Grupo de Estudos de Novas Narrativas debate bioética
Pesquisadores e profissionais do mercado debateram os dilemas éticos em relação às vacinas
O que é Bioética? Quais os grandes temas que ela trata? Quais são os maiores dilemas bioéticos na questão das vacinas privadas? Para discutir essas questões reuniram-se, no dia 11 de fevereiro, os integrantes do GENN – Grupo de Estudos de Novas Narrativas da ECA/USP, coordenado pelo professor titular Paulo Nassar, também diretor-presidente da Aberje.
O grupo está vinculado à Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e atua há mais de dez anos difundindo conhecimento e reflexão sobre narrativas na contemporaneidade, por meio de várias interfaces como sociologia, antropologia, história, entre outras disciplinas do conhecimento. O encontro contou com a participação especial do professor Arthur Heller Britto, Ph.D. em Filosofia pela Columbia University em Nova York, e de André de Almeida, professor da Fundação Dom Cabral, Ph.D. em Filosofia pela University of Sussex, no Reino Unido.
Explicando bioética
Ao abrir os trabalhos, o professor Paulo Nassar ressaltou que, atualmente, o objetivo básico da bioética é a construção de uma ética baseada nas Ciências Biológicas visando a melhoria da qualidade de vida. “Tradicionalmente, a bioética é ensinada no campo da medicina, teologia e nas escolas de enfermagem. Nos últimos anos, a entrada de temas ligados à bioética dificilmente estavam dentro de matrizes de riscos; com a pandemia, esse tema, que traz uma base narrativa imensa, vem aparecendo de várias formas, como um meio de discursos e práticas”, esclareceu.
De acordo com o filósofo Arthur Heller Britto, para explicar o que é bioética, há que se analisar, antes, o que é ética, que tem origem na palavra grega ethos. Para os gregos, ética era simplesmente a arte de agir corretamente; mas, ao longo da história houveram diversas tentativas de ressignificar essa palavra e especialmente de contrapô-la a outra: moral. “Não quero fazer aqui uma distinção entre ética e moral, mas sim a caracterização de como alguém deve agir no sentido mais básico dessa noção. É apenas um questionamento, uma postulação de princípios sobre como alguém deve agir. Então, a bioética lida com aquilo que alguém deve fazer, ou com as regras que determinam o que alguém deve fazer”, ponderou.
Já a palavra ‘bio’, que significa ‘vida’ em português, deve ser entendida de um jeito mais abrangente para que se possa determinar exatamente qual é o tema da bioética. “A bioética deve lidar com situações que dizem respeito à vida, que tem um começo e um fim, então os temas da bioética lidam com esse início e final da vida. De forma simples, podemos dizer que a bioética lida com as noções de vida ou morte, ou como alguém deve agir quando a vida está em jogo”, avaliou Heller, que fez questão de frisar que a bioética não se preocupa com todas as questões de vida ou morte. “Há questões nesse contexto em que a bioética não tem nada a dizer e há situações que não são estritamente de vida ou morte que a bioética tem um papel fundamental”, observou.
A bioética nasceu como uma resposta à impossibilidade de noções éticas tradicionais de lidarem com situações absolutamente novas e decorrentes de um avanço tecnológico brutal. “Ela não pode se propor a ser uma lista de regulações como os dez mandamentos, por exemplo, que são extremamente específicos”, exemplificou. “Ao regular situações extremamente novas e impensadas, cada caso em particular deve ser analisado racionalmente de acordo com a prevalência de um determinado princípio, de um conjunto de princípios fundamentais que regem a bioética e que devem ser respeitados”, complementou.
Como aplicar a vacina?
Como planejar uma vacinação em massa sem ter vacina para todos de uma só vez? Dar a segunda dose para quem já recebeu a primeira ou vacinar toda a população e aguardar a liberação de mais vacinas para aplicar as doses restantes? Qual o intervalo ideal entre as doses? A falta de um plano nacional de vacinação, traz muitas dúvidas sobre a distribuição de vacinas pela rede privada no Brasil.
Ao fazer o recorte bioético sobre o tema, o professor Arthur Heller salientou que, de fato, a vacina é a chave para o problema. “Estamos com a chave na mão, mas não é simples realizar uma política de vacinação bem-sucedida, dado todos os problemas práticos que uma atividade monstruosa dessa pode acarretar ou necessitar”, argumentou.
Em sua visão, uma coisa que não se discute é que quanto mais simples os problemas são colocados, mais claras serão as intuições morais pois, na falta de detalhes, não há como tomar decisões. “Não deveríamos deixar de olhar para questões abstratas e nos preocupar com análises de questões mais precisas e complexas? Como as situações reais são mais profundas e difíceis de avaliar, e vão continuar com o avanço tecnológico, elas podem, ao mesmo tempo, proporcionar fundamentos para tomarmos decisões. É exatamente essa a questão central da bioética”.
Questão de responsabilidade
Ao comentar a análise etimológica feita por Heller, o professor André de Almeida disse que a ideia de agir chama a atenção. “O que impacta a minha vida e a vida das outras pessoas é a ação. O conceito que ajuda é a ideia de virtude. Existe um entendimento extremamente produtivo de virtude que se refere à ideia de que a pessoa que tem virtude tem a percepção do que a situação está demandando e responde adequadamente a ela”.
Para afunilar a discussão, Almeida aponta para dois atores centrais no cenário atual: (1) o governo, a política de vacinação e outras variáveis (como o isolamento social) e (2) as empresas, principal foco de produção da vacina contra a Covid-19. “Do ponto de vista das empresas, ao que tudo indica não há um problema de capacidade produtiva de vacina, mas sim um dilema de não produzir por causa de direitos autorais, questões de patente e afins. Já do ponto de vista bioético, um fator relevante é o quanto de empresas privadas comprarem ou não vacinas. A questão central me parece ser a discussão relacionada às patentes. As empresas farmacêuticas que detêm essas patentes têm algo que nenhum de nós tem: possibilitar a rápida difusão de uma vacinação em massa e mudar o cenário para a população mundial como todo”, disse.
“As argumentações tratadas aqui trazem uma outra dimensão sobre o papel do comunicador, que não é apenas funcional, mas que tem a responsabilidade de trazer informações qualificadas para um nível de decisão dentro de padrões éticos. Cada vez mais o comunicador entra no campo das questões complexas, que trazem inúmeros pontos de vista”, finalizou Paulo Nassar. “Todos nós temos um papel a desempenhar e isso fica muito bem ilustrado com profissionais de comunicação numa hora como essa que é a importância do comprometimento com a consistência da informação que compartilham. Agora chega a ser uma questão que influencia a vida e a morte”, complementa Almeida.
Destaques
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