Gestão de riscos reputacionais: práticas e desafios
Isabela Pimentel e Dario Menezes
Nos últimos anos, as empresas têm desenvolvido esforços em prol de um maior entendimento e engajamento dos seus stakeholders e de uma gestão da reputação eficaz, por entenderem que a reputação corporativa é um dos ativos mais importantes de qualquer empresa.
Por outro lado, temos assistido, neste mesmo período, a diversas crises corporativas como, por exemplo, as vivenciadas por grandes empresas como Vale, Odebrecht, Extra, Petz e Boeing, dentre outras. Essas crises surgem a partir de inúmeras variáveis de risco e causam danos à reputação, reduzindo o valor de mercado dessas empresas. Entretanto, todas as crises apontam para uma falha fundamental nas organizações: sua vulnerabilidade aos danos de reputação e a falta de processos capazes de antecipar os diferentes acontecimentos, sejam internos ou externos, que os provocam. A gestão da reputação e o monitoramento dos riscos aos quais uma empresa está exposta constituem hoje um dos principais desafios corporativos.
Não estamos falando de crises geradas a partir de fake news, ou do humor ou ativismo dos stakeholders, mas sim, de como uma empresa pode identificar, priorizar e gerir os riscos relacionados à sua reputação, de forma estruturada e preventiva. Esses riscos são causados por uma maior exposição negativa sobre as empresas nas mídias tradicionais e sociais, em contraposição às crescentes expectativas dos seus públicos estratégicos.
É bom lembrar que, sob a perspectiva econômica, riscos empresariais não são caracterizados como problemas e não precisam ser necessariamente abolidos. Em alguns casos, são necessários para o desenvolvimento empresarial, para promover a inovação empresarial, para a obtenção de retornos superiores à média dos seus concorrentes ou para a superação de obstáculos de mercado. Nessa perspectiva, a incerteza é inerente à gestão das organizações. No entanto, entender em que medida uma organização pode lidar com esses riscos, ainda que de uma forma calculada, é um desafio para os gestores. Portanto, a adequada gestão de riscos é estratégica no atual contexto competitivo.
Dado aos efeitos da globalização, da Internet, das fake e deep fake news, da livre circulação de ideias e do tráfego instantâneo de capital, as pessoas, empresas e países estão cada vez mais interdependentes. O que ocorre em um lugar influencia outra pessoa ou organização em qualquer parte do mundo. Reputação é baseada na compreensão da percepção que o stakeholder tem sobre as ações passadas e possíveis iniciativas futuras
Quando a organização é percebida positivamente por esses públicos, estes, naturalmente, tendem a ter uma atitude favorável à empresa, apoiando suas iniciativas e engajando-se em relações comerciais e institucionais. Assim, a empresa terá o melhor relacionamento com eles, seja este um empregado, um acionista, um cliente, um fornecedor, um representante do governo, um jornalista, um membro da comunidade acadêmica, ou um representante de uma organização da sociedade civil. Portanto, não estamos falando de imagem ou marca, mas sim, de um ativo valioso que se constrói com ações e relacionamentos consistentes, transparentes e coerentes ao longo dos anos.
