Web Summit Lisboa (dia 2): Tudo o que a tecnologia toca, se transforma
Victor Pereira, da área de Relações Institucionais e Internacionais da Aberje, em parceria com a associada Brivia, participa do Web Summit 2021 Lisboa, principal evento de tecnologia e inovação do mundo, e traz insights da conferência para os profissionais de comunicação.
Como no mito grego do Rei Midas, que é amaldiçoado com o toque capaz de transformar tudo em ouro, a tecnologia tem a “maldição” de transformação equivalente, só não sabemos ainda se em ouro, se para o bem ou para o mal. É isso, afinal, que pretende o Web Summit, cobrir as mais variadas áreas que estão sendo impactados pelo desenvolvimento tecnológico. Do marketing à música, da exploração espacial ao desenvolvimento econômico. Tudo tem espaço para debate e está em constante transformação.
No marketing, por exemplo, as discussões se concentraram no futuro da construção de marcas. Para Gonzalo Brujó, Presidente Global da Interbrand, essa construção só funciona se a relação empresa e consumidor for vista como a relação de piloto e co-piloto. Isso implicaria que as decisões estariam divididas, e é aí que se encontram as possibilidades de real transformação social. Segundo Brujó, “nós somos infiéis com as marcas”, e essa é o principal motivo pelo qual deve-se estar atento e escutando os clientes a todo momento.
Nesse ponto, Brujó tem razão. Caminhamos para um futuro em que as motivações para o consumo se tornam cada vez mais seletivas e os boicotes – alarmados pelas redes sociais ou silenciosos – vão prevalecer. Se a relação útil com um produto já deixou há muito de ser motivo de compra, a questão estética, do desejo, está sendo substituída pela questão ética. O estético se encontrará no ético. Será fashion, cada vez mais, ser ético – com o meio ambiente, com a cadeia de produção, com o descarte e ciclo de vida do produto.
Ouvir e evoluir
Quase como uma extensão dessa discussão, a mesa seguinte trouxe a co-fundadora do movimento Black Lives Matter, Ayo Tometa, dessa vez em uma entrevista guiada por Nicholas Thompson, CEO da The Atlantic. No início, a conversa focou em entender como o surgimento do BLM está ligado às plataformas de redes sociais, como o Twitter e Facebook. Ao ser perguntada se o movimento cresceria tanto sem elas, Tometa lembrou que o movimento negro não nasceu após o BLM. “As pessoas negras têm lutado há muito tempo, e o movimento não possui uma dependência das redes para existir”, afirmou Tometa.
Segundo ela, as redes sociais possuem um papel importante, principalmente em mover a conversa para frente em outros países e idiomas. Inclusive, essa questão esbarra no mesmo ponto levantado por Frances Haugen, a whistleblower do Facebook. A plataforma ainda peca nos esforços de combate à disseminação de desinformação e discurso de ódio em outras línguas além do inglês.
Por fim, Tometa deixou sua sugestão para que a indústria de tecnologia possa contribuir para o movimento. “Desenhem com intenção, e não com ‘color blind’.” Talvez a melhor tradução seja mesmo uma espécie de “daltonismo”, onde o desenvolvimento tecnológico, apesar de enxergar os grupos socialmente marginalizados, não os leva em consideração. A mesma lição se aplica a todas as indústrias. No Brasil, o debate sobre diversidade racial nas organizações se desenvolveu muito nos últimos anos e talvez o próximo passo natural seja o desenvolvimento de produtos, serviços e tecnologias que focam em ajudar na diminuição das desigualdades. E esse caminho, como bem sabemos, passa pela inclusão de pessoas mais diversas nos quadros e, principalmente, na liderança.
