10 de outubro de 2016

Comunicação 3.0 na prática

Fábio Betti

Saudades da época em que as áreas de Comunicação Organizacional tinham que se preocupar em o que fazer para que a informação chegasse a todos os públicos de interesse da empresa. Esse desafio se torna minúsculo frente ao aumento de complexidade dos dias de hoje, com a impossibilidade total de controlar o que se publica sobre a organização. Saudades também das intermináveis discussões sobre onde a área de Comunicação ficaria melhor alocada. No RH, no Marketing ou uma área própria ligada diretamente ao presidente? Agora a discussão é sobre reinvenção, uma vez que o dinheiro minguou, as estruturas se tornaram mínimas, mas a pressão por um papel estratégico segue firme. Sem dinheiro e sem gente, não tem jeito, só reinventando mesmo.

 

Pessoas possuem multitalentos e não se encaixam mais numa única caixinha.

Você pode encarar uma crise como um decreto de morte – e algumas de fato o são. Ou como uma informação clara, pulsante, gritante do contexto indicando que o caminho até então percorrido já não está mais funcionando. E não é só com a Comunicação. Na pesquisa Carreira dos Sonhos 2016, realizada pela Companhia de Talentos com aproximadamente 70 mil  -pessoas, entre jovens –  média gerência e alta liderança –  descobriu-se que o principal ponto comum entre os 3 públicos é que, se o dinheiro não fosse uma preocupação, mais de 70% fariam alguma coisa diferente na vida, ou seja, não continuariam trabalhando onde atualmente trabalham.  Quem disse que não dá para ser contador e cozinheiro? Ou executivo numa empresa e empreendedor em outro negócio totalmente diferente? Todos nós possuímos multas habilidades diferentes e, com o fim do emprego para sempre, não precisamos mais – nem queremos – esperar pela aposentadoria para colocá-las em prática.

E se há uma habilidade transversal em qualquer sistema vivo, certamente é a comunicação. Mesmo que “Silvios Santos” sejam raros, todo o mundo se comunica de alguma forma. Mais do que isso, cada um de nós é um potencial veículo de comunicação desde que o Orkut surgiu em nossas vidas nos idos de 2004. Você já sabe que essa realidade se traduz em perda de exclusividade e controle da comunicação da organização. Então, para que serve uma área de Comunicação Organizacional que não tem estrutura, dinheiro nem poder de controlar a informação produzida e disseminada sobre a empresa? Para se extinguir, se a mentalidade que ajudou a criar a área não mudar. Ou para evoluir e liderar a próxima revolução nas organizações. Mas para isso acontecer, você precisará rever os seus conceitos.

 

Muitas pessoas que não trabalham em Comunicação têm talentos em comunicação.

Convidar pessoas fora da área de Comunicação para construir a comunicação organizacional – e não estou falando, por favor, do concurso para escolher o nome do jornalzinho – , além de contar com recursos importantes e colocar em prática uma comunicação que reconheça que todos são comunicadores, é uma forma de ajudar muita gente a encontrar um espaço onde alguns de seus múltiplos talentos possam se manifestar – e isso na própria empresa em que atualmente trabalham. De repente, aquilo que parecia uma ameaça se torna uma tremenda oportunidade de não só construir uma rede expandida de comunicadores, mas para mostrar à empresa que existe outro caminho para estabelecer relações de trabalho onde as pessoas não precisam sair para se sentirem realizadas.

Então pare de reclamar que a área não é estratégica, que falta braço e o orçamento foi reduzido de novo. Olhe para essa crise como uma onda gigante onde sua única chance de se dar bem é subir na prancha e remar.

Falando em friozinho na barriga, convidei a Fabiana Chagas, analista de Comunicação da BRF, para contar na primeira pessoa a experiência de comunicação em rede que ela liderou no primeiro semestre de 2016:

“Tudo começa com um incômodo

O nosso diretor havia saído e o vice-presidente da área de Gente propôs que a área de Cultura e Comunicação Global atuassem juntas, numa estrutura totalmente horizontal e menos centralizada. A intenção era nobre: construir um hub que trabalhasse como um grande núcleo de Cultura, produzindo significado e gerando experiências.

