03 de julho de 2020

Tempos complexos exigem novas formas de tratar a comunicação das organizações

No artigo publicado aqui no site da Aberje, “Tempos complexos, mas velhas formas de tratar a comunicação das organizações”, apresentamos um estudo de caso de como uma organização lidou com o desafio de transformar a sua comunicação diante das profundas transformações que o mundo está vivendo.

O estudo de caso descreveu a história de uma organização que estava passando por mudanças desorientadoras em relação à sua estratégia de comunicação interna e externa. Os resultados das pesquisas de clima organizacional e nas pesquisas de satisfação dos clientes eram decepcionantes. O diretor da área de Comunicação conseguiu que seu CEO aprovasse um projeto abrangente para transformar a comunicação da organização. Mas, depois da equipe e de pessoas envolvidas com o projeto seguir com uma abordagem de solução do problema convencional, acabou cometendo três erros estratégicos, que fizeram o projeto ser descontinuado. Só para recapitular, iremos apenas nomeá-los aqui embaixo:

1º erro: A diretoria focou todas as conversas sobre o projeto de transformação no bem e nos interesses da empresa como um todo. Ao fazer isso, ela ignorou o fato fundamental de que diferentes áreas e pessoas tinham visões radicalmente opostas acerca do que estava acontecendo e do que deveria ser feito, e de que a transformação produziria vencedores e perdedores.

2º erro: A diretoria ao tentar promover o avanço da transformação da comunicação, ela e seus consultores pressionaram para articular uma visão única do problema, da solução e do plano. Contudo, a situação da empresa era complexa demais: diversas pessoas tinham suas próprias perspectivas e propostas, isso impedia que não conseguissem chegar a um acordo sobre o que funcionaria, e deste modo eles não teriam como saber o que funcionaria antes de experimentar as possibilidades: muitas pessoas tinham opiniões sobre diversos assuntos, entretanto, ninguém sabia ao certo o que iria acontecer.

3º erro: A diretoria, os consultores e os gestores viram o que era necessário para realizar a transformação da comunicação. Eles acharam que a gestão da mudança era sinônima de fazer com que outras pessoas (subordinados, fornecedores e clientes) mudassem seus valores, opiniões e comportamentos. Essa premissa fundamentalmente hierárquica, de que pessoas em posições mais altas podem mudar pessoas em posições mais baixas, coloca todos na defensiva.

O estudo de caso ilustra que quando estamos lidando com um problema conflituoso e de alta complexidade, buscar uma solução por meio de uma forma (velha) convencional não funciona, e nestes casos, é preciso utilizar uma forma (nova) não convencional.

A seguir serão exemplificaremos as três principais dimensões que caracterizam uma forma não convencional de um problema de alta complexidade e conflituoso.

1ª dimensão: está relacionada a como nos relacionamos com as pessoas com que estamos colaborando, a equipe e as demais pessoas envolvidas.

Na forma convencional na resolução de um problema complexo parte do pressuposto de que podemos controlar o foco, o objetivo, o plano para atingir tal objetivo e o que cada pessoa deverá fazer para implementar o plano. É como uma equipe seguindo um plano de trabalho. O foco é manter o controle estrito na harmonia, no bem e nos objetivos da equipe como um todo. Contudo, em situações de alta complexidade e pouco controle, não é possível manter tal foco porque os membros da equipe têm perspectivas e interesses consideravelmente diferentes e possuem liberdade de ação. Portanto, é necessário ter abertura, aceitação para conseguir lidar com o conflito e com as conexões que existam dentro e fora da equipe.

2ª dimensão: está relacionada sobre como avançaremos no trabalho da equipe.

Na forma convencional, o foco é estabelecer acordos claros sobre o problema, sobre o plano para implementar uma solução e sobre a sua execução conforme acordado. Entretanto, em situações de alta complexidade e pouco controle, não é possível chegar a acordos definitivos tampouco a uma execução conforme o previsto, porque é muito corriqueiro que as pessoas de uma equipe não concordam umas com as outras, não confiam uma nas outras e porque os resultados das ações coletivas são imprevisíveis. Portanto, é necessário experimentar múltiplas perspectivas e possibilidades com o objetivo de descobrir o que vai funcionar e nos levar adiante dando um passo de cada vez.

3ª dimensão: está relacionada à forma como participaremos (os papéis que representamos) na situação que estamos tentando abordar.

Na forma convencional, o foco foi em como conseguir que as pessoas mudem o que estão fazendo para que possamos executar nosso plano com sucesso. Isto significa fazer com que as outras pessoas mudem o que estão fazendo. Na maioria das vezes, os lideres dos projetos entendem que eles estão fora ou acima da situação que precisa ser revisada. Porém, em situações de alta complexidade e pouco controle, isto é simplesmente impossível. Não é possível conseguir que alguém faça alguma coisa. Portanto, é necessário que os idealizadores da solução do problema entrem na situação de corpo inteiro e estarem abertos a mudar o que eles mesmos estão fazendo.

Nas práticas convencionais, sempre valorizamos muito a natureza das conversas entre as partes opostas e interesses contrários. Os caminhos comuns buscam o entendimento por meio da escuta de melhor qualidade, diálogos cuidadosamente estruturados e gestão de conversas difíceis, até chegar ao “sim”. Tais métodos são sempre úteis, mas, na forma não convencional, o diálogo não é a principal preocupação. Não basta apenas mudar a conversação como forma principal de criação da solução do problema. É necessário algo mais.

Para seguirmos para uma forma não convencional na solução de um problema complexo precisamos devemos afirmar a legitimidade e o valor de cada um dos lados e seus representantes. Essa ideia se manifesta na crença de que há mais de uma visão de mundo ou forma de pensar a serem consideradas. E é necessário deixarmos de lado os esforços para chegar a certezas negociadas e nos dedicamos à experimentação conjunta. Todos têm sua opinião, e a apenas a experimentação conjunta pode permitir visualizar coletivamente quais vão funcionar na situação atual.

Referências:

Como resolver problemas complexos: uma forma aberta de falar, escutar e criar novas realidades. Adam Kahane. Editora Senac. 2008.

Trabalhando com o inimigo: como colaborar com pessoas das quais você discorda, não gosta ou desconfia. Adam Kahane. Editora Senac. 2018.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Fábio Risério

Palestrante, consultor, pesquisador e professor dedicado à cultura de integridade e sustentabilidade nas organizações. Formado em Relações Públicas pela UNESP, com especializações em Comunicação Empresarial pela ECA/USP e Inteligência de Mercado pela FIA/USP e MBA em Gestão de Sustentabilidade pela FIA/USP. Profissional com 20 anos de experiência, em projetos em organizações como o Instituto Ethos, Grupo Promon, Organização das Nações Unidas/ONU; Câmara Brasileira da Indústria da Construção/CBIC; Fundação Alphaville, entre outras. Sócio-Fundador da Além das Palavras: Negócios Éticos e Sustentáveis e professor da Fundação de Direito de Vitória/FDV, da Fundação de Dom Cabral/FDC, da Fundação e Instituto de Administração/FIA e da PUC-Campinas. É facilitador de cursos na Aberje, Instituto ARC e no Instituto Ethos.

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