independente de qualquer grupo, situação ou contexto, origem, etc. Acreditamos fortemente num ambiente de inovação, que só existe com pluralidade de vozes e diversidade de históricos e formações”, complementou.
As redes facilitam a interação, mas isso não é algo novo, como lembrou Andréa. “Marcas gigantes sempre foram e continuarão sendo muito cobradas e criticadas. Nessa hora, é preciso deixar a capacidade de escuta sobressair”, avaliou. “Nosso propósito nos guiou em todas as decisões e humanizamos ainda mais nossa comunicação. A Coca-Cola sempre se posicionou sobre questões sociais como racismo, diversidade etc. Marcas que se comunicam com muitas pessoas têm sim o dever de usar a comunicação para divulgar o que acredita”, argumentou.
Influência e Adaptação
O segundo painel ‘Influência e Adaptação’ trouxe a participação de Renato Gasparetto, VP de Relações Institucionais e Sustentabilidade da Telefônica Vivo; Julia Leão, instrutora na Escola Aberje de Comunicação e head de Connections & Brand Experience na Squid; João Luiz Rosa, repórter Especial do Valor Econômico e Pâmela Vaiano, diretora de Comunicação da 99.
A mediação ficou por conta de Nelson Silveira, diretor de Comunicação Corporativa e Marca da General Motors no Brasil, que abriu os trabalhos trazendo uma breve reflexão sobre o momento atual. “Nós estamos vivendo a segunda grande onda de disrupção digital e a pandemia está sendo o grande catalisador desse processo este ano. A comunicação foi muito afetada por essa avalanche de mudanças, com a aceleração de tendências que já despontavam antes da crise. Hoje, temos a proliferação de canais e de produtores de conteúdos especializado, ou seja, o sucesso de uma marca está diretamente ligado a sua capacidade de se engajar com seu público”.
Silveira aposta em um novo processo de comunicação. “Estamos nos movendo da era do storytelling para a era do storydoing, onde causa e propósito passam a ser elementos sustentadores de toda estratégia de marca, ou seja, não adianta mais apenas ter uma boa história, é preciso que ela seja genuína para ter credibilidade”.
Mas, do ponto de vista profissional de habilidades e desenvolvimento de conhecimentos, o comunicador estava preparado para essas transformações? Julia Leão, da Squid conta como foi o processo de adaptação à nova realidade digital. “Acredito que ninguém estava efetivamente preparado, a comunicação foi realmente impactada. Como marcas se posicionam num contexto como o da pandemia? Como tratar o assunto?”, provocou.
A executiva concorda com Silveira ao reafirmar que as empresas estão mesmo passando por um processo de storydoing, de troca com a audiência de forma verdadeira. “Primeiro, houve um hiato no sentido se deveríamos ou não nos posicionar. Num segundo momento, vimos grandes players, que já têm sua estrutura de comunicação muito bem estabelecida, conseguindo fazer uma rápida mudança de rota e entender que precisavam se posicionar. Muitas instituições se posicionaram de uma forma como há muito tempo não víamos”, disse.
Na visão de Renato Gasparetto, da Telefônica, a pandemia está sendo um enorme laboratório para os profissionais de Comunicação. “Eu não conheci até hoje nenhum manual de crise ou de comunicação de emergência que tivesse um capítulo chamado crise pandêmica. Ou seja, há um aprendizado em cima de uma situação absolutamente nova”, comentou.
Um ponto observado pelo executivo é que houve um nivelamento nunca antes visto, sob o ponto de vista de impacto da crise para todos os setores de atuação, para toda a sociedade independentemente do nível social. “Esse nivelamento trouxe um aspecto que faz toda a diferença para nós, comunicadores, que é o home office compulsório”, disse.
Outra questão levantada por Gasparetto refere-se ao engajamento “considerando que as empresas passaram a usar linguagens diferentes com seus stakeholders e que a relação entre líderes e suas equipes passou a ser virtual”. O executivo também falou sobre a importância da diferenciação. “Como as narrativas que passaram a disputar espaço no meio de tantas informações podem criar diferenciação? Entendo que ela se faz não na criação de uma narrativa durante o período da crise, mas na consolidação de um processo que já vinha sendo feito. Há uma percepção diferenciada, do ponto de vista dos públicos-alvo, de que essas empresas estão praticando o que dizem fazer e ser. Acredito que este seja o grande diferencial neste momento”.
Um ponto crucial, destacado por Pâmela Vaiano, é o quanto as crises são importantes para a área de comunicação ao avaliar que é no momento da crise que o negócio entende o quão é absolutamente necessário ter uma área especializada para se comunicar com o mercado, com os clientes e para ajudar o posicionamento de marca. “Essa crise é provavelmente um divisor de águas, na forma com que a gente vinha fazendo comunicação nessa era da pós-verdade. As mídias digitais ganharam uma força tremenda, disseminando conteúdo, mas vimos um tipo de conteúdo não especializado, vazio e superficial, sendo apropriado por marcas para conectar às emoções das pessoas”, analisou.
Sob o ponto de vista do jornalismo, João Luiz Rosa, do Valor Econômico, apontou que, de maneira geral, a adaptação teve que ser muito rápida e falou sobre as notícias falsas. “Mesmo nesse contexto de proliferação de fake news, e até em grupos de família, houve um crescimento de credibilidade, vemos uma volta do público. No que se refere às redes particulares do jornalista, ele deve ser absolutamente responsável em relação às posições que está tomando”. Do ponto de vista da divulgação da notícia, João enfatiza que “agora faz diferença o modo como uma organização se posiciona. Nesse momento, ela não é uma marca, faz parte do tecido social”, conclui.
A quarta e última live de tema Comunicação da Solidariedade será realizada no dia 22 de outubro, das 9h às 12h. A live será transmitida ao vivo pelos perfis da Aberje no YouTube e Facebook e retransmitida pelas redes do Valor. O Fórum é resultado da longa parceria da Aberje com o Valor Econômico na produção das edições do Valor Setorial Comunicação Corporativa, publicação anual dedicada ao setor. Ao todo, são quatro sessões transmitidas ao vivo e cada uma delas traz diferentes especialistas, CEOs, diretores e vice-presidentes de Comunicação de renomadas empresas do Brasil.
Assista na íntegra aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=h1CSJd_lp7w
Assista também as lives anteriores:
Sessão 1 – Comunicação da empresa com a sociedade
Sessão 2 – Comunicação corporativa e a pandemia: o que funcionou, o que mudou e o que precisa mudar
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