11 de junho de 2021

Saiba por que junho é o Mês do Orgulho LGBTI+

Publicado originalmente no LinkedIn em 08 de junho de 2021
###

Publicado originalmente no LinkedIn em 08 de junho de 2021

Você provavelmente já sabe que junho é o Mês do Orgulho LGBTI+. Talvez saiba também que a escolha da data se deve a fatos que aconteceram há mais de 50 anos, mais precisamente em 28 de junho de 1969, nos Estados Unidos. O que você talvez não conheça são os detalhes desta historia, por isso resolvi escrever este artigo em celebração à campanha #ProudAtWork, do LinkedIn.

O surgimento simbólico do movimento LGBTI+ se deu no bar Stonewall Inn, frequentado principalmente por homossexuais e pessoas trans em Nova York. Ali, eram comuns as batidas policiais e cenas de preconceito, até que os frequentadores resolveram se insurgir. Os confrontos abertos chamaram a atenção para a situação a que aquele grupo era submetido e levaram à maior articulação das pessoas LGBTI+, que naquele momento reivindicavam, sobretudo, direito à visibilidade.

A respeito do surgimento do ativismo LGBTI+ nos Estados Unidos – ainda que não fosse chamado desta maneira nos anos 1960 -, o pesquisador Alessandro Silva (2006) destaca algumas informações interessantes. Primeiramente, é preciso considerar que os fatos se dão de forma processual e muitas vezes refletem movimentos acontecidos no passado.

Assim, Stonewall é o ponto alto de uma narrativa que começou a se desenhar algumas décadas antes. Em 1924, surge nos Estados Unidos a primeira organização gay. Tratava-se de uma experiência bastante embrionária, inspirada pelo que já havia acontecido na Alemanha alguns anos antes.

Algum tempo depois, em 1933, com o fim da Lei Seca e a volta da liberação da comercialização de álcool, diversas cidades norte-americanas testemunharam a abertura de bares. Alguns destes estabelecimentos eram voltados à socialização de homossexuais, ainda que este fato fosse obrigatoriamente “maquiado”.

Silva (2006) aponta que uma das inúmeras restrições que regulavam o processo para se obter uma licença para a comercialização de bebidas alcoólicas era justamente não autorizar estabelecimentos voltados ao público homossexual. Assim, os poucos espaços existentes funcionavam de maneira bastante discreta e à base de pagamento de suborno a policiais, prática que culminaria nos acontecimentos de Stonewall, anos mais tarde.

Mais adiante, os anos 1940 foram marcados pela influência da Segunda Guerra Mundial, que teve impacto em diversos setores, é uma das responsáveis pelo aumento de mulheres no mercado de trabalho e influenciou também o ativismo homossexual.

Neste sentido, ainda de acordo com Silva (2006), o fato mais significativo foi a formação de redes de suporte e relacionamento entre homossexuais. Estas redes surgiram entre as mulheres que ficaram nos Estados Unidos e também entre os homens que estavam no front. A proximidade e o contexto teriam permitido um compartilhamento de experiências que facilitaria, finalizada a guerra, a articulação em torno de reivindicações comuns e também a maior visibilidade de identidades historicamente marginalizadas. Segundo Silva (2006), “em outras palavras, podemos dizer que a guerra trouxe consigo importantes transformações nas dinâmicas psicossociais e psicopolíticas da sociedade em geral, assim como nas relativas ao coletivo lesbigay” (SILVA, 2006, p. 158).

Quase no fim da década de 1940, as pesquisas de Kinsey, que você talvez conheça do filme Vamos Falar de Sexo, também colaboraram para dar visibilidade à questão homossexual, sobretudo pela afirmação de que pelo menos 10% dos homens norte-americanos mantiveram ou mantinham algum tipo de relação homossexual.

Os anos subsequentes registraram o surgimento, em diversas cidades norte-americanas, de organizações voltadas aos direitos dos homossexuais. Persistia, entretanto, a perseguição da polícia, a cobrança de propina e a exigência de “favores sexuais” nas batidas em bares frequentados por gays e lésbicas.

Enfim, em 1969, os frequentadores do Stonewall Inn, localizado no bairro do Village, em Nova York, resolveram se insurgir. A este respeito, é simbólico registrar dois apontamentos.

Ainda que não se tenha absoluta clareza da totalidade de acontecimentos daquela noite de 28 de junho de 1969, é dito que o estopim da revolta foi a agressão que uma lésbica sofreu de um policial. Houve tensão e cerco à polícia, e uma pessoa trans teria gritado: “Já lhes deram o dinheiro, mas aqui tem um pouco mais!”, incentivando os manifestantes a lançarem moedas nos policiais. Uma cena épica, segundo registra a literatura.

Descrever estas frases, mesmo sem evidências incontestáveis de sua veracidade, uma vez que não havia câmeras ou microfones, é importante para aplacar o processo de apagamento de determinados grupos dentro do movimento LGBT.

Stonewall entrou para a história como um acontecimento quase que exclusivamente gay, o que é incorreto e desconsidera a participação das lésbicas e pessoas trans no processo de afirmação das sexualidades que contestam a existência de uma matriz heterossexual.

Stonewall teve repercussão significativa na sociedade norte-americana e, um ano depois, em 28 de Junho de 1970 acontecia a primeira Parada do Orgulho LGBTI+ de que se tem notícia, também pelas ruas de Nova York.

No Brasil, a ditadura militar (1964 – 1985) dificultava a organização de grupos sociais, os quais poderiam ser vistos pelo regime militar como opositores. Como agravante, as questões ligadas à sexualidade instigam julgamentos morais e podem ferir suscetibilidades religiosas, o que era particularmente comum num período em que se realizavam atos como as marchas pela família. Na época, eram ainda mais corriqueiras as agressões policiais a travestis (FRY, MACRAE, 1983) e as manifestações explícitas de preconceito.

O movimento homossexual brasileiro, como era chamado à época, articulado de forma mais organizada, surgiu na segunda metade da década de 1970. Mas isso é assunto para um outro artigo. Caso achem interessante, posso voltar aqui e escrever sobre o surgimento do movimento LGBTI+ no Brasil, já nos anos 1970.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Ricardo Sales

Ricardo Sales é consultor de diversidade, pesquisador e conselheiro consultivo. É formado pela USP, onde também realizou mestrado sobre diversidade mas organizações. Atua para algumas das maiores empresas do país. É conselheiro do Comitê de Diversidade do Itaú. Foi eleito pela Out&Equal um dos brasileiros mais influentes no assunto diversidade nas organizações e ganhou o Prêmio Aberje de Comunicação, em 2019. Foi bolsista do Departamento de Estado do Governo dos EUA e da Human Rights Campaign, sendo reconhecido como uma liderança mundial no tema diversidade. É também palestrante, professor da Fundação Dom Cabral e da Escola Aberje de Comunicação, colunista da revista Você SA e do Estadão, além de membro-fundador do grupo de estudos em diversidade e interculturalidade da ECA/USP.

  • COMPARTILHAR:

COMENTÁRIOS: