Entre Temer e Schultz, o discurso (e o mundo) perfeito
Quem trabalha com Comunicação sabe que a gente não deixa de aprender nunca. E não é só pelas novas plataformas que pipocam; é, principalmente, pela simples observação do noticiário. Tome, por exemplo, o vice-presidente Michel Temer e o vazamento do discurso que pretendia fazer caso assumisse a presidência.
Ele descumpriu uma regra básica de Media Training: o que você não quer ver publicado não deve ser comentado, escrito ou falado. A recomendação vale para toda e qualquer ocasião. Você não sabe, por exemplo, quem está na mesa ao lado durante aquele almoço ou jantar; quem conhece quem no elevador, no táxi ou no avião. Vale, principalmente, para as redes sociais, incluindo o Whatsapp.
Dos Estados Unidos, que vive um ambiente político também conturbado, vem outro exemplo – dessa vez, positivo e de um líder empresarial. Há algum tempo acompanho os passos de Howard Schultz, CEO do Starbucks. Durante o Encontro Anual de Shareholders, ele não entregou somente o que os investidores querem ouvir, os números. O líder da rede de cafeterias quebrou o protocolo ao voltar ao palco para propor uma reflexão aos investidores. Fez um discurso que, oxalá, um líder brasileiro tivesse feito, pois traçou um cenário bem parecido com o nosso: promessas não cumpridas, polarização, falta de liderança e de confiança nos eleitos e nas instituições. Deixou, pelo menos, três importantes lições:
1. Um líder pode adotar um tom pessoal e até emocional em seus pronunciamentos. Quando traçou o momento vivido pelos cidadãos americanos e relembrou a sua infância, Schultz se apropriou de valores universais. Como um bom storyteller, falou de civilidade, moralidade, esperança e tristeza. O apelo emocional no tom certo não é piegas; gera identificação e significado. A mensagem é captada e entendida com mais facilidade.
2. Ao evocar àqueles valores universais, Schultz também toma para si qualidades esperadas de um líder, como ousadia e coragem. Ele alcança isso não só com o discurso em si, mas também com a sua performance. Adotou uma expressão e um tom de seriedade e serenidade desde o primeiro momento, quando contou que sofreu por semanas para encontrar as palavras certas. Veja só: ele se preparou para esse momento. Vasculhou seu repertório, escolheu suas armas e treinou.
3. Finalmente, Schultz deixa claro que a iniciativa privada pode e deve tomar partido. Isso não significa escolher um lado na disputa, que é o que acontece atualmente no Brasil, mas reforçar o seu comprometimento com o progresso não só da empresa. Nas palavras dele, “Não é sobre a escolha que fazemos a cada quatro anos. É sobre as escolhas que fazemos todos os dias”. Essa visão tem ainda mais peso no Brasil, onde o setor privado tem papel central na erradicação da pobreza, segundo o PNUD.
Em continuidade ao discurso, a Starbucks também publicou um anúncio de página dupla no The New York e no The Wall Street Journal, com o objetivo de reforçar a “mensagem de otimismo para o futuro por meio das escolhas individuais que fazemos todos os dias”. É claro que palavras não são suficientes para mudar comportamentos, processos, políticas e, principalmente, um país. Palavras inspiram, ainda mais vindas de um líder. Palavras podem ser o estopim da mudança.
Imagine como seria o mundo se Schultz tivesse a companhia de outros líderes. Imagine se todos os CEOs lançassem aos seus investidores a pergunta: “Qual é o papel e a responsabilidade de uma empresa com fins lucrativos?”. Imagine se eles instigassem os departamentos de marketing, comunicação e RH a inverter o jogo, como o anúncio da Starbucks propõe. Em que mundo nós viveríamos?
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