Eduardo Vieira: “As marcas têm que participar das redes sociais com discussões relevantes”
Luís Antônio Giron
Eduardo Vieira se tornou, aos 39 anos, um dos mais relevantes líderes digitais do Brasil. Nesta entrevista ao Portal da Aberje, ele conta como administrou sua carreira e revela os pré-requisitos para se tornar um planejador de estratégias em um mundo de transformações tecnológicas. Vieira tem muito a ensinar. Afinal, sua trajetória de ascensão veloz se deu no campo da comunicação empresarial em um momento de transformações radicais no mercado.
Ele é sócio-fundador do Grupo Ideal, holding criada em parceria com o WPP (maior conglomerado de comunicações do mundo) que controla no Brasil as agências Ideal H+K Strategies e Ogilvy Public Relations – eleitas entre as melhores da América Latina pelo Holmes Report. Foi eleito Executivo de Comunicação do Ano pela Aberje em 2015; Empreendedor de Sucesso pela revista PEGN em 2013; um dos top 3 profissionais de comunicação mais destacados do Brasil, segundo a pesquisa prScope do Grupo Consultores. Nos últimos anos, esteve à frente da criação de estratégias de comunicação para empresas como Nike, Facebook, GE, Diageo, Whirlpool, Dell, Google, Comitê Olímpico Internacional e Rio2016. É autor do livro-reportagem Os Bastidores da Internet no Brasil – finalista do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira em 2004.
Como você analisa o cenário da comunicação brasileira em fase da mudança geracional que tem acontecido nos últimos dois anos?
Os pioneiros do mercado brasileiro de comunicação corporativa construíram condições muito favoráveis para que a nova geração de empreendedores e executivos possam desenvolver ainda mais essa indústria. Estamos, de fato, passando por uma fase de troca de comando nas agências mais tradicionais, o que ocorre em paralelo ao surgimento de novas empresas no segmento. Acredito que a renovação é positiva, e que o momento é de desenvolver ainda mais o mercado, apostando em profissionalização e consolidações.
Como aconteceu de um jornalista virar um líder do mundo digital?
Após uma carreira bem-sucedida em grandes redações cobrindo as áreas de tecnologia, negócios, inovação e mídia, eu e meu sócio – Ricardo Cesar – começamos nossa aventura empreendedora em 2007, para atender às necessidades do Google, que acabara de abrir seu escritório no Brasil. O Google procurava uma agência que entendesse seus desafios de negócio (um modelo disruptivo e digital de conteúdo, mídia e influência), mas na época só encontrou no Brasil agências de publicidade ou assessorias de imprensa. Nós então criamos a “agência ideal” para eles, muito forte em planejamento estratégico, híbrida nas entregas de ferramentas de comunicação (public relations, public affairs, conteúdo, publicidade, social media etc.) e agnóstica em termos de canais (trabalhando com mídia conquistada, paga e proprietária). Montar um negócio próprio tendo o Google como primeiro cliente nos deu uma vantagem competitiva muito grande, o que nos levou a estar entre os líderes do mercado. Hoje, com nove anos de vida, a Ideal está entre as top 5 agências do país nos diversos rankings de PR, Social/Digital e Conteúdo.
Quais os pré-requisitos para se tornar um empreendedor digital?
Não acho que exista uma fórmula, mas o resultado de um trabalho bem feito. Se hoje somos reconhecidos assim é uma consequência natural das entregas da agência. A Ideal foi a agência pioneira em PR Digital no Brasil. Fomos os primeiros a levantar a bandeira da convergência entre PR e publicidade. A primeira agência de PR do país a comprar mídia, fazendo Social Advertising. A primeira agência a ter uma área de Business Intelligence, trabalhando com Big Data. E os primeiros a trabalhar Influenciadores Digitais de forma espontânea, além da paga. Por conta disso a Ideal é percebida como uma das agências mais inovadoras do mercado. E nós, pessoalmente, trabalhamos para ajudar a desenvolver a indústria de comunicação como um todo.
Quais os desafios para comunicar dentro da Comunicação?
