“Equidade de gênero é ou deveria ser interesse de toda a sociedade”
Nove em cada dez pessoas no mundo têm preconceito contra mulheres. Esta realidade, revelada por recente pesquisa feita pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, é reflexo de um modelo mental criado há séculos, época em que as mulheres eram consideradas seres inferiores e que deu forma para a sociedade atual. Para conversar e refletir sobre os desafios de inclusão e diversidade e celebrar as conquistas das mulheres, a Aberje promoveu o seu tradicional evento do Dia Internacional da Mulher, com o tema “Mulheres e a Diversidade na Comunicação”, com transmissão ao vivo pelo Youtube da Aberje.
O debate contou com a participação de Andrea Maciel Aquino, diretora de Comunicação na GPeS; Celira Fonseca Reis, especialista em Diversidade & Inclusão na MRV & CO; Janaina Gama, consultora e professora de diversidade, sustentabilidade e ESG na Escola Aberje; e Patricia Salvatori, fundadora da Mundo im.Perfeito e da Rede Mães Atípicas.
Desde sempre
Há séculos, a mulher vem lutando pelo seu lugar na sociedade, por seus direitos civis e sociais, porém a cultura não acompanha as leis na mesma velocidade. Equiparação salarial, equilíbrio na economia de cuidados, fim da cultura da violência contra meninas e mulheres, geração de oportunidades e de acesso, representatividade feminina com todas as suas interseccionalidades ainda são objetivos a serem alcançados.
Ao iniciar, Patrícia destacou que equidade de gênero é ou deveria ser interesse de todas as pessoas e de toda a sociedade. Pesquisa recente do Banco Mundial revela que o PIB mundial poderia aumentar 20% com o fim das disparidades de gênero. “Ou seja, é responsabilidade de cada um de nós garantir a integridade física, educacional, política e econômica de todas as meninas e mulheres”, salientou.
Ações de comunicação
O letramento dos líderes sobre diversidade e inclusão deve ser acompanhado por ações efetivas e tangíveis para promover uma mudança real e duradoura no ambiente de trabalho. Não basta apenas entender os conceitos e os benefícios da diversidade e inclusão; é necessário agir de forma pró-ativa e estratégica para incorporar esses princípios na cultura organizacional e nas práticas diárias.
Na ocasião, Andrea, da GPeS, agência especializada na área da saúde, destacou que apesar da mulher ser a maior parte da força de trabalho ligada aos cuidados – 70% da linha de frente na área da saúde – apenas 12% são CEOs das maiores empresas globais desse setor e 23% estão na liderança dos ministérios da saúde. “O Brasil é uma rara exceção; há projeções para 2024 de que o Brasil tenha mais médicas mulheres do que homens, porém ainda com uma renda 36% inferior aos colegas do sexo masculino”, frisou. “Trabalhamos a equidade de gênero no nosso dia a dia de duas maneiras: fortalecendo as lideranças femininas na área da saúde e dando visibilidade às mulheres diversas em nossas ações de comunicação”, contou.
Ao contrário do que acontece na área da saúde, o mercado de construção civil é um setor predominantemente masculino. A fim de fortalecer e abrir os caminhos para as mulheres na construtora MRV – que conta com cerca de 20 mil colaboradores –, a companhia firmou compromisso junto ao Pacto Global da ONU de que até 2030, 30% da companhia seja formada por mulheres e, no mínimo, 45% dos cargos de liderança sejam ocupados por mulheres, meta que já foi alcançada, segundo Celira.
A companhia tem trabalhado fortemente a comunicação visando avançar nos desafios de diversidade e equidade de gêneros. “A comunicação está em tudo, ela é o acelerador de todos os processos”, salientou Celira. “Temos feito vários movimentos, principalmente no combate a vieses, sensibilizando e abrindo o diálogo com as pessoas e na prática, através de projetos de capacitação e contratação de mulheres para várias funções em canteiros de obras, por exemplo. A mulher pode estar em qualquer lugar e devemos ser respeitadas”, lembrou.
