“Chefe, fui diagnosticado com burn-out”
Publicado originalmente no LinkedIn em 3 de julho de 2023
A gente conta muita vitória, compartilha conquistas, mas acho importante falar dos aprendizados por aqui também. Faz uns 9 meses, eu recebi essa notícia de um colaborador da minha equipe.
E posso dizer que passei por todo o caminho da curva de mudança de Kubler-Ross. Conhece? Ela foi a criadora das 5 etapas do luto e sua teoria foi sendo adaptada até se tornar uma das bases conceituais da gestão da mudança.
Fala-se muito em gestão da mudança para grandes desafios organizacionais, né, mas aqui vai um relato real de gestão da mudança individual, da prática de liderança.
Bom, liderança de alta performance é um tema pelo qual sou apaixonado e nos últimos anos tenho me dedicado bastante a estudar (aliás, vem aí a segunda turma do meu curso, agora pela Aberje, inscrições abertas já!).
Desde moleque, sou doido por esportes e talvez venha daí esse interesse e admiração pela alta performance. Cresci vendo Ayrton Senna, Romário, Guga, Michael Jordan, Kobe Bryant, Bernardinho e tantas outras referências, que sempre me tocaram de uma forma especial, no sentido de que não é só trabalho. Eu pensava: “Esses caras encontraram o que mais gostam de fazer na vida e tratam como se fosse arte. E entregam tudo, superam seus limites”.
Eu amo o que faço, adoro as possibilidades que ações de comunicação e marketing têm de transformar empresas, a sociedade e a vida das pessoas para melhor. Então, pronto, estava resolvido: esse era o meu campo, a minha quadra, a minha pista, e na condição de líder de um time, ia criar um ambiente que gerasse os melhores resultados possíveis, desafiando cada integrante a buscar sua melhor versão.
E deu muito certo. Fui ajudado pelo clima de uma empresa reconhecida há mais de uma década com uma das melhores para trabalhar na cidade e pela vibe de uma equipe jovem, talentosa, entrosada e empolgada por natureza. E os resultados foram vindo. Cases, prêmios, troféus. Até que chegou a notícia.
“Chefe, fui diagnosticado com burn-out”.
Minha reação foi exatamente a etapa 1 da curva de Kubler-Ross: choque. Como assim? Eu tinha acompanhado de perto um caso de uma pessoa próxima que tinha vivenciado burn-out em função de uma liderança tóxica.
Logo em seguida passei para o estágio 2, a negação. Bom, o que será que está acontecendo na vida dessa pessoa? Deve estar passando por algum momento de muita pressão que acabou causando isso, porque certamente não foi por conta do trabalho.
“Chefe, o principal motivo é o trabalho”. Estágio 3, frustração. Quando conversei pessoalmente com meu colaborador, e ele me explicou os detalhes, a tensão que gerou tudo, a ficha caiu. Aconteceu na minha frente e eu não fui capaz de perceber. Logo eu, tão dedicado a ser um líder exemplar. Naquele momento, só podia pedir desculpas, acolher e tentar ser o mais humano e empático possível. Um pouco tarde demais, mas melhor do que nunca.
O estágio 4 é o pior, o da depressão, e você precisa ficar atento para que o mergulho não seja profundo. Passaram pela cabeça pensamentos como “não sou capaz”, “não sou bom o suficiente”, entre outros. Eu já recebi um agradecimento por ter “salvo” a vida de uma pessoa (e o que fiz foi basicamente enviar um e-mail para alguém que realmente resolveu o caso) e nunca esqueci o quão gratificante e emocionante foi ouvir aquela frase naquele momento. Agora, o oposto. Uma pessoa do meu time tinha ficado doente por minha responsabilidade, em última instância.
Algo precisa mudar. Estágio 5, a experimentação. De lá para cá, ajustei muitas coisas na minha rotina de liderança. Tenho estudado ainda mais e investido tempo em trocar com todo o time sobre o tema que considerei crucial para ser a base da mudança: segurança psicológica.
