Propósito, mudanças climáticas e inovação nas organizações
Organizações orientadas por propósito. Este foi o tema da 16th Conference on Climate Change: Impacts and Responses, que aconteceu na Eklore-Ed School of Management, na França, no final de abril. Este é um texto feito para nós, comunicadores, no âmbito da Aberje, que traz muito mais perguntas do que respostas. Boas perguntas costumam ser o saldo mais positivo de um bom evento. Espero que elas nos inspirem.
A Conferência foi um chamado para conectar e apertar ainda mais a ligação entre as empresas e organizações que já atuam direcionadas por impacto e propósito e o grande tema da nossa geração, que são as mudanças do clima. Nesses dias em que estamos todos mobilizados pela tragédia climática no RS, refletir sobre como nossas organizações se relacionam com o clima é ainda mais urgente.
Para nós, profissionais da comunicação organizacional, a Conferência foi um prato cheio de descobertas. Para mim, que acho fascinante conhecer a produção científica e a paixão que cientistas têm pela solução de problemas, foi uma experiência super enriquecedora. (Falei sobre isso numa perspectiva bem pessoal, pensando em desenvolvimento profissional, neste artigo aqui.)
Mas há muito o que se falar sobre como o tema das mudanças do clima chega para as organizações e como nós, nessa lente da Comunicação, podemos atuar. “Como vamos orientar nossas organizações por propósito?”
Cada vez mais as empresas estão estabelecendo um ‘propósito’ para sua atividade, uma busca de resultados que vá além da geração de valor para os acionistas e proprietários.
Mas como fazer o ‘propósito’ dar certo?
A cultura organizacional é o coração dessa transformação. Uma cultura genuinamente orientada por propósito:
- contribui para aumentar o valor de longo prazo
- aumenta o engajamento do time, conquistando mais inovação e produtividade
- fortalece a relação com clientes e consumidores, conquistando lealdade
- conecta a empresa com seu contexto, aumentando a percepção de significado e fortalecendo sua reputação.
Além disso, gera mais do que resultados; gera impactos positivos, mudanças no contexto que decorrem da sua atuação e intervenção, do seu “jeito de pisar sobre o planeta”.
Não basta anunciar “Agora temos um propósito”. É preciso construir essa definição contemplando todas as pessoas. Que propósito faz sentido para nossa organização? Falamos de quê? Quais são os temais materiais aos quais devemos nos dirigir? Com o que, de fato, podemos colaborar dentro de um sistema de interconexões em que está nossa organização?
Então, o passo um é costurar significado, autenticidade, sentido. E para nos posicionarmos, precisamos que nosso propósito seja genuíno, seja vivido pela equipe de colaboradores, seja experienciado por todos os nossos stakeholders, por toda a cadeia de valor que acionamos. Neste momento, devemos colocar em prática estratégias que promovam uma integração bem-sucedida do “propósito” na nossa organização. Boas práticas dizem que:
- Unir propósito ao desempenho é construir um farol claro
- Lideranças que personificam o propósito inspiram e constroem um ambiente de confiança para que todas as pessoas possam se engajar, se orientar e se direcionar
- Decisões difíceis e complexas podem ser orientadas pelo propósito, em primeiro lugar.
- Coerência é outro segredo do sucesso. Nem precisa de muitas explicações. Tenho certeza de que cada um de nós conhece exemplos de dissonância.
- Fortalecer e reconhecer as pessoas que naturalmente inspiram as outras pessoas. Elas podem contribuir muito para a transformação.
- Proporcionar possibilidades para que as pessoas se conectem com o propósito e percebam o quanto elas colaboram para ele. Estimular o aprendizado individual e manter uma comunicação constante e clara colaboram muito para isso.
Talvez a gente já consiga olhar tudo isso com certa maturidade. Provavelmente as grandes empresas já estão nessa jornada de transformação, mas a verdadeira mudança da economia como um todo está apenas nos passos iniciais. Precisamos caminhar.
Pode ser que nesse ponto vocês se perguntem: “ok, mas qual a novidade?”. Pois é. Tem novidades.
Uma nova abordagem de interação
Pensando na Conferência, a pergunta é: como nossas empresas são impactadas e impactam as mudanças do clima?
