
A reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos trouxe políticas públicas que estão na contramão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Enquanto diversos países, organizações e empresas atuam em conjunto para avançar nas metas estipuladas em cada ODS, o principal credor de diversas agências da Organização das Nações Unidas (ONU), os EUA, está se omitindo da participação em fundos financeiros, dificultando a cooperação internacional.
O presente artigo foca no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 4, “Educação de qualidade”, que visa garantir “o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” (NAÇÕES UNIDAS BRASIL).
Especificamente, aborda a meta 4.b e expõe como a gestão atual de vistos estudantis de estrangeiros, nos Estados Unidos, atrasa (e, até mesmo, impede) o alcance das metas globais descritas no documento “Transformando o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”.
A cooperação internacional como ferramenta para atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
A priori, para compreender a correlação entre decisões políticas de um país, individualmente, e as repercussões mundiais consequentes destas, faz-se necessária a definição de cooperação internacional.
De acordo com a Secretaria de Relações Internacionais do Governo do Distrito Federal, a cooperação internacional é “o ato em que dois ou mais países ou instituições se ajudam para atingir um objetivo em comum, por meio de instrumentos cooperativos, com envolvimento ou não de recursos financeiros” (SERINTER, 2022). E pode ter diferentes propósitos, como o acadêmico, científico, financeiro, tecnológico, entre outros.
Aplicando este entendimento ao caso do artigo, as recentes tomadas de decisão do chefe de governo dos Estados Unidos, visando cumprir com a agenda nacional prometida por Donald Trump e pelo Partido Republicano, tem repercutido de maneira negativa em determinados acordos e discussões do sistema internacional, devido à restrição e/ou omissão na coparticipação para o enfrentamento de desafios globais, como a crise climática, desigualdade social e a fome. Duas decisões recentes servem de exemplo: a retirada do Acordo de Paris e da Organização Mundial da Saúde, ambas em janeiro de 2024.
Não somente, o fortalecimento de políticas contrárias à imigração e favoráveis à deportação, e o fomento a discursos de ódio proferidos a imigrantes e refugiados (principalmente aqueles originários de países em desenvolvimento [DW, 2025]) contraria objetivos comuns acordados por 193 Estados-membros das Nações Unidas, durante a Cúpula ocorrida em Nova York em setembro de 2015.
A sessão mencionada resultou no documento “Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” e, concomitante, no plano de ação global, conhecido como Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS, (composto por 17 objetivos interconectados e 169 metas de iniciativas mundiais).
Portanto, os acontecimentos recentes demonstram que, além de desacelerar o alcance das metas propostas nos ODS, devido à falta de cooperação por parte dos EUA, a política interna estadunidense reforça estigmas que a comunidade internacional está tentando desmantelar, a fim de atingir propósitos que dependem da colaboração da sociedade.
O contexto político estadunidense
A acusação da proliferação de discursos de ódio direcionada a imigrantes e refugiados tem um embasamento na conjuntura política atual dos Estados Unidos. Torna-se indispensável visitar a plataforma do Partido Republicano, especificamente o documento de 2024, para entender, mas não justificar, tanto essa situação quanto os motivadores de votos eleitorais.
Nomeada de “Make America Great Again” e dedicada aos “homens e mulheres esquecidos da América”, o Projeto Presidencial dos republicanos alega que é necessário “retornar ao senso comum” de que os Estados Unidos é a melhor/maior nação da história mundial. E a priorização do país e de seus cidadãos – tanto na política doméstica quanto na internacional – serve de norte para o atual mandato (REPUBLICAN PARTY, 2024).
A agenda da Plataforma para Make America Great Again compila 20 temas que contradizem os parágrafos da Agenda 2030 devido à divergência de propostas, como a proteção das fronteiras contra a invasão e imigrantes, corte de investimentos em pautas internacionais e em escolas que favoreçam a aprendizagem sobre temas raciais, de gênero ou sexuais (REPUBLICAN PARTY, 2024).
Apesar de discordar da discussão internacional, os artigos do Projeto Presidencial fizeram – e, geralmente, continuam fazendo – sentido para os mais de 77 milhões de estadunidenses que votaram no representante Donald Trump (correspondente a 49,8% do voto popular) (CNN Brasil, 2024), servindo de respaldo à política dos EUA em âmbito doméstico e internacional.
A política externa dos Estados Unidos parece estar passando por um novo momento de protecionismo e de isolacionismo, comedido pela conjuntura atual do sistema internacional. Portanto, é inegável que um ator tão importante nas relações internacionais, os EUA, está se desvencilhando de agendas que demandam esforços cooperativos em prol de objetivos comuns a outros países. Porém, não aleatoriamente nem devido a princípios individuais, mas agindo de acordo com uma parcela significativa do seu eleitorado, que crê nessas medidas como necessárias para a manutenção do poderio estadunidense e do bem-estar social nacional.
Os campus universitários e a restrição de alunos estrangeiros
Como dito anteriormente, essa análise conjuntural permite o entendimento do que está se passando, mas não justifica a falta de colaboração.
Em uma dinâmica na qual a cooperação internacional funciona como um efeito borboleta, a inatividade de um dos maiores credores das cadeias globais de valor afeta significativamente planos de ação conjuntas, que, mesmo que não digam respeito diretamente à realidade nacional dos Estados Unidos, atrasam (senão pioram) o movimento de alcançar as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A política doméstica dos EUA está cada vez mais restritiva à participação de estrangeiros no cotidiano estadunidense, e acontecimentos recentes no âmbito estudantil comprovam que essa repulsa imigração (independentemente da legalidade) é crescente.
A plataforma Make America Great Again prevê a deportação de apoiadores do grupo terrorista Hamas para restaurar os campus universitários, tornando-os lugares seguros e patrióticos (REPUBLICAN PARTY, 2024). A princípio, existe um sentido de defesa nacional contra ameaças terroristas somada à promoção do combate ao antissemitismo. Contudo, as propostas de Donald Trump, com destaque para as dirigidas à Universidade Harvard em maio deste ano, não incluem esforços para detectar perigos reais.
O governo dos Estados Unidos afirmou que proibiria universidades de prestígio de ter qualquer estudante estrangeiros, e retaliaria aquelas que matriculassem cidadãos de fora do território dos EUA (FRANCE PRESSE, 2025).
Dados atuais indicam que a Universidade Harvard possui pouco mais de 27% de alunos não estadunidenses, o que corresponde a 6.973 alunos de mais de 140 países (SANTOS, 2025).
Em uma matéria da CNN Brasil, Fernanda Magnotta, PhD especializada em Estados Unidos. Professora da FAAP, pesquisadora do CEBRI e do Wilson Center. Referência brasileira na área de Relações Internacionais, afirma que Harvard:
Mais do que uma universidade, representa a elite liberal, cosmopolita e progressista, frequentemente atacada por movimentos populistas que pretendem antagonizar “o povo real” e “as elites distantes”. Ao mirar a presença de estudantes internacionais, Trump ativa códigos culturais poderosos, mobilizando ressentimentos sociais e transformando jovens estrangeiros – frequentemente altamente qualificados – em alvos de desconfiança e hostilidade (MAGNOTTA, 2025).
Essa designação de estudantes estrangeiros como uma ameaça, sem critérios de distinção, faz surgir barreiras à cooperação internacional. Principalmente no que diz respeito às metas de intercâmbio acadêmico, com finalidade de democratização do conhecimento científico a nível global.
A correlação com a ODS nº 4
A Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) representam a evolução dos debates e esforços internacionais para enfrentar problemas que ultrapassam as fronteiras nacionais, como a crise climática, a desigualdade social e a fome.
Os 17 ODS formam uma rede interconectada que lida com os desafios globais enfrentados por todas as nações e suas populações. Nesse contexto, qualquer progresso ou retrocesso no alcance das metas desses objetivos gera impactos que reverberam globalmente.
No que se refere ao Objetivo nº 4, a “Educação de Qualidade” é sua centralidade, e suas metas foram estipuladas a fim de definir o que constitui essa qualidade, abrangendo todos os níveis de ensino, desde o pré-escolar até o ensino superior. Quase todas as metas subjacentes falam sobre a necessidade de eliminar disparidades de gênero na educação, o que interconecta este objetivo diretamente com o ODS nº 5, “Igualdade de gênero”.
Ademais, dentro do ODS nº 4, a meta 4.b aborda a assistência para bolsas de estudos, de maneira a:
(…) substancialmente ampliar globalmente o número de bolsas de estudo para os países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos, pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países africanos, para o ensino superior, incluindo programas de formação profissional, de tecnologia da informação e da comunicação, técnicos, de engenharia e programas científicos em países desenvolvidos e outros países em desenvolvimento (NAÇÕES UNIDAS BRASIL).
Ainda, de acordo com o documento “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, no 36º parágrafo, os Estados-Parte se comprometem a:
(…) promover a compreensão intercultural, a tolerância, o respeito mútuo e uma ética de cidadania global e responsabilidade compartilhada. Reconhecemos a diversidade natural e cultural do mundo e reconhecemos que todas as culturas e civilizações podem contribuir para, e constituem elementos cruciais de desenvolvimento sustentável (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015).
Percebe-se que existe uma divergência entre os parágrafos do documento supracitado e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável com relação aos acontecimentos recentes