Negócios e solidariedade em tempos de pandemia
Há alguns anos as empresas vêm sendo convidadas a repensar sobre a sua razão de existir no mundo. Se no passado a pressão pelos resultados por parte dos acionistas era a grande fonte de preocupação, hoje em dia também entra para a lista a relação da marca com o mundo, as pessoas e o futuro.
Muitas corporações já assimilaram este movimento e, não à toa, elas se tornaram mais atrativas para investidores, especialmente por direcionarem esforços nas áreas de Meio Ambiente, Governança e Responsabilidade Social ou ESG (Environmental, Social and Governance), um termo que vem ganhando cada vez mais espaço nas regras de negócios contemporâneas.
Essa evolução corporativa começou há décadas, no entanto, andava a passos mais lentos e sem holofotes antes deste fatídico ano de 2020, quando a pandemia da Covid-19 incentivou milhares de empresas a colocar em prática, ou reforçar, iniciativas de Responsabilidade Social. Embora para muitas a prática fosse resumida às ações pontuais, o mais interessante nesta movimentação é notar o desempenho de grandes corporações que já possuíam o ESG em sua cultura e a capacidade de reação delas diante do cenário de crise. Uma prova de que negócios e sustentabilidade caminham lado a lado.
A edição 78 da revista Forbes, publicada em junho, traz como reportagem de capa a lista das 100 maiores empresas doadoras durante a pandemia, dando um importante destaque às companhias “solidárias” em uma publicação autodenominada como a mais importante de economia e negócios do mundo. Mais um sinal dos nossos tempos.
De 31 de março até 14 de julho foram doados quase seis bilhões de reais. As financeiras estão no topo da lista de doadores, com 1,8 bilhão. Em seguida figuram a indústria de alimentos e bebidas e a de mineração. Os dados são do Monitor das doações Covid-19, uma iniciativa da Associação Brasileira de Captadores de Recursos.
O setor dos atores e os números impressionam. Eles indicam a movimentação de organizações para realmente promover mudanças por meio de atos “solidários”, que ajudarão não apenas as pessoas ou instituições beneficiadas, mas também as próprias empresas, considerando um cenário de médio e longo prazo. Elas sabem bem disso.
São iniciativas louváveis e necessárias para o momento atual. São também carentes de ressignificação ao pensamos no mundo pós-pandemia, quando poderemos perceber com mais clareza a legitimidade das ações solidárias.
Há apenas dois caminhos possíveis para essas organizações. O primeiro, o do esquecimento, muito provável para aquelas que enxergaram na crise uma oportunidade de marketing para “vender lenços a fim de enxugar as lágrimas” de uma sociedade carente de alternativas para superar o momento.
O segundo, mais coerente e com resultados em longo prazo, para as empresas que têm a sustentabilidade como estratégia no planejamento das atividades e nas relações com toda a sua cadeia de valor. Essas sim, aparentemente mais determinadas a evitar o choro antes de vender o lenço. Mesmo porque é dessa estratégia que virá a própria sobrevivência delas.
A solidariedade pode ser definida pelo apoio para suprir necessidades materiais ou emocionais de alguém. É natural que na pandemia as pessoas estejam mais sensíveis e propensas a elas, faz parte do instinto da vida humana. Para as organizações, não é diferente, e a razão de ser solidária também envolve estar viva e no jogo, na crise e especialmente fora dela.
As causas sociais devem fazer parte da estratégia, assim como as de governança e ambientais. Determinar esses indicadores e agir para torna-los realidade, principalmente em situações normais, é fundamental para ter bases sólidas, reagir ou mesmo continuar existindo em um planeta e em uma sociedade saturados do modelo em que os ganhos são maiores apenas para um lado.
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