27 de setembro de 2017

“O interesse coletivo deve estar acima do particular”

Por Pro Coletivo*

A frase acima é do economista colombiano Enrique Peñalosa, prefeito de Bogotá, que conseguiu implantar várias melhorias na cidade na sua primeira gestão, entre 1998 e 2001, com um modelo que prioriza espaços públicos e restringe o uso do automóvel. Além do Transmilênio, moderno sistema de BRT, foram construídos centenas de quilômetros de calçadas, ciclovias, ruas fechadas para pedestres e parques. A redução da velocidade, que diminui o risco de acidentes fatais, também foi implementada por ele.

Já em 2013, quando participou em Porto Alegre do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, Peñalosa mostrou suas ideias inspiradoras. “Quando um ônibus passa ao lado de carros engarrafados, temos um símbolo de democracia. O interesse coletivo está acima do particular”, ele disse na palestra. Uma de suas frases em particular se tornou um mantra, sendo repetida nas redes sociais sem que muitos soubessem a sua autoria: “A cidade avançada não é aquela em que os pobres andam de carro, mas aquela em que os ricos usam transporte público.”

ciclovia avenida bernardino de campos
Divulgação

Como Peñalosa, vários especialistas em mobilidade, no mundo todo, sabem que um sistema de transporte eficiente e ambientalmente sustentável passa pela redução do uso dos carros.

Além do incentivo ao uso do transporte público e dos investimentos nos modais coletivos e em toda sua infraestrutura, podemos citar como medidas para desestimular o uso do automóvel as políticas de uso e ocupação do solo.

Quando um território tem uso misto – concentração de residências, ofertas de trabalho, educação, saúde e lazer –, ele proporciona aos moradores todos os serviços essenciais próximos de sua casa, evitando grandes deslocamentos diários, muitas vezes motorizados.

As áreas compactas, com altas densidades e uso misto do solo, minimizam a necessidade do espraiamento urbano, reduzindo a formação de bairros-dormitórios e o número de passageiros que realizam viagens de longa distância. Os “deslocamentos pendulares”, tão comuns no modelo urbanístico brasileiro, podem ser evitados com este uso mais produtivo, versátil e diversificado do solo.

A consequência desse modelo mais eficiente é a redução do tempo gasto em congestionamentos e o investimento no planejamento urbano de cada região, que pode oferecer oportunidades de emprego, educação, saúde, serviços básicos, infraestrutura e lazer aos seus moradores, que antes precisavam se deslocar para o centro para ter acesso aos serviços.

A tecnologia também facilita esse processo, pois proporciona comunicação e conexão entre as pessoas, substituindo as viagens individuais, inclusive as de longa distância. Os aplicativos estão desenvolvendo cada vez mais o sistema de “car sharing”, conectando usuários que buscam táxis, compartilhamento de carros e oferecimentos de caronas, medidas que desestimulam a posse de veículos.

Cabe à gestão pública da cidade promover meios de informação e conscientização das pessoas para substituírem o transporte individual de modo voluntário. A mudança de comportamento dos cidadãos é um passo significativo para a mudança da cidade.

Quando o usuário do carro se conscientiza das vantagens (pessoais, sociais, ambientais e econômicas) de deixar o carro na garagem e acessar o transporte coletivo ou os modais ativos (pedestrianismo ou bicicleta), ele pode se tornar um influenciador para os seus pares desse benefício que experimentou, o que gera uma corrente positiva e transformadora.

Também é importante frisar que a restrição da circulação – seja permanente ou temporária – dos carros tem sido bastante usada no exterior porque funciona. Além da restrição do carro em locais ou horários predeterminados, são bastante comuns os pedágios urbanos em várias cidades europeias. Londres, por exemplo, iniciou seu esquema de cobrança de taxa na região central em 2003, e teve um crescimento de 59,7% nas viagens de ônibus, 42% de metrô e trens e 66% no uso de bicicletas. Só as colisões caíram em 40% entre 2000 e 2010. Logicamente, as emissões de poluentes melhoraram muito e, consequentemente, o bem-estar e a saúde da população.

A extinção de vagas em vias públicas é outro recurso bastante usado para estimular as pessoas a deixar o carro na garagem. Na Cidade do México, parte do dinheiro gasto para estacionar em alguns bairros é reinvestido em políticas públicas de mobilidade urbana e planejamento.

No Brasil, essas medidas mais restritivas são vistas ainda como “radicais”, pela própria e histórica cultura de estímulo ao uso do automóvel. Mas é preciso considerá-las, sob o risco de não conseguirmos mais nos mover em meio à massa de carros que se enfileiram parados nas nossas cidades.

Em uma passagem por Salvador, Enrique Peñalosa foi entrevistado pelo jornal Correio, que perguntou como ele defende a ideia de restringir espaço para estacionamento. “Não conheço bem a Constituição brasileira, mas, geralmente, as constituições garantem o direito à locomoção e ao transporte público, mas nunca ouvi falar em direito ao estacionamento. É importante entender que o espaço público, inclusive as vias, pertencem a todos igualmente. Aos que têm carro e aos que não têm. Aos pobres, aos ricos, às crianças. Por que os governos dão mais espaço aos carros do que aos pedestres?”, respondeu o economista, evidenciando como precisamos revisar nossas prioridades no Brasil.

 

*O Pro Coletivo (www.procoletivo.com.br) acredita que é preciso estimular, conscientizar e orientar a escolha das pessoas pelo uso de diferentes modais nos deslocamentos na cidade de São Paulo, proporcionando o bem-estar coletivo.

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