Do Tik Tok ao Metaverso
O que não pode faltar em qualquer evento hoje em dia é um bom influenciador. Na mesa “Como ganhar fãs e influenciar pessoas”, três grandes influenciadores se juntaram para falar como ganharam, como mantêm e como ainda pretendem angariar mais seguidores nas redes sociais. Apesar de não serem muito populares no Brasil, Caspar Lee (6 milhões de seguidores), Nas Daily (45 milhões) e Sarati Callahan (11 milhões de seguidores)*, são fenômenos nas redes e exemplos de empreendedorismo. Todos fundaram negócios, que tocam paralelamente a seus conteúdos produzidos quase que diariamente. Afinal, como eles mesmos disseram, um dos segredos para ganhar público é ter consistência e conteúdo novo, sempre.
Para Caspar Lee, se você está começando e quer crescer, o Tik Tok é o lugar certo. O três concordam que a rede possui muita demanda, mas ainda carece de fornecimento suficiente de conteúdo. É por esse motivo que todos os dias um vídeo diferente viraliza por lá. Ao questionarem a plateia sobre quem estava no Tik Tok, poucos levantaram a mão. O fato deixou os influenciadores boquiabertos. E você, está no Tik Tok?
Antes de abrir a sua loja de aplicativos, baixar o Tik Tok e ficar horas grudado na tela do celular, vale ouvir o que a Sarati Callahan tem a dizer. A influencer não perde um tempo indefinido nas redes sociais. “Abro de manhã para receber notificações, mas depois fecho para trabalhar”, conta. O tempo e atenção, mais do que nunca, é o que está em jogo para eles e para nós, meros mortais abaixo da linha de mil seguidores.
No pingue-pongue final, ao contrário de outros participantes das mesas pelo evento, os três confirmaram ter fé no Metaverso anunciado por Marck Zuckerberg. Tema este que recebeu grande espaço no palco principal do Web Summit. O próprio CPO (Chief Product Officer) do Meta (Facebook), Chris Cox, apareceu por vídeo conferência, direto da Califórnia, para ser entrevistado por Nicholas Carlson, editor-chefe global do Insider. Se Cox esperava por uma recepção tranquila e curiosa sobre o novo universo apresentado por sua empresa, se frustrou. Carlson dedicou metade de seus 20 minutos de entrevista no palco questionando-o sobre os problemas de segurança, governança e confiança do Meta. Sobre esses temas, Cox foi evasivo, e comentou que a empresa investiu mais de 5 bilhões de dólares somente neste ano para manter os usuários seguros. E rebateu as acusações feitas por Frances Haugen. “É triste que este seja um momento que os fatos não estejam corretos”, disse ele.
Sobre o metaverso em si, Carlson também não perdoou. Da aparência ainda cômica dos avatares à não convicção de que as pessoas vão querer o Facebook (ou Meta, como quiser chamar) no centro de suas vidas novamente, ele dedicou a outra metade de sua entrevista tentando arrancar do CPO algum argumento sobre porque deveríamos confiar ou apostar no metaverso. Cox, por sua vez, focou suas respostas nas possibilidades que estão se abrindo, de uma nova forma de relação com a tecnologia, além de telas e digitação, e insistiu: “É assim que começa. Toda tecnologia é um pouco esquisita no princípio”.
Para não dizer que “flopou”, podemos dizer que o metaverso foi recebido pelo público do evento com certo ceticismo. A entrevista de Cox foi seguida por uma conversa com a repórter do New York Times, Cecilia Kang, que escreveu o livro “An Ugly Truth: Inside Facebook’s Battle for Domination”, crítica à empresa. Cecilia chegou a ser aplaudida em algumas de suas falas. O que fica claro é que antes de dar o passo seguinte para o metaverso, o Facebook (agora Meta), ainda precisará resolver suas questões de segurança, confiança e governança. Como nossos dados serão tratados nesse ambiente? O que irá garantir que não estamos sendo vigiados ou influenciados? Será mesmo que podemos confiar no único CEO de big tech que ainda possui tanto poder concentrado em suas mãos?
*Os seguidores são a soma das redes sociais em que os influenciadores estão presentes.
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