19 de setembro de 2022

Relações institucionais e governamentais no modo “raiz”: do parto da baleia ao lançamento de foguete! (Parte 2)

*Leia a primeira parte do artigo aqui.

Como dito na primeira parte do artigo, vamos falar sobre características fundamentais para a atividade de RIG.

“Pés no chão”, flexibilidade, adaptabilidade e multivisão: alavancas fundamentais para atendimento às variadas demandas

Muito se engana quem acha que a agenda de um profissional de RIG é composta somente pelo suposto charme e pelo fascínio das agendas palacianas. Obviamente, é claro que há muitas demandas estratégicas que estão ligadas à atuação junto a órgãos governamentais ou ao parlamento. Muitas vezes, as demandas de contexto político, legislativo ou regulatório (o Brasil tem um ambiente regulatório altamente complexo!) são as de mais longo prazo.

Mas…o outro lado da moeda também existe. E muito. Nas ações cotidianas, muitas demandas pendem mais para o universo dos “pés no chão”. E devemos estar preparados para atender todas as necessidades com a mesma vontade e com a mesma competência, pois todas têm a sua importância estratégica.

O que eu quero mesmo é chamar a atenção sobre algumas características em especial: flexibilidade, adaptabilidade e multivisão.

São características fundamentais para a atuação desse profissional, tendo em vista que ele lida com diversos perfis e níveis de stakeholders, tendo de ser maleável no atendimento e no trato com diferentes públicos.

A primeira ideia que vem à cabeça, quando se fala em relações institucionais e governamentais, é o profissional que transita em gabinetes e corredores de Brasília ou que dialoga com governadores de Estados, deputados, senadores, prefeitos e outras altas autoridades. E há cafés da manhã, almoços, jantares, eventos… Porém, nem só de aparente “glamour” é feito o dia a dia do profissional de RIG.

Um dos mais frequentes enganos que as organizações cometem ao se relacionar com governos e órgãos públicos é ignorar que setor público e setor privado atuam sob lógicas distintas e em ritmos diferentes. É preciso entender a linguagem do tomador de decisão, antecipar suas necessidades e se adequar ao seu ritmo e ao seu tempo… no setor público ou nos meios políticos, as coisas, normalmente, correm em velocidade ligeiramente diferente das demandas em organizações ou órgãos privados ou em entidades da sociedade civil.

A defesa de interesses junto ao setor público, nos âmbitos executivo e legislativo, tem, assim, uma dinâmica bem distinta da atuação junto a outras empresas, associações ou entidades privadas.

Adicionalmente, além da distinção entre os setores público e privado, tem que levar em conta que a atuação desse profissional deve acontecer, com excelência e eficiência, em todas as esferas e em todas as alçadas. Hoje, você pode estar dando andamento a uma agenda importante em Brasília, com um parlamentar, um ministro ou com um dirigente de órgão público. Mas amanhã, por exemplo, você pode estar num município no interior do Brasil, afastado dos grandes centros, intermediando uma licença junto ao Corpo de Bombeiros (AVCB/CLCB).

Tudo se mistura no dia a dia, e o profissional tem que dar andamento adequado e atenção a todo tipo de solicitação, considerando-se que qualquer demanda, desde que legítima, merece total respeito, com responsabilidade. Esse é o direcionamento “raiz”.

São níveis diferentes de demanda, de atuação e de intensidade, mas ambas as situações citadas podem ser fundamentais para a empresa em que o profissional atua ou para o seu cliente. É o famoso “cada caso é um caso”. E tudo requer tempo, dedicação e atenção. Às vezes, temos que estar em ambientes políticos, regulatórios e institucionais. Outras vezes, temos que estar próximos da operação – industrial, comercial, administrativa ou logística.

Pensar numa agenda sempre  estratégica é bacana e superimportante. Mas a falta de licença do Corpo de Bombeiros, para voltarmos ao exemplo mencionado, inviabiliza o funcionamento de uma fábrica. Isso é pênalti, para a operação, a imagem e a reputação!

