Tempestade num copo d’água? Reflexões sobre gestão de crises
Revendo a literatura sobre gestão de crises aqui nos EUA, me deparei com uma teoria que chamou a minha atenção e que me fez, uma vez mais, traçar um paralelo com tudo o que vivenciei sobre esse assunto, direta ou indiretamente, durante os 15 anos que passei na área de comunicação corporativa no Brasil. Trata-se do conceito de “paracrise” (Coombs e Holladay, 2012).
As crises, como todos nós comunicadores sabemos, têm a capacidade de mudar drasticamente a maneira como as organizações se relacionam com os stakeholders. O entendimento mais profundo sobre os estudos já realizados nessa área é extremamente importante, pois vivemos, já há algum tempo, um período em que a reputação passou a ser o mais importante elemento na construção – ou destruição – do valor de uma organização.
Para melhor entendermos o conceito de “paracrise” devemos considerar uma premissa das mais simplórias: a que indica que a melhor forma de se gerenciar uma crise é evitar que ela aconteça. Geralmente, as organizações não deixam que as “quase crises” se tornem públicas. Esses riscos mal gerenciados ou menosprezados são tratados internamente como forma de aprendizado organizacional. A questão atual é que com o protagonismo das redes sociais como ferramenta de relacionamento entre as organizações e seus stakeholders, as empresas perderam o controle sobre essas “quase crises” e se tornaram vulneráveis a questionamentos e cobranças, mesmo quando a crise, de fato, não ocorreu.
Para definir “paracrise” de maneira simples, consideremos um grupo de stakeholders que, por alguma razão, questiona um comportamento ou ação de uma organização com a qual não concorda ou pela qual se sente ameaçado. Eles utilizam as redes sociais para pressionar a organização a mudar seu comportamento ou questionar suas iniciativas. A consequência é uma crise em potencial que, dependendo da avaliação e consequente gerenciamento, pode escalar e se tornar uma crise real. Consideramos “paracrise”, então, esse questionamento sobre um comportamento antiético ou irresponsável de uma organização que é maximizado e se torna público através das redes sociais.
Os responsáveis pelo gerenciamento das crises precisam fazer uma avaliação sobre a necessidade ou não de tomar alguma ação para gerenciar a “paracrise”. Para isso, precisam definir o nível de importância dos stakeholders que questionam a organização, bem como o impacto desses questionamentos sobre a reputação da empresa. Coombs e Holladay (2012) definiram que os conceitos de Poder, Legitimidade e Urgência devem ser considerados nessa análise.
Poder seria a capacidade desses stakeholders de influenciar o comportamento da organização, ou seja, até que ponto os questionamentos podem causar impacto à imagem e a reputação da empresa, caso esta não responda às críticas.
Urgência, nesse caso, seria a intenção dos stakeholders em ir além das críticas, tomando ações reais contrárias à organização.
Por fim, Legitimidade indica o nível de aderência dos questionamentos a outros grupos que, inicialmente, não estão envolvidos na discussão.
Coombs e Holladay (2012) indicam, então, 3 possíveis estratégias para o gerenciamento das Paracrises: Refutar, Reformar ou Recusar.
“Refutar” ocorre quando os responsáveis pela gestão respondem àqueles que acusam ou questionam a organização, deixando claro que não concordam e consideram os questionamentos irresponsáveis. Claramente, essa nem sempre é a melhor estratégia, pois o conflito deve ser sempre evitado, mas há casos em que é necessário responder, baseando as mensagens nos valores organizacionais já comunicados anteriormente e tentando apoio de outros grupos que reconhecem estes valores. Um exemplo dessa estratégia é o caso de uma empresa automotiva que foi questionada sobre a sua política de respeito aos direitos dos homossexuais. O volume de apoio à organização por sua posição a favor da causa foi maior do que aquele aos que a criticavam. Nesse caso, a melhor estratégia foi mesmo refutar a petição e reforçar os valores da empresa, embora alguns impactos nas vendas tenham sido registrados em função das críticas e do boicote sugerido pela associação que liderou o movimento.
“Reformar” é o caso quando alguns dos questionamentos são procedentes e fazem com que a organização altere suas práticas, atendendo às solicitações dos stakeholders. Um exemplo é o caso de uma indústria global de alimentos que foi questionada por uma ONG internacional, inicialmente através de um vídeo no YouTube, a respeito da sua cadeia de fornecedores. O assunto evoluiu e virou uma discussão intensa pelo Facebook, na página da empresa, que respondeu de forma equivocada e foi acusada, então, de censurar os comentários negativos. Finalmente, a “paracrise” resultou numa mudança no processo de contratação de fornecedores da organização, com a exclusão daqueles que não atendiam aos requisitos reivindicados pela ONG.
Por fim, “Recusar”. Este é o caso em que os questionamentos são ignorados ou demandam somente um esclarecimento simples. Esta estratégia é adequada quando a organização entende que não há risco de imagem e que a paracrise perderá espaço com o tempo. Em alguns casos, ela pode evoluir para a estratégia anterior – “Reformar”. Isso ocorre quando a organização não obtém sucesso ao ignorar os questionamentos e estes ganham força, demandando uma resposta ou ação mais contundente. Foi o caso de uma empresa de roupas, questionada por uma pessoa que se deparou com alguns itens da marca destruídos dentro de uma lata de lixo. Isso ocorreu durante o inverno e a pessoa questionou a prática da empresa de destruir as roupas que não seriam vendidas ao invés de doá-las para aqueles que precisavam. Inicialmente, a empresa optou por não responder, pois entendeu que era uma questão pontual e sem muito impacto. Mas o assunto evoluiu e tomou conta de todas as redes sociais, culminando com uma reportagem num jornal de grande circulação, detalhando o alcance que a questão obtivera. A organização optou, então, por responder ao jornal, indicando que esta não era uma política da empresa e que ocorrera um erro pontual de uma de suas lojas.
Como toda teoria, essa não se aplica a todos os casos, nem é uma “receita de bolo” ou verdade universal. Trata-se de um estudo aprofundado e baseado em casos reais que deve ser usado e aplicado considerando as características de cada caso, organização e gestão. Claro que, na prática, há inúmeras outras variáveis envolvidas, o que faz com que as decisões e o gerenciamento sejam muito mais complexos. Mas a teoria me fez refletir sobre as inúmeras vezes em que nos deparamos com situações nem tão críticas e que, por um impulso quase automático, maximizamos e colocamos esforços imensos na gestão. Quantas vezes tratamos situações potencialmente graves, mas de rotina, como crises, sem a devida avaliação? Será que estamos avaliando os riscos e os potenciais impactos da maneira adequada antes de colocar toda a competência e recursos das organizações no processo de gerenciamento? É um tema complexo e atual e que não se esgota nestas linhas mas este estudo me fez refletir e, por isso, decidi compartilhar.
Referência
Coombs, W. T., & Holladay, J. S. (2012). The paracrisis: The challenges created by publicly managing crisis prevention. Public Relations Review, 38(3), 408-415.
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