Conjuntura política rara destrava reformas
Ricardo Sennes
O grande trunfo de Michel Temer é sua habilidade em lidar com o Congresso, já que suas conexões com a mídia e com a sociedade, organizada ou não, são extremamente frágeis. Mesmo com empresários se move com dificuldades. Mas Temer é um presidente em uma circunstância muito particular. Não apenas por ter um mandato de dois anos, mas também por governar em meio a uma crise política e econômica e à operação Lava-Jato. Nessa conjuntura, Temer escolheu avançar de forma significativa na agenda de reformas estruturais do país e dá sinais de que quer ser o “presidente das reformas”.
Ele já sabe que dá tempo para ser o presidente do crescimento. A economia começou a se recuperar, ainda que só deva gerar resultados a partir de 2018. As projeções indicam um do crescimento do PIB de 0,5% esse ano e de 2,5% em 2018. São resultados pífios se considerarmos a queda tida. Nesse cenário, sua popularidade deve seguir em baixa. Atualmente 14% da população consideram o governo bom ou ótimo; e aumentaram as avaliações ruins e péssimas. Pesa ainda contra o presidente o fato de não ter sido eleito, de fazer parte de um grupo político bastante desgastado e de seguir cercado por ele. A falta de bandeiras como, por exemplo, o combate à pobreza ou à corrupção é mais um entrave para torná-lo mais popular. Talvez mais por falta de opção do que por convicção, o governo Temer parece ter definido duas agendas para concentrar suas forças: retomar a estabilidade macroeconômica e avançar com reformas estruturais.
No campo da macroeconomia, Temer escolheu uma liderança inconteste, o ministro Henrique Meirelles, e lhe garantiu blindagem política e autonomia para definir – ou influenciar fortemente – as posições estratégicas para atingir os objetivos estabelecidos. Essa deve ser a equipe mais coesa que se tem notícia nas últimas décadas no Brasil, mesmo se compararmos a governos militares ou de FHC. Isso porque sob a influência direta de Meirelles estão os ministérios da Fazenda, da Previdência e do Planejamento, o Banco Central, o BNDES, o Banco do Brasil, a Petrobras e Eletrobras. A principal meta, já parcialmente alcançada, é recolocar o Brasil na lógica do tripé macroeconômico visto como a melhor alternativa para atingir a estabilidade e evitar choques externos. Embora impopular no curto-prazo, os resultados esperados no médio prazo garantem o apoio de parte significativa da classe econômica e da mídia.
Se a estratégia macroeconômica parece blindada, a frente das reformas é um campo aberto de batalhas, que gera oportunidades para Temer deixar sua marca. Apesar de não ser ampla, a lista é pesada e estrutural. A primeira batalha vencida com incrível facilidade foi a aprovação da PEC do Teto, uma enorme ruptura no padrão de uso dos recursos públicos no Brasil. Ela atinge o motor da acomodação política entre incontáveis grupos de interesse em vários cantos do país e em várias classes sociais. Interromper essa dinâmica não é apenas um detalhe técnico e contábil, mas uma ação política bastante radical.
Na sequência estão planejadas as reformas previdenciária, trabalhista, política e tributária. As duas primeiras estão programadas para esse semestre e outras duas para o próximo. Nesse campo não falta ousadia ao governo. A vitória em primeiro turno de Rodrigo Maia – mesmo com a fragilidade legal de sua candidatura – é mais uma indicação da capacidade de Temer influenciar decisões no Congresso. No dia seguinte a sua vitória, Maia afirmou em entrevista que quem votou nele, votou em favor das reformas e anunciou a criação de uma comissão especial para analisar a proposta de reforma previdenciária, além de cronograma desse ano com as demais propostas.
Temer não espera a aprovação da íntegra das proposições. Sua estratégia tem sido deixar uma margem para negociações e concessões visando aprovar 70% dos pontos iniciais. Nessa linha, podemos dar como certa a aprovação da base da proposta previdenciária. Como já anunciaram, o governo não irá abrir mão da idade mínima e de aproximar mulheres dos homens, mas já negocia regras de transição.
No campo trabalhista, Temer segue pressionando, ainda que decisões críticas em relação à prevalência do negociado sobre o legislado devam avançar mais rápido no Supremo Tribunal Federal. O mesmo ocorre com a lei da terceirização.
A dúvida sobre viabilidade política se restringe à aprovação da reforma tributária. Por envolver um debate sobre o modelo federalista brasileiro, mudanças significativas são pouco prováveis, mesmo com a habilidade política de Temer com o congresso. Talvez se chegue a um alinhamento quanto ao ICMS e pequenos ajustes, mas definitivamente não uma reforma.
Apesar dos entraves fora do Congresso, como sua baixíssima aprovação popular, Temer segue capaz de deixar seu legado com uma agressiva agenda de reformas, salvo se ocorrer outro terremoto político.
Ricardo Sennes é sócio diretor da Prospectiva e especialista em cenários políticos e econômicos, formulação e implementação de políticas públicas e avaliação de seus impactos nas empresas. Possui experiência em políticas industriais e de fomento e inserção internacional. É doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador geral do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP. Atualmente é parceiro não residente do programa latino americano do Atlantic Council e membro do Conselho de Assuntos Estratégicos da FIESP e do Conselho da Revista Foreign Affairs (México e EUA).
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