Pedras no sapato
Muitas vezes de forma automática e involuntária, os vieses inconscientes são preconceitos ou estereótipos que afetam percepções, decisões e interações entre as pessoas. No contexto de microagressões e discriminação no local de trabalho, os vieses inconscientes podem influenciar como os indivíduos interagem com colegas de trabalho, fazem avaliações de desempenho, tomam decisões de contratação e promoção e assim por diante.
Para Janaína, que faz parte do Women 20, mais conhecido pela sigla W20 – um dos grupos de engajamento independente do G20, focado na promoção da equidade de gênero e no empoderamento econômico das mulheres, os vieses inconscientes são pedras no sapato. “Muitas das escolhas que fazemos são impactadas por todos os processos de exclusão e sistemas de opressão – machismo, racismo, LGBTfobia, xenofobia, capacitismo, etarismo etc. Ter ciência disso é muito importante, porque o padrão da sociedade é discriminar, todo mundo faz isso de forma inconsciente”, acentuou.
“As empresas avançam cada vez mais nesse debate, mas muitas delas param justamente no debate, pois não se trata apenas de treinar as lideranças sobre vieses, mas ir além, implementando dados, pesquisas e acompanhando os processos corporativos para verificar se as oportunidades são para todos”, destacou a consultora. “Esse trabalho de inclusão de mulheres na sua diversidade é um trabalho persistente de mudança de cultura, o que não acontece de uma hora para outra”, ponderou.
Microagressões existem
Piadas, brincadeiras e comportamentos inadequados, comentários infelizes, comparações e até mesmo certos elogios são disfarces de microagressões permanentes às mulheres no ambiente de trabalho. De que forma as organizações devem lidar com essa questão?
Para Janaína, todos esses movimentos são sutis e muitas vezes passam despercebidos. “Vejo um avanço no compliance discriminatório, o tema tem sido bastante abordado pelas empresas. A liderança também precisa ser acompanhada para verificar se está sendo inclusiva ou não e a própria força de trabalho precisa estar ciente dessas micro agressões. É preciso trabalhar o tema em toda a organização e com os homens que podem ser agentes de proteção nesses momentos”, ressaltou.
“O posicionamento das mulheres que passam por isso é uma questão muito importante. Temos que aprender a lidar com as reações do outro quando nos posicionamos contra pessoas inconvenientes. A conscientização a gente vai construindo”, complementou Patricia.
Protagonismo
Pensar na mulher de forma plural, inserida em várias áreas técnicas; a questão da equidade salarial e o uso de linguagem inclusiva são alguns dos desafios para o protagonismo das mulheres brasileiras no mercado de comunicação, na visão das comunicadoras. “Um dos desafios é termos mais mulheres no setor de tecnologia, pois isso vai perpassar demais a comunicação. As áreas técnicas são compostas mais por homens do que por mulheres”, analisou Andreia.
“Temos a tendência de achar que não somos capazes de sermos protagonistas, precisamos entender que podemos avançar sempre, reconhecendo nossas fortalezas e desenvolvendo o que sabemos fazer em qualquer lugar”, completou Celira.
Janaina comentou que ainda existe muita resistência quanto ao uso de linguagem inclusiva. “Se mudamos a forma de linguagem, tornando-a mais respeitosa, com termos relacionados às mulheres, também mudamos o jeito de olhar para elas. É preciso reforçar a existência de mulheres através da linguagem e da comunicação”.
“Precisamos ter a consciência de que vivemos numa sociedade que é reflexo de uma construção feita por homens brancos, ricos, cis, heteros e sem deficiência. Isso impactou a legislação, as artes, a linguagem, a cultura, a educação e o modo de trabalhar da sociedade. Hoje buscamos eliminar essas construções que foram profundamente enviesadas. Essa é a nossa jornada rumo a um mundo mais inclusivo e plural”, lançou Patrícia. “Esse tema é de todos. Se existe ainda hoje o machismo, se existe ainda hoje o sexismo, é um problema de toda a sociedade e não apenas das mulheres”, finalizou.
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