20 de agosto de 2021

Temas ESG: muito se fala sobre isso, mas precisamos estar capacitados a respeito

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As discussões sobre temas ESG estão quase que onipresentes nos panoramas empresarial, acadêmico e jornalístico atualmente, seja no mundo ou no Brasil.

É chover no molhado salientar que é de suma importância o entendimento, a análise e o encaminhamento dos assuntos e das iniciativas relacionados às questões sociais, ambientais e de governança para o presente e o futuro do mundo corporativo, do setor público e da sociedade como um todo. É um caminho sem volta.

Dia sim, dia não, nos deparamos com artigos, lives, estudos, análises, entrevistas, debates, eventos virtuais e outras ações relativas a esses temas. Por isso, não vou, aqui, me debruçar ou me aprofundar sobre aspectos técnicos ligados aos temas ESG.

Como profissional com atuação nas áreas de Relações Institucionais e Governamentais  (RIG), Advocacy e Comunicação, quero mirar em um ponto que merece grande atenção: os gestores e profissionais estratégicos nas empresas (e aí incluídos os profissionais de RIG e advocacy), que já têm de estar atentos a diversas dimensões de atuação e de negócios, também têm de incorporar os temas ESG em seu radar.

Definitivamente: ESG veio pra ficar!

Os conceitos ESG não orbitam apenas as grandes empresas ou grandes corporações e instituições. Os temas ESG também têm passado a fazer parte dos negócios de médias, pequenas e microempresas, e cada vez mais é fundamental entender como incorporá-los no dia a dia. Empresas de todos os portes estão sendo e serão cobradas não só por seus produtos e serviços mas também por sua responsabilidade socioambiental e pela sua governança.

Investidores, formadores de opinião e consumidores pressionam por um posicionamento ativo das organizações no que diz respeito aos temas ESG. Os produtos e serviços oferecidos devem ser sustentáveis e, como consequência lógica, a gestão das empresas e organizações deve ter a sustentabilidade no negócio como um elemento norteador. Isso requer convicção, talento e esforço, pois tudo deve ser pensado juntamente com a rentabilidade do negócio.

Produtos e serviços com pegada de carbono reduzida ou neutra, utilização responsável de recursos naturais, uso consciente de energia, preocupação com as questões climáticas, relacionamento com as comunidades, foco na diversidade e inclusão social, combate à corrupção, ênfase na postura ética e padrões de governança e compliance mais robustos são alguns dos tópicos que merecem especial atenção, e que os gestores e profissionais seniores precisam conhecer, entender e aprender a lidar.

Mas os temas ESG não são assunto exclusivo da iniciativa privada. Muitos governos estão percebendo que seus processos, sistemas e negócios precisam estar alinhados aos novos fluxos globais de capital, bem como às premissas de desenvolvimento sustentável, incluindo ESG. Nesse sentido, merecem destaque aspectos como o aquecimento global e suas implicações, o desmatamento e seus impactos, a desigualdade social, a necessidade de uma educação de melhor qualidade e a governança responsável também nas funções públicas. Tais aspectos precisam se fortalecer como agendas fortes e motivar debates e a criação de políticas públicas para o seu aprimoramento. A sociedade está de olho. Os governos logo serão cobrados a incorporar os princípios ESG na forma de gerir o Estado.

ESG X resultados financeiros

Uma das maiores transformações ligadas ao universo ESG está relacionada ao mercado financeiro. Muitos investidores passaram a priorizar e direcionar seus investimentos para empresas e organizações que tenham compromissos de ESG. Essa demanda acelerou as pressões pela implementação de práticas sustentáveis. Alguns dos maiores fundos gestores de ativos do mundo já formalizaram diretrizes nessa direção.

Outra ponta de influência são os consumidores. A opinião pública está mais crítica e consciente, e marcas com posicionamento e compromissos com a sustentabilidade têm visto aumentar a propensão de consumo de seus produtos e serviços.

Apesar de tais assuntos serem discutidos, de forma mais contundente, na Europa, nos EUA e no Japão há mais tempo (pelo menos há seis anos), no Brasil essa discussão começou a ganhar maior relevância especialmente desde o ano passado.

No cenário global, estima-se que pelo menos US$ 30 trilhões em ativos estão hoje sob gestão de fundos que apenas aplicam seus recursos em negócios e empresas com práticas sustentáveis. Metade desse volume se encontra na Europa (US$ 15 trilhões) e um quarto nos EUA (cerca de US$ 7,5 trilhões).

No Brasil, onde o movimento não tem ainda a mesma escala, também houve significativo crescimento nos investimentos ESG. Segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), em fevereiro de 2021 o patrimônio líquido dos fundos na categoria sustentabilidade e governança foi de R$ 1,07 bilhão, quase o dobro de há um ano. No primeiro bimestre de 2021, a captação líquida foi de R$ 307,9 milhões, crescimento de 787% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Tal expansão é resultado principalmente do interesse e da pressão da sociedade, que exige que as empresas adotem práticas socioambientais e de governança sustentáveis e responsáveis. O advento da pandemia de COVID-19 e seus enormes impactos reforçaram essa tendência.

Temas ESG precisam ser transversais

As demandas e as prioridades do mercado mudam constantemente e as empresas precisam se adaptar a essas prioridades. Atualmente, ainda são poucos, nas companhias, os gestores, executivos e demais profissionais de nível sênior, bem como os conselheiros, amplamente capacitados nas questões ESG, tendo em vista que são poucas as empresas que têm tradição de abordagem ou de atuação permanentes nesses temas ou que estão no “estado da arte” sobre o assunto.

O que existe são especialistas em aspectos ambientais, sociais e de governança, isoladamente. É necessário, assim, criar uma visão unificada e que permeie toda a organização. Com isso, a formação de gestores, executivos e demais funcionários, bem como de conselheiros em ESG é algo que está sendo endereçado, mas ainda de forma desigual em termos de esforço e iniciativas.

Muitas empresas têm criado áreas, departamentos, diretorias ou até comitês específicos com atuação direcionada relativa aos temas ESG. Isso faz com que novas competências precisem ser desenvolvidas e/ou aportadas, a fim de que as organizações se posicionem e avancem nessa agenda. Os gestores e demais funcionários necessitam ser capacitados em tais temas.

Estudos reforçam esse direcionamento

Diversos estudos, pesquisas e análises têm efetivamente demonstrado que os temas ESG não são um modismo ou algo efêmero, e sim devem fazer parte da cultura, da gestão e da atuação das empresas e organizações. Vou mencionar aqui alguns exemplos.

Estudo do Chief Executives for Corporate Purpose (CECP), coalizão internacional de líderes ESG, lançado em fevereiro de 2021, mostrou que 70% das empresas já estão integrando critérios ESG nos processos de avaliação de desempenho e remuneração, sobretudo para profissionais de nível sênior.

O EY Center for Board Matters (CBM) identificou, em suas análises mais recentes, os seis temas mais importantes nas discussões dos Conselhos de Administração de empresas brasileiras, argentinas e chilenas.  Os critérios ESG aparecem como um dos três temas prioritários para os boards em 2021, ao lado de gestão de riscos e de inovação. O CBM também demonstrou que a preocupação com as questões ESG não surgiu com a pandemia. Na pesquisa divulgada em abril deste ano, 75% dos entrevistados afirmaram que o tema já estava na pauta das reuniões dos Conselhos antes de 2020 e 7% disseram que o assunto já era discutido mas se tornou mais importante com a chegada da crise.

Lançada em 2020, a pesquisa anual FIA Employee Experience (FEEx) tem por objetivo reconhecer as empresas no Brasil que mais se preocupam com a criação de um ambiente de trabalho que possa ser agradável e produtivo ao mesmo tempo. Nessa primeira edição, das 213 empresas participantes, 75% indicaram que têm a sustentabilidade como parte estratégica de seus negócios, 47% disseram que estabelecem diretrizes, metas e ações para o desenvolvimento da sustentabilidade a longo prazo, 27% apontaram que  têm estruturas e processos produtivos sustentáveis, que estão em conformidade com as normas e padrões de certificações internacionais, e 36% sinalizaram que selecionam seus parceiros/fornecedores a partir de princípios de sustentabilidade.

Pesquisa e estudo do Pacto Global das Nações Unidas, tiveram como resultado o lançamento em junho de 2020, do relatório “Leadership for the Decade of Action” (Liderança para a Década de Ação), que mostra o que pode ser aprendido a partir dos líderes de negócios que estão integrando a sustentabilidade nas estratégias, operações e relacionamento com os stakeholders. O relatório revela, também, que há uma necessidade urgente de líderes de negócios transformadores, que considerem os lucros para além do curto prazo e tenham a sustentabilidade e a resiliência a longo prazo como prioridades no mundo dos negócios, e que as áreas de recursos humanos de empresas já estão buscando novos perfis para cargos de liderança.

O relatório destaca ainda que há quatro atributos primordiais que dão suporte a essa mentalidade transformadora e sustentável:

  • Pensamento sistêmico multinível, ou seja, a capacidade de incluir diferentes atores na construção da estratégia da empresa.
  • Capacidade de incluir os stakeholders no processo de transformação.
  • Habilidade para desafiar abordagens convencionais.
  • Ênfase no longo prazo, com coragem para quebrar a dicotomia entre sustentabilidade e lucro.

O profissional de RIG e advocacy nesse contexto

Vem crescendo, continuamente, a importância do profissional de RIG (relações institucionais e governamentais) e de advocacy no contexto estratégico das empresas e organizações. O horizonte é infinito e os desafios que se colocam são enormes.

Para defender os interesses legítimos da empresa ou organização em que atua, esse  profissional tem que ter, entre tantas outras, competências como visão estratégica, adaptabilidade, flexibilidade, conhecimento e ênfase na construção de relacionamentos, condições essenciais no processo de aprimoramento contínuo desse tipo de profissional.

Deve haver um esforço redobrado do profissional para não só conceituar corretamente o que se deseja demandar e compreender os processos e sistemas envolvidos, mas também ter capacidade de compreensão cultural do momento político-econômico-social e fazer a leitura de contextos variados do mercado e da sociedade. É aí que entram os temas ESG.

Os temas ESG trazem um desafio enorme para o profissional de RIG e advocacy, principalmente na compreensão de conhecimentos específicos, na formulação de políticas e de marcos regulatórios e na capacidade de ouvir o contraditório. É um aprendizado permanente.

Algumas competências ganham importância adicional nesse momento, como compreensão de aspectos socioambientais e de governança, comunicação, proatividade, conhecimento de fundamentos de relações com investidores e mercado financeiro, maior uso de ferramentas tecnológicas, leitura e análise de cenários/tendências e antecipação de demandas.

Sem dúvida, a discussão não se encerra por aqui, pelo contrário. É uma jornada de discussões e avanços constantes, um processo em contínua evolução. Não vamos deixar passar o bonde da história.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Carlos Parente

Graduado em Administração de Empresas pela UFBA, com MBA em Marketing pela FEA USP, possui um sólido histórico de experiência em Relações Institucionais & Governamentais, Comunicação Corporativa e Advocacy, com participações e lideranças em processos de comunicação estratégica, inclusive internacionais. Carlos Parente é sócio-diretor da Midfield Consulting.

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