Para isso, ele queria que reinventássemos a forma de comunicação, trazia sempre em seus exemplos que estávamos muito acostumados a produzir informação, mas agora a intenção era construir significado e que, para isso, a comunicação tinha que ser mais 3.0. E eu estudei muitas formas de fazer isso acontecer, mas simplesmente não conseguia entender o que ele queria com isso. Foi nesse momento que o Fabio da Corall apareceu.  Ele já estava nos ajudando a construir uma identidade e governança que funcionasse nesse modelo, e em dezembro, decidi procura-lo com um pedido de ajuda. Para minha surpresa ele também não sabia muito sobre comunicação 3.0, mas tinha um palpite: a resposta estava dentro de nós. Foi aí que meu incômodo o incomodou e criamos, naquele dia, o projeto de Comunicação 3.0.

Um motim de apaixonados e incomodados

Com a energia provocada pelo incômodo de ter que dar uma resposta para algo que não encontrávamos referência no mercado, montamos um pequeno grupo com gente da área de Comunicação, Cultura e Inovação, para organizar um movimento que, inicialmente, nomeamos de Ação Subversiva 01, pois parecia muito com um motim em prol de uma grande causa.

Para atrair gente como a gente, gravamos um vídeo caseiro e enviamos por WhatsAPP para pessoas da nossa rede que fossem incomodadas com a comunicação que não estava funcionando ou simplesmente apaixonadas pelo tema, independentemente da área de atuação.

Cerca de 50 pessoas se interessaram em participar conosco daquele motim que cada dia se tornava mais parecido com uma revolução.

Preparação

Como preparação para um encontro presencial, pedimos para que elas refletissem, pesquisassem e conversassem com seus colegas de trabalho sobre o que seria a comunicação 3.0 e o seu sonho de uma comunicação que funcionasse melhor do que a atual. As cerca de 10 pessoas que não puderam se deslocar até o local do encontro gravaram sua preparação e suas perspectivas foram incluídas como podcasts exibidos durante o encontro. As 40 restantes passaram um dia juntos, quando, colaborativamente, construíram – finalmente – o significado, ou significados, da Comunicação 3.0, criaram o sonho, ou sonhos – acredite: na fase de exploração do novo, ficar no plural é muito mais útil. Em seguida, identificaram cinco grandes temas, os quais, na perspectiva delas, se fossem focados, ajudariam a fazer a comunicação funcionar da forma desejada. São eles: Líder comunicador, Rede de comunicadores informais, Endomarketing, Layout, Acessibilidade e Gestão do Conhecimento. A partir de uma reflexão sobre os diferentes talentos de comunicação, cada um escolheu em qual tema queria trabalhar e foram criados grupos para elaborar ações de acupuntura.

Ação de Acupuntura X Plano de Ação

A grosso modo, a ação de acupuntura é o nome dado a uma ação simples, que pode ser implementada imediatamente, em pequena escala e que tem um alto potencial de impacto sobre o sistema que se quer mudar. A grande diferença de uma ação de acupuntura com relação ao plano de ação é que na primeira o foco é na ação e em errar rápido para aprender depressa, enquanto que no plano de ação o foco é no planejamento e a dinâmica é do tipo “tem que dar certo”. Dá para ter uma ideia de qual das duas funciona melhor se o objetivo é inovar, né?

Experimentação

Cada grupo definiu pelo menos uma ação de acupuntura para ser testada em modo piloto logo após o encontro presencial. As informações sobre os testes ou protótipos – para usar um termo muito comum em processos de inovação – eram compartilhadas num grupo de WhatsApp. Após 15 dias, o comitê organizador – os “subversivos” que iniciaram o movimento, lembra-se? –  contatou os líderes dos grupos de trabalho para entender como cada experiência estava caminhando e conversar sobre eventuais aprimoramentos. Após 50 dias, foi realizado um novo encontro presencial, para compartilhar aprendizados, tanto sobre o processo quanto sobre os produtos.”

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