A obtenção de uma licença ambiental, para citar outro caso, também é uma demanda muito relevante para as empresas, atualmente. Esse tipo de processo é demorado e exige estudos, análises, especificações técnicas, conversas, participação em audiências públicas – e, às vezes, é necessário interagir com pessoas que têm posições contrárias –, compilação de informações e acompanhamento. É um processo detalhado, que necessita de tempo e requer monitoramento e atenção constantes.

As questões ESG, cada vez mais, exigem posturas ativas por parte das empresas, organizações e entidades. A correlação dessas questões com as atividades industriais, agrícolas, comerciais e de serviços traz vários desdobramentos, e o profissional de RIG deve estar antenado e atento. Práticas sustentáveis já não são mais diferenciais, são imperativas.

Há casos ainda mais prosaicos, que ouvi em minhas andanças e conversas pelo mundo corporativo. Como a necessidade da mudança de mão no trânsito de veículos de uma rua ou a necessidade de instalação de um semáforo e/ou de uma faixa de pedestres em frente a uma fábrica, pois estão ocorrendo acidentes. Ou o acompanhamento de uma parada técnica da fábrica, o atendimento à companhia de água e esgoto, à companhia distribuidora de energia, à polícia militar e por aí vai.

Um caso que ilustra essa complexidade aconteceu, há tempos atrás, em uma fábrica situada em uma grande metrópole. A fábrica havia sido construída em um bairro mais afastado e, quando foi inaugurada, a região era pouco povoada, quase deserta. Com o passar do tempo, foi ocorrendo, gradativamente, um adensamento, por vezes desordenado, e a área próxima à fábrica virou zona residencial. Como decorrência, um morador de um condomínio passou a reclamar do barulho da fábrica e ameaçou entrar com um processo para solicitar o fechamento da unidade, por impacto à vida comunitária. Foi montada, então, uma estratégia para se lidar com essa situação, sob a liderança da área de RIG. Ao mesmo tempo em que se estabeleceu um canal de comunicação com o reclamante, a fábrica buscou adotar soluções para a melhoria da situação acústica das atividades. O projeto envolveu, inclusive, articulação com o setor público, visando equalizar a circulação de caminhões.

O que fica é que tudo isso exige uma atuação “raiz”, para qualquer demanda relativa a esse profissional: senso crítico, capacidade de avaliação e de interlocução, análise de cenários, de informações e de dados, estruturação de materiais de apoio bem fundamentados, mas, também, humildade, “pés no chão”, paciência, flexibilidade e jogo de cintura, para a construção de relacionamentos confiáveis, sempre com ética e transparência.

Mesmo uma demanda aparentemente simples necessita, por vezes, de análises aprofundadas, desenvolvimento de estudos, mapeamento de stakeholders/interlocutores, elaboração de ofícios e material de apoio, reuniões e muito, mas muito diálogo, para encaminhamento do pleito. Se não tomar cuidado e o pleito não for bem encaminhado e acompanhado, tudo se transforma em corre-corre desnecessário.

Resumo da ópera: além de todas as competência técnicas necessárias, o profissional também precisa também ter características humanas essenciais para a atuação nessa área, como:

  • Adaptabilidade/flexibilidade
  • Inteligência emocional
  • Resiliência
  • Aprender a aprender a cada dia…
  • Criatividade
  • Capacidade de observar
  • Saber ouvir
  • Bom senso
  • Sensibilidade
  • Empatia
  • Perseverança
  • Automotivação
  • Imperfeição (esta característica analisarei em outro artigo)

Sempre com os pés no chão, conversando do assistente ao presidente e atuando “do parto da baleia ao lançamento de foguete” de maneira correta, construtiva e fundamentada, sem ser “pastelaria”, constrói-se uma jornada sólida, “raiz”, consistente e longeva, agregando valor no dia a dia e contribuindo decisivamente para os objetivos estratégicos e de negócio da empresa, organização ou entidade.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Carlos Parente

Graduado em Administração de Empresas pela UFBA, com MBA em Marketing pela FEA USP, possui um sólido histórico de experiência em Relações Institucionais & Governamentais, Comunicação Corporativa e Advocacy, com participações e lideranças em processos de comunicação estratégica, inclusive internacionais. Carlos Parente é sócio-diretor da Midfield Consulting.

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