Inúmeros. Acho que o principal é refletir sobre o momento atual das agências. Toda essa onda de transformação e desintermediação que as tecnologias digitais trouxeram para o mundo dos negócios afetou muito a indústria da comunicação, em todas as suas disciplinas. Se você parar para pensar, por que uma empresa precisa contratar uma agência de qualquer natureza hoje em dia? Essa é uma pergunta desconfortável, mas válida. No passado, os “founding fathers” da comunicação brasileira (a maioria oriundos da publicidade) criaram um mercado interno porque ajudavam a resolver os problemas de negócios de seus clientes por meio da comunicação. Nos últimos tempos, esse valor foi se perdendo, pois as agências foram se voltando para dentro e se contentando em simplesmente fazer comunicação de qualidade – o que é “nice to have”, mas não é “must have” para as empresas. Em outras palavras, muitas agências saíram de dentro dos clientes para estarem dentro de si próprias, deixando de ser protagonistas para se tornarem meros fornecedores demandados. Isso ajuda a explicar a perda de valor das agências como um todo, o abismo gigantesco de remuneração que ainda existe entre agências de publicidade e de comunicação corporativa e, sobretudo, qual é o papel estratégico dos Chief Marketing Officers (CMOs) e dos Chief Communication Officers (CCOs) dentro das organizações. É preciso repensar esses assuntos, seja dentro das empresas ou como fornecedores. E recuperar o real valor do nosso mercado, que é o de ajudar nossos clientes a resolver seus problemas de negócios, usando a comunicação em suas várias formas.
Antes de se tornar empresário, você atuou no jornalismo. Que lição ficou dessa experiência?
Estar à frente de agências que estão entre as líderes de mercado em seus ramos de atuação pressupõe estudo constante, muita dedicação e muita conversa – habilidades que aprendi com o Jornalismo. Os princípios que norteiam a prática jornalística – uma apuração bem-feita, ouvir diferentes fontes, ter capacidade de síntese, de edição de informações e de buscar a relevância das coisas, entre outros – são valores essenciais no meu dia-a-dia à frente dos negócios.
Que lições você levou de sua passagem pelo Google? Qual, na sua opinião, a importância do Google para a disrupção nas comunicações? É um papel benéfico ou prejudicou a mídia? Por quê?
Aprendemos demais com o Google. Eles souberam ser disruptivos em praticamente tudo, do modelo de negócios à gestão da empresa. Tentamos aplicar o máximo desse aprendizado no dia-a-dia dos nossos empreendimentos. Acredito que o Google foi o grande agente desencadeador das transformações que a indústria da comunicação vive hoje, pois ele ajudou a materializar as mudanças, que antes sempre foram somente teóricas. E depois do Google surgiram outros agentes transformadores importantes, como o YouTube e o Facebook. Creio que as mudanças que o Google trouxe foram benéficas ao mercado, pois ajudaram a reinventar um modelo de negócios que estava estagnado há décadas.
Conte como se deu a passagem da WPP para a Ideal? Conte como sua empresa diversificou as marcas?
A Ideal cresceu muito rapidamente desde sua fundação. Ganhamos clientes importantes, contratamos muita gente, inovamos e abrimos outros negócios que também foram bem-sucedidos. Essa trajetória empreendedora chamou a atenção dos grandes grupos de comunicação do Brasil e do mundo, que começaram a nos identificar como um alvo interessante para uma aquisição. Conversamos com todos os principais players, profundamente. Decidimos seguir com o WPP pois ele foi o único grupo que nos permitiu continuar empreendendo. Sempre quisemos ser consolidadores, em vez de consolidados, e só fecharíamos negócio com quem respeitasse essa decisão. Depois de 480 dias de negociações – ou o período de gestação de uma girafa –, criamos então o Grupo Ideal, uma holding em que Ricardo e eu somos sócios do WPP.
O Grupo Ideal foi inicialmente constituído, em setembro de 2015, por duas empresas. A primeira operação nasceu do alinhamento entre a Ideal e a rede global H+K Strategies, que está entre as cinco maiores do mundo, com presença em 88 países e faturamento superior a US$ 350 milhões. A antiga Agência Ideal absorveu o escritório local da antiga Hill & Knowlton e formamos uma nova agência, a Ideal H+K Strategies, que hoje tem mais de 200 funcionários e 80 clientes. Ela é comandada pelos executivos Bruno D’Angelo e Edson Porto.
A segunda operação do Grupo Ideal é a Ogilvy Public Relations, fruto da fusão entre a antiga Concept PR (fundada por nós em 2012) e a Ogilvy PR, uma rede global que é a sexta maior do mundo, também com presença internacional e faturamento muito significativos. É uma das agências de comunicação que mais cresce no mundo, reconhecida como uma boutique criativa que tem desenvolvido trabalhos de excelente qualidade. A união entre Concept e Ogilvy deu vida a uma nova agência no Brasil, que em menos de um ano já figura entre as 15 maiores do país e conta com mais de 50 pessoas e 30 clientes. A agência é comandada pela executiva Renata Saraiva.
Além dessas duas agências, há outras operações em gestação dentro do Grupo Ideal. Em breve poderemos contar mais detalhes sobre elas. Mas a idéia é continuar crescendo e consolidando mercado, criando operações relevantes em diversos segmentos da comunicação.
Quais os projetos mais interessantes da Ideal?
Recentemente alguns dos nossos trabalhos foram reconhecidos por prêmios de grande relevância no mercado internacional. A Ideal H+K Strategies acaba de ganhar o SABRE Awards Global com o case #VocênaCapa, para a revista Elle; além disso, o case “Amplify Your Light”, para a Diageo, e da Copa do Mundo 2014, para a Nike, foram vencedores do International Business Awards (os “Stevies”), do SABRE Latam e do Wave Festival. Já a Ogilvy levou Leão em Cannes neste ano com o case “Mindchange Workout”, para a Rio2016/Paralimpíadas.
O branded content e o branded journalism são uma saída para a sobrevivência da comunicação? Esse tipo de atividade não cria problemas de conflito de interesses? Como separar conteúdo patrocinado de notícia, conteúdo relevante de marketing?
Com transparência. Antes de mais nada, é preciso esclarecer e aceitar um ponto: muitas marcas têm legitimidade indiscutível para falar sobre determinados assuntos – e produzir conteúdo relevante sobre eles. A Nike, por exemplo, inventou os tênis de corrida. Portanto, tem autoridade para produzir conteúdo sobre corrida e se envolver nas discussões sobre esse esporte, não somente em relação aos produtos que fabrica. Se a Nike faz isso em seus canais proprietários, como as redes sociais por exemplo, ninguém estranha. É uma marca falando de si própria, promovendo seus interesses e interagindo com seus públicos de forma direta. Ninguém discute. Mas por que isso seria diferente quando ela utiliza um canal de comunicação independente para veicular essas informações? Será que quem acessa esse conteúdo não sabe discernir o que é produzido pelo veículo do que é feito pela marca? Acho que as pessoas que acessam esse conteúdo – leitores, telespectadores, ouvintes, internautas etc. – não são tão ingênuas assim e sabem, sim, identificar quem está falando. Mas, supondo que elas sejam ingênuas e não consigam fazer essa distinção, basta tomar o cuidado de deixar isso claro, identificando o que é conteúdo da marca e o que é conteúdo do veículo. Muitas pessoas ainda confundem Conteúdo com Jornalismo e com Mídia. É preciso virar essa chave, pois são três coisas completamente diferentes.
Explique o “unbranding”? É uma espécie de detox de marcas?
“Unbranded Content”, ou “Branded Journalism”, é uma evolução da discussão acima. Com o branded content, fica claro que marcas podem produzir seus próprios conteúdos – e que esses conteúdos podem ser relevantes. Já com o “Unbranded Content”, as marcas estão começando a ir além disso, produzindo conteúdos jornalísticos. É algo que requer muita maturidade, pois implica em não fazer conteúdo promocional, mas sim de acordo com princípios do Jornalismo, como apuração detalhada, acesso a muitas fontes, edição etc. Isso acontece com marcas que entendem que existem interesses que estão acima de seus próprios – e que elas podem participar de discussões de alto nível sobre determinados assuntos. Nosso escritório de Nova York, por exemplo, produz um site para a divisão de oncologia de um grande laboratório farmacêutico que fala sobre… envelhecer bem. Lá você dificilmente vai encontrar conteúdo sobre remédios contra o câncer ou sobre a empresa. Mas vai achar reportagens que falam, por exemplo, sobre como planejar um casamento depois dos 50 anos. Ou quais passos são necessários para uma aposentadoria confortável. Em outras palavras, discussões que vão muito além de um interesse comercial da empresa. Não se trata, portanto, de um “detox” de marcas. Mas sim de uma nova forma que marcas evoluídas encontraram para participar de discussões relevantes, entendendo que existem propósitos maiores na vida das pessoas.
O futuro da Comunicação está nas redes sociais ou não passam de modismo?
Acho que nem uma coisa nem outra. Redes sociais são canais importantes para falar com alguns públicos de interesse das empresas – não todos. E também não são modismos, pois reúnem bilhões de pessoas se comunicando em rede todos os dias. Para as marcas é preciso participar das redes sociais, com discussões relevantes. Apenas isso.
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