A eficaz gestão da reputação reduz conflitos, ajuda a empresa a lidar com a diversidade, gera valor e benefícios mútuos. Essa gestão é realizada pelo alinhamento entre a visão estratégica da empresa, sua cultura organizacional e as percepções dos stakeholders. Já os riscos que podem causar danos à reputação têm impacto direto na organização como um todo, afetando sua credibilidade, seu desempenho financeiro, reduzindo o apoio dos seus stakeholders e da sua capacidade de reunir diferentes públicos em prol de uma causa comum. Geralmente originam-se do gap existente entre a reputação conquistada pela empresa e a realidade da empresa, nas mudanças nos valores e expectativas dos seus públicos de interesse ou na falta de ação e alinhamento interno. Esses riscos baseiam-se em eventos ou fatos contextuais que podem levar a empresa a perder a pré-disposição de seus públicos de apoiá-la e, em consequência, a reduzir valor e a aumentar os seus custos internos devido ao tempo, energia e trabalho que terão que ser investidos para recuperar essa pré-disposição
Um recente estudo produzido por uma empresa do setor de seguros, verificou que, entre 13 categorias de risco, crises de reputação e imagem representam a maior ameaça enfrentada pelas empresas. Esses fatores preocupam mais do que os riscos de mudanças regulatórias, perda de talentos e segurança nas áreas de tecnologia da informação, mercado e obtenção de financiamento. O não cumprimento da regulação (exemplo clássico de gap entre a percepção e a realidade) e a divulgação de práticas classificadas como não éticas aparecem como vetores principais na constituição desses riscos.
Apesar das empresas empregarem esforços em uma melhor gestão da sua reputação, e da maioria dos gestores terem orgulho em apresentar o seu plano de gestão de crises e o de gestão de riscos financeiros e operacionais, elas, em sua maioria, não possuem um processo estruturado para antecipar e mitigar ameaças à sua reputação e aprimorar a sua governança corporativa. Apesar das diretrizes estabelecidas na ISO 31.000 e dos princípios da legislação Sarbanes-Oxley, isso ainda ocorre pela dificuldade de adotar padrões e estratégias comuns para gerenciar os riscos de reputação, pela dificuldade em mensurá-los e quantificá-los e pelo desconhecimento de ferramentas para identificar de forma preventiva esses riscos.
Quando diz respeito a um risco de reputação, o envolvimento da empresa ou do seu setor de atuação em crises passadas tende a potencializar os danos à sua reputação. Nesse sentido, o recente episódio da Vale em Brumadinho deve contribuir ainda mais para a reputação negativa que a empresa vinha ganhando perante seus públicos e acende uma luz amarela para todo o setor, assim como aconteceu anteriormente com o setor de construtoras, manchadas por conta da Lava-Jato. Diferentemente de crises oriundas de desastres naturais que, dado o seu caráter de imprevisibilidade, levam a empresa em muitos casos a receber um comportamento de apoio favorável dos seus públicos estratégicos na resolução dos problemas, no caso do descumprimento da legislação ou falha humana há danos imediatos à reputação da empresa.
Na criação de um processo e metodologia para a adequada gestão dos riscos de reputação é necessário:
(a) a coleta da informação necessária;
(b) a correta identificação e quantificação do risco reputacional (experiência, percepção e pré-disposição para apoiar);
(c) a sua priorização;
(d) o desenvolvimento de estratégias para mitigar os riscos;
(e) a comunicação e o engajamento dos stakeholders na busca por soluções e práticas sustentáveis e
(f) a criação de um grupo de trabalho interdepartamental que responda diretamente ao CEO da empresa para dar agilidade na tomada de decisões e na construção de planos de ação.
Na determinação dos maiores riscos à reputação, são considerados como riscos prioritários aqueles com alta relevância em atributos da empresa com grande peso em sua reputação (risco de percepção) e em atributos que são geralmente cobertos negativamente pela mídia (risco de mídia). Na priorização dos riscos, será levado em consideração o impacto de cada risco e a avaliação de cenários empresariais em que o risco tenha a probabilidade de ocorrer.
Como sugestão para o estabelecimento de processos de gestão dos riscos reputacionais, as empresas devem compreender quem são seus stakeholders e as questões estratégicas nas quais eles estão interessados; estabelecer um planejamento pró-ativo sobre as questões que podem impactar sua reputação; alinhar a governança e a organização em torno do risco; monitorar, de forma constante, sinais que possam indicar o surgimento desses problemas e o estabelecimento de processos internos, papéis e responsabilidades para a gestão da reputação e para o crescimento sustentável das organizações.
Isabela Pimentel é especialista em mídias digitais e professora da FGV e ESPM.
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