Surpresas microeconômicas do governo Temer
Ricardo Sennes*
O governo de Michel Temer trouxe várias surpresas para aqueles que conhecem sua trajetória política e de seu partido, o PMDB. De maneira geral, ele tem se mostrado muito mais estratégico e resiliente do que muitos supunham antes de sua posse. Três vezes presidente da Câmara Federal e mais de uma década como presidente do PMDB deram a ele uma tarimba política rara para lidar com caciques da política federal, em especial no campo parlamentar.
Não há dúvida de que está usando todo seu arsenal acumulado ao longo desse período para manter-se no poder e tentar governar. Até aqui era o que se poderia esperar. Contudo, bastante inesperado é o que está fazendo no campo econômico, tanto macro quanto micro.
A reforma da Previdência, apresentada pelo atual governo, avançou em alguns pontos em relação ao que já estava em pauta nas gestões Lula e Dilma. Não é, portanto, uma novidade, embora tenha ido além das propostas mais consensuais entre os especialistas no tema. No que tange à reforma Fiscal e Trabalhista foi bem mais ousado. Na reforma Fiscal Temer bancou uma limitação inusitada no crescimento dos gastos públicos, indo na contramão do histórico do PMDB. Em ranking elaborado pela Prospectiva Consultoria, o PMDB aparece como o partido, dentre os grandes, cujos governantes apresentam o pior desempenho fiscal nos últimos 20 anos. Bem pior, por exemplo, do que o PT.
Além disso, Temer surpreendeu também ao bancar a reforma Trabalhista a despeito da expressiva ligação do PMDB com sindicatos e centrais sindicais dependentes das contribuições obrigatórias. E ainda mais, da expressiva relação de seus quadros com organizações empresariais como a FIESP, FIRJAN, CNI, entre outras, igualmente dependentes dessas contribuições.
No entanto, o que tem chamado mais a atenção no atual governo é a disposição para alterar, em pouquíssimo tempo, marcos regulatórios e políticas microeconômicas. Se, no caso das medidas de ajustes macroeconômico o confronto político é amplo com impactos em diversos setores, nas reformas microeconômicas o jogo é bem mais localizado e com resistências bem definidas. Vários exemplos têm se acumulado nesse campo.
As reformas no setor de Óleo & Gás e da Petrobrás são salientes. O mesmo se aplica às regras para as concessões no setor de infraestrutura – aeroportos, produção e transmissão de energia, etc. Depois de mais de 10 anos de discussão, deixou de ser necessário a Anvisa se manifestar sobre requisitos de patenteabilidade para concessão de patentes pelo INPI para produtos na área da saúde. Recentemente foi apresentada uma reforma regulatória significativa no campo do setor elétrico. Por decreto presidencial cancelou-se a necessidade de autenticação de assinaturas e documentos em uma série de procedimentos públicos e contratuais. Nessa semana o governo apresentou um novo código para a área de mineração e propôs a criação de uma agência reguladora para o setor.
Boa parte dessas medidas implicam em grandes impactos estruturais e de longo prazo em suas respectivas áreas. Todos têm, indiscutivelmente, um sentido de melhoria do ambiente de negócios, uma relação mais transparente entre o Estado e a sociedade e o fomento da concorrência.
Elas fazem claramente parte de uma agenda microeconômica de liberalização econômica e têm avançado com menos resistência política do que as reformas macroeconômicas. Essa série de medidas também não surpreendem apenas pelo seu conteúdo, mas o fato de ter mexido em vários setores e em empresas estatais nos quais o próprio PMDB tem historicamente forte interesse e controle político, como é o caso do setor elétrico.
Uma decisão recente em outro âmbito, mas que de certa forma coroa as demais, é o pedido feito pelo Brasil para se tornar membro pleno da OCDE. Esse debate, que se arrastava no Brasil desde os anos 1990, acabou sendo resolvido pelo atual governo no meio de sua pior crise política. Indubitável horizonte de forte viés liberal, caso seja aprovada pelos demais membros da organização, a entrada na OCDE irá vincular o Brasil a uma série de acordos e padrões hoje seguidos pelas economias capitalistas mais desenvolvidas do mundo.
É a chamada estratégia “lock in”, ou seja, visa blindar de fora para dentro uma agenda que internamente não goza de total consenso.
Essa impactante agenda de reformas microeconômicas contrasta com a aparente incapacidade de Temer lidar com as grandes corporações do setor público, para os quais tem feito concessões sistematicamente desde a sua posse. Em julho de 2016, concedeu 41% de ajuste aos juízes e funcionários do poder Judiciário. No mesmo mês aprovou aumento de 12% para o Ministério Público Federal. Ambos ocorreram apenas 2 meses antes da aprovação da Emenda Constitucional que limitou o aumento dos gastos públicos por 20 anos (PEC do Teto)!
Em dezembro, concedeu aumento para funcionários da Receita Federal, da Defensoria Pública, da Diplomacia e para oficiais militares, no mesmo mês em que anunciou um recuo de mais de 2% do PIB do país. Temer parece ter escolhido não enfrentar essas categorias ao mesmo tempo que enfrentou, com suas reformas, a opinião pública, os lobbies setoriais e os partidos de oposição. Deve ter tido suas razões.
*Ricardo Sennes é sócio diretor da Prospectiva e especialista em cenários políticos e econômicos, formulação e implementação de políticas públicas e avaliação de seus impactos nas empresas. Possui experiência em políticas industriais e de fomento e inserção internacional. É doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador geral do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP. Atualmente é parceiro não residente do programa latino americano do Atlantic Council e membro do Conselho de Assuntos Estratégicos da FIESP e do Conselho da Revista Foreign Affairs (México e EUA).
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