Fazer as pessoas se sentirem seguras, confortáveis e com confiança para falarem sobre como estão se sentindo. Sentimentos e emoções, sejam positivos ou negativos. Para mim ou para alguém que possa sinalizar a necessidade de atenção e de ajuda. Instituí reuniões one-on-one com foco na parte comportamental, e não nas tarefas do dia a dia. Tive acesso a histórias sobre o momento de vida das pessoas que jamais poderia imaginar, muito além do que as telas e reuniões de brainstorming mostram. E aí você consegue enxergar o vídeo, e não a foto. Entende o contexto e consegue calibrar melhor as coisas. Junto com as coordenadoras do meu time, readequamos atividades para tentar equilibrar melhor as demandas.
“É isso”. Está perfeito? Não. Mas você começa a enxergar que existem outras maneiras, que humanização também traz excelência, e esse é o estágio 6, o da decisão. É assim que vai ser de agora em diante. Isso extingue o risco? Claro que não. Mas te coloca em um caminho mais seguro, em que a time percebe que não vai ser julgado por um dia ou por um momento ruim. E sabe o que mais? Os resultados não pioraram. As entregas continuam acontecendo, no nosso padrão de qualidade, mas com menos pressão (eu espero), menos tensão (eu desejo) e mais leveza. Hoje, boa parte do meu tempo está alocada em conversar com as pessoas. Esse é meu trabalho.
“Chefe, estou de alta”, a pessoa me disse recentemente. Ela não precisou se afastar do trabalho, de acordo com a orientação médica, mas fez tratamento com remédios e acompanhamento psicológico, enquanto se relacionava com suas atividades dentro do que avaliava como possível. O processo todo durou uns oito, nove meses. E chegamos ao estágio final, o sétimo, o da integração, em que seguimos em frente, mas não sem passar pela situação. Nada foi para debaixo do tapete. Encaramos de frente, juntos, compartilhando com transparência o caso com todo time, e estamos bem. “Me sinto bem disposto e mais próximo de você, acho que a distância e o receio que havia entre nós praticamente acabou”, foi o que ouvi.
Para encerrar, três grandes aprendizados que tive com este caso:
1 – Atenção e cuidado com essa ode infinita à produtividade, chancelada pelo slogan do “fazer mais com menos”. Existem limites e não existem milagres. O heroísmo corporativo tende a nos desafiar o tempo todo e a gente cai na pilha, se não parar para pensar. Olhando em retrospectiva, posso dizer que havia sinais que eu não prestei atenção suficiente.
2 – Cada um é cada um. Cada pessoa tem seu ritmo, seu momento de vida e seus limites. Se você tem o rei da produtividade no seu time, não coloque esse sarrafo para todos. Conheça seu time, entenda o talento e as capacidades de cada um e os posicione da melhor maneira na quadra. Em um time de vôlei, tem o pontuador, o levantador, o líbero e até o reserva que entra de vez em quando e ajuda a ganhar o jogo. Ao respeitar as pessoas, você abre caminho para ela despejar todo o potencial técnico e comportamental a favor dos objetivos.
3 – Aceite suas vulnerabilidades. Corrija se for possível ou blinde-as, para minimizar novos problemas iguais. Tenho um amigo que tem uma frase ótima: “Ninguém quer ser feio”. Verdade pura. E ninguém quer errar, pelo menos partindo do princípio da boa índole. Mas erramos. O tempo todo. E a escola, tanto a que nos formou, como as de liderança do século passado, nos impôs uma limitação cultural sobre o erro. Se errar, está reprovado. O líder sabe de tudo. Mas o que as pessoas esperam de você como liderança é que seja exemplo nas relações, e isso inclui boas doses de humanização.
Compartilho essa história porque aprendi muito com ela, e essa foi uma das conclusões a que chegamos no momento da alta. Antes de escrever, perguntei à pessoa se poderia, se ela se sentiria desconfortável. “Lógico que não. É algo novo, né? Vale você compartilhar porque pode ajudar outros gestores a entender esses pontos”.
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