Diante da crise climática e de sustentabilidade, neste cenário de transição necessária, as empresas têm sido chamadas a atuar para promover inovações que gerem soluções para as pessoas e para o planeta, a provar que não estão degradando os sistemas ambientais e sociais dos quais todos dependemos e principalmente e a construir novas formas de atuar que vão além das obrigações.
Há uma pressão endereçada às empresas. Como colocar esse assunto para dentro de forma consistente? Diálogo seria uma boa resposta.
Será que é tão fácil assim?
Tudo isso é muito bonito e possível de realizar, mas há perguntas perturbadoras.
“Mas e o lucro, não diminui?”. Especialistas em administração dizem que não. Mas que é preciso redesenhar a dinâmica de operação e pensar com outras perspectivas.
“Promover bem-estar não é papel do governo?”. Eu devolvo com outra pergunta; “Também é, mas seria só do governo?”. Organizações são veículos de inovação na sociedade. Podemos nos imbuir desse papel.
Mas a mais matadora de todas é: “Mas e se tudo isso for apenas para fazer uma imagem de boazinha?”. Falar é fácil, sabemos. E tenho certeza de que também conhecemos histórias que validam essa desconfiança.
É aqui que está a novidade: existe uma norma que dá as referências sobre o que de fato configura uma purpose driven organization.
Sinais de tendência no ar
The British Standards Institution (BSI), organismo nacional britânico responsável por definir normas e padrões técnicos, publicou a PAS 808:2022 Purpose-driven organizations – Worldviews, principles and behaviours for delivering sustainability – Guide.
Esta especificação é um padrão para orientar a governança e as lideranças das empresas sobre o que é propósito, como uma organização orientada por propósito toma decisões e como ela age.
A PAS 808 indica visões de mundo, estabelece os princípios fundamentais de uma organização orientada por propósito e indica as categorias de comportamentos associados a esses princípios assim como comportamentos específicos, dentro dessas categorias.
Para entender o contexto:
A BSI é um organismo nacional britânico criado em 1901 para estabelecer normas e padrões técnicos de referência. Ela foi fundamental para a criação da International Organization for Standardization (ISO), em 1947, que estabelece padrões internacionais.
A BSI foi pioneira no desenvolvimento de normas de sistemas de gerenciamento, criou a primeira norma de gerenciamento ambiental e o primeiro padrão de sustentabilidade do mundo. Elas se tornaram padrões internacionais e a gente certamente já lidou com ISO9000, ISO14001 e tantos outros que vieram de lá.
Além das “Normas Britânicas”, o BSI produz as chamadas PAS, sigla que designa uma Especificação Pública Disponível (do inglês, Publicly Available Specification).
As PAS são normas construídas como resposta a uma necessidade imediata e específica do mercado. O BSI orienta a condução de um processo rigoroso, que tem início com a questão desafiadora e cujo desenvolvimento é patrocinado por uma ou mais empresas. Mas o fato de partir de uma necessidade do mercado não significa menos rigor. Pelo contrário. O processo é conduzido por um grupo diretor técnico e submetido a um grupo de avaliação composto por especialistas, profissionais de comitês de normas, governo, associações empresariais e consumidores. Depois disso, as sugestões feitas pelo grupo de avaliação são apresentadas ao grupo diretor e o BSI faz uma consultoria final para a edição da norma, que é publicada como padrão técnico de referência. Após dois anos de publicação, a PSA pode se tornar uma Norma Britânica formal.
Então, para fechar esse box, uma reflexão pertinente: as normas e padrões britânicos tem referenciado as normas internacionais. Ou seja, se há uma PSA que regula o que são organizações orientadas por propósito, e se ela pode se tornar uma norma britânica formal, são grandes as chances de que seja criado um padrão internacional que logo, logo vai bater às nossas portas. Que tal ajustar a direção?
E ainda mais: como a sua organização está lidando com as questões da mudança do clima? Seu propósito se relaciona com esse tema?
Em breve publico um artigo sobre a PAS808 e a experiência de empresas que já adotaram o padrão.
Destaques
- Capítulo Aberje Minas Gerais realiza debate sobre Comunicação e emergência climática
- Terceira edição da revista Interfaces da Comunicação, da ECA-USP, já está disponível
- Em artigo no Poder 360, diretor-executivo da Aberje fala sobre impacto das mudanças climáticas no esporte
- Empresas apostam na humanização e autenticidade em ações com influenciadores
- Lab de Comunicação para Diversidade destaca papel do tema na estratégia das organizações
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