As marcas precisam de gestores mais gourmetizados
Por Patricia Riccelli Galante de Sá
“O pessoal fala muito de inovação, o olho brilha, mas na hora ‘H’ compra mesmo é o arroz com feijão”, me disse um amigo que foi um dos pioneiros em consumer insights digitais e netnografia no Brasil, e tem um portfolio de clientes de dar inveja. Conversávamos sobre minha surpresa com a falta de engajamento (ainda) dos executivos em adotar uma gestão mais baseada em dados, depois de visitar mais de 35 empresas gigantes de setores que iam de bancos de varejo a montadoras, de startups unicórnio a estatais com sérios problemas reputacionais – pois trabalho com a consultoria dinamarquesa de analytics de marca & reputação, o GroupCaliber, dona do RTT*.
Os alarmes já estão soando, mas os profissionais ainda não acordaram. Nos anos 90 o professor de Berkeley, David Aacker, ficou famoso ao apresentar o conceito de brand equity, quando demonstrou que os ativos intangíveis eram o patrimônio mais valioso das organizações, especialmente a MARCA, disparando uma revolução organizacional global. A reputação da marca precisava ser protegida a todo custo, e surgiram as inúmeras consultorias divulgando rankings anuais (“mais admiradas”, “mais valiosas”), as Love Brands, o Marketing 3.0 de Kotler, as marcas com propósito, a marca empregadora (employer branding) puxada por porta-vozes do C-level e, mais recentemente, o consumo como uma experiência mais ampla com a marca.
Exemplos? O CEO da WeWork, Adam Neumann, transformou-se num risco para o IPO, devido ao comportamento dentro e fora da empresa, como rodadas de tequila nos escritórios, marijuana no jatinho corporativo e declarações desastradas/desastrosas nas mídias sociais – derrubando o valuation da marca. Ou a Forever 21, que quebrou porque agora não basta fazer marketing e ter um produto barato, pois as clientes se posicionam contra a fast-fashion e querem produtos mais sustentáveis e justos.
No MaxiMídia 2019, duas palestras particularmente botaram o dedo na ferida: o CEO do Santander disse que não acreditava na contribuição efetiva das agências de propaganda para a marca (ou seja, elas precisam se reinventar urgentemente, estão obsoletas e só sabem trabalhar comunicação) e o VP e analista da Forrester Research, Dipanjan Chatterjee, afirmou que o CMO é um cargo em extinção – se quiser saber por quê, leia um artigo anterior que postei sobre a “Síndrome de FOFO”, que também revela a vida útil média desse executivo nas organizações e a alta rotatividade das contas nas agências.
Meu artigo e as falas de Chatterjee têm um ponto comum: a visão de CEOs e CFOs do quanto os executivos de marketing e comunicação estão descolados da estratégia do negócio e mais focados no marketing pessoal.
Debates e sessões do MaxiMídia apontam para um futuro no qual criatividade, reputação e curadoria serão peças-chave de diferenciação e confiança.
Segundo Chatterjee, a nova revolução global é a dos dados, cujo volume atualmente disponível para ser analisado demanda um novo perfil de gestor de marca. Não é mera coincidência que a mesma Universidade de Berkeley tenha acabado de lançar um curso de 6 meses para os gestores promoverem uma cultura de decisões baseadas em dados, o “Data Science & Analytics Program”. A Coca-Cola trocou o CMO pelo Growth Manager Officer; a rede hoteleira Hyatt e a Beam Suntory extinguiram o cargo e esta última criou o Presidente de Marcas; a J&J redistribuiu a função por executivos das suas UNs.
O IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, reconhece a importância estratégica de monitorar de perto as percepções sobre a organização, prevenindo ou mitigando crises, medindo o ROI das ações institucionais, melhorando a performance em atributos como Confiança, Responsabilidade Corporativa ou Advocacy. Um recente estudo do GroupCaliber sobre o nível de confiança nas organizações do mercado financeiro global (ainda inédito no Brasil) mostra claramente como podemos estar enganados a respeito dos atributos que são realmente relevantes para os clientes e quais são os verdadeiros drivers para fortalecer a confiança dos stakeholders. As fintechs ficariam surpresas
Não existe mais desculpa para voar às cegas e, como podemos notar, acabou a condescendência do C-level com executivos que estão mais ligados em iniciativas glamorosas, prêmios em festivais e marketing pessoal, do que com a otimização científica dos recursos da empresa e compromisso com a estratégia do negócio. Desde o bom uso de big data até o reputech, deve-se perder o medo (ou a preguiça) de dominar analytics, e urgentemente gourmetizar a dieta gerencial que insiste no feijão-com-arroz.
Patricia Galante De Sá é consultora-associada da Caliber, especialista nas áreas de Branding/Reputação Corporativa e Economia 4.0. Leciona em escolas de negócios como FGV, Ibmec, UFRJ e BSP e tem quatro livros publicados pela FGV Editora.
(*)O RTT – Real-Time Tracker é uma plataforma proprietária do GroupCaliber que monitora em tempo real 17 KPIs de marca e reputação já consagrados no mercado, com fácil interface e inúmeras segmentações e cruzamentos de dados, para acompanhar o contexto de forma ágil e traçar estratégias a partir de dados.
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