O urbanismo, o Gás Natural e a Covid-19
Um dos consultores da Fundação Bill Clinton que ajudou a posicionar um bairro catarinense com conceitos modernos de urbanismo sentenciou há mais de uma década que se as cidades começassem a ser concebidas hoje precederiam do gás natural como energia principal.
Nosso país engatinha ainda em infraestrutura de rede de transporte e distribuição de gás natural. E com essa limitação compromete o papel de transição às energias renováveis, a competitividade de setores produtivos, a comodidade e a qualidade de vida da população e a mobilidade urbana das rodovias e cidades.
Quando os planos de crise respondem hoje às necessidades imediatas da saúde social, tendemos a assumir um protagonismo individual em responder fortemente ao inimigo que se levantou e se agigantou. Princípios básicos de preservação da vida e do patrimônio – que mereceram reconhecimento na Alemanha como ação de resposta e em Hong Kong como prevenção – são postos em prática e, ao mesmo tempo, verifica-se o quão carente é nossa infraestrutura para atender nossa lógica de vida. Bastam semanas de uma propagação viral para emudecermos diante de um caos.
Mas o que uma energia em rede, invisível, que precisa ser “perfumada” para ser percebida tem de sinergia com esse momento de pandemia da Covid-19 e a situação de calamidade pública que assola o mundo todo, potencializada, quem sabe, pelo urbanismo moderno?
O urbanismo que vivemos hoje, conceituado pelo saudoso francês François Ascher, tem como umas das suas principais características o maior isolamento, a potencialização do individualismo e ampliação das situações de risco. Oportuno refletir sobre como essa lógica nos impõem hoje condutas, ao tempo que nos escondemos, quando assim conseguimos, dentro de nossas caixas verticais de moradia.
O exemplo de Santa Catarina, como estado litoralizado e que tende a ter uma concentração urbana ainda maior nas próximas décadas, serve como ponto de atenção. Não à toa o mapa aponta maiores índices de contaminação do novo coronavírus no litoral, onde há maior acesso à saúde púbica (e aos exames) e maior propensão à propagação da doença em razão da vulnerabilidade.
O gás natural dialoga com a arquitetura funcional e o desenho urbano: seu uso diminuiu o impacto na mobilidade urbana – sua operação em Santa Catarina significa menos 2.040 carretas circulando diariamente nas rodovias e municípios catarinenses –; pode deslocar energias mais poluentes – congresso de mobilidade da Abegás demonstrou que a poluição mata e agrava problemas respiratórios no Brasil –; ajuda a criar espaços de integração e pode ser inclusivo no caso da universalização do seu uso.
Precisamos de cidades rompendo a atual lógica que privilegia as regiões mais desenvolvidas, contribuindo para processos migratórios e de metropolização que afetam o desenvolvimento regional e emancipa, cada vez mais, os limites espaciais e territoriais como pensa outro o também saudoso geógrafo brasileiro, Milton Santos. Caso contrário nem a lógica dos diversos pensamentos econômicos dominantes, que se sustentam no capitalismo, sobreviverão.
O momento não é só de responder à crise, como também de repensar nosso modo de vida para melhor prevenir novas crises. Emprestei do gás natural a ideia para provocar esse pensamento. Outras e, talvez, maiores crises virão, e nossas escolhas urbanas estão diante de nós para serem confrontadas.
Há muitas “cidades” fora do nosso mapa, esquecidas e longe do processo de influência nas decisões que fazem dos nossos espaços um espelho de interesses. Necessidades sequer mapeadas, como defende a urbanista brasileira Ermínia Maricato, as cidades fantasmas dos excluídos que não são encontradas pelas contas estatísticas.
Precisamos sem dúvida de planos, mas prescindimos fortemente de maior diálogo e negociação que permitam evoluir o planejamento urbano, compreendendo também que o conhecimento e a informação são construídos antes, durante e depois das ações. E quando falamos em diálogo, falamos de comunicação.
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