Diretora do Capítulo Aberje RS: “Empresas ainda não estão preparadas para lidar com crise”
Rosângela Florczack, diretora do capítulo Aberje Rio Grande do Sul e especialista em gestão de crise, relatou perspectiva durante visita à associação
Embora, nos últimos anos, empresas já venham buscando se preparar melhor para gerir riscos de reputação e imagem, muitas companhias brasileiras ainda engatinham nesse quesito. Isso pelo fato de se considerarem prontas com base na teoria – como manuais de crise e processos pré-estabelecidos de contenção. Mas, na verdade, estão obsoletas por seguirem velhas prescrições, e não atuarem em todo o sistema preventivo e de gestão pré-crise.
É desta forma que a professora da ESPM-Sul, Rosângela Florczak, que também é diretora do Capítulo Aberje no Rio Grande do Sul em conjunto com Daniela Cidade, avalia a preparação das empresas para eventuais crises. Formada em comunicação corporativa e gestão de reputação e imagem, durante a visita à sede da Aberje, em fevereiro, ela analisou como as corporações se posicionam atualmente em relação à gestão de crise, além de abordar a polarização política e o futuro da gestão de crise.
Confira abaixo entrevista concedida ao Portal Aberje:
Qual o papel do capítulo da Aberje no Rio Grande do Sul na comunicação corporativa da região?
Assim como em todo o país, no Rio Grande do Sul a Aberje tem um papel fundamental no desenvolvimento da área e na compreensão do que ela significa junto aos gestores de organizações de todos os portes e naturezas. Os encontros entre associados e eventos em geral fortalecem as boas práticas e proporcionam a troca de conhecimento, gerando melhorias expressivas na comunicação que acontece no ambiente empresarial. Nos últimos três anos, os trabalhos foram intensificados e diversificados. Os associados têm se reunido periodicamente para debater novas possibilidades de posicionamento estratégico da área.
Como você vê a evolução na gestão de crise de imagem nas empresas brasileiras ao longo dos anos?
A evolução da gestão de crise no Brasil e no mundo é dividida em quatro grandes fases, entre 2002 e 2020, mas a grande virada acontece a partir de 2010 (terceira fase), quando manuais e notas de esclarecimento não são mais suficientes, e o foco passa a ser na força da reputação. Foi necessário conectar o momento das crises com os esforços que começavam a ser feitos para gerir a reputação. Criar e consolidar reputações exigia mais do que campanhas publicitárias, vídeos de alta qualidade e o famoso “enxoval básico” de comunicação. Ganhou força a preparação prévia, os alinhamentos com conteúdos institucionais, e o Manual de Crise se transforma em um Guia de Política e Processo de Gestão de Crises.
Nesta última fase, que tem início em 2015 e segue até os dias de hoje, ganha espaço a visão sistêmica que integra novos processos e se conecta com gestão de riscos e compliance. O ambiente midiático pulverizado, os novos comportamentos sociais e o avanço da tecnologia mudaram radicalmente a vida das organizações, das marcas e dos líderes, que dependem do aval social em cada movimento do cotidiano. A comunicação assume um lugar relevante na promoção de uma cultura do cuidado, e está presente antes, durante e depois dos eventos críticos que escapam do planejamento das organizações.
Em geral, você considera que as grandes empresas estão preparadas para possíveis crises?
Muitas empresas têm os famosos “manuais de crises” e alguns processos pré-estabelecidos de contenção, mas poucas estão preparadas de forma adequada para a lógica social e relacional, assim como para o novo ambiente midiático no qual estamos inseridos. As velhas prescrições não funcionam mais. Hoje é preciso um sólido sistema de prevenção e gestão definidos bem antes da crise, equipes capacitadas e monitoramento contínuo. Fazer gestão de crise é muito diferente de fazer o gerenciamento de eventos críticos. A gestão inclui todo o sistema preventivo e também o pós-crise.
O que precisa ser feito para se evitar uma crise de imagem?
Fundamentalmente, é preciso pensar nas crises antes que elas aconteçam. O sociólogo Zygmunt Bauman afirmava que a crise é o novo comum. Na verdade, hoje, a gestão de crises deveria ser vista como mais uma área de conhecimentos interdisciplinares nas organizações. Assim como o compliance, por exemplo.
Os eventos críticos que desafiam planejamentos acontecem à revelia da boa gestão e dos bons processos. Ou seja, as crises vão acontecer sempre, mesmo nas empresas corretas e muito bem gerenciadas, então é preciso naturalizar o seu gerenciamento e estar preparado de antemão. Na hora dos acontecimentos, é muito difícil tomar a melhor decisão em um curto espaço de tempo.
Você acredita que a polarização política seja um componente para desencadear uma crise?
Certamente, todas as situações de extremismo tem um grande potencial para gerar crise, especialmente porque as pessoas estão agindo fortemente pelo emocional, e o racional fica sufocado. Já falamos que a emoção pública está tomando o lugar da opinião pública. O diálogo claro e equilibrado fica inviável nas polarizações, os desentendimentos crescem, e o cotidiano fica desequilibrado. Fórmula excelente para gerar eventos com potencial de crise.
Como você prevê a gestão de crises corporativas em um futuro próximo?
No Brasil, temos muito a fazer nessa área, a começar pela construção de uma cultura do cuidado. As empresas precisam ser muito mais do que fontes de empregos e geradoras de tributos. Elas precisam ter uma responsabilidade efetiva sobre as pessoas impactadas pelos seus processos, pela sua existência.
Especificamente, na comunicação para a gestão de crises, precisamos aprender a fazer comunicação de risco, ou seja, a comunicação preventiva, e uma comunicação humanizada durante os eventos críticos. As estratégias tradicionais da comunicação corporativa precisam ser profundamente ajustadas para o cenário das crises. Diante disso, acredito que a área vai crescer muito nos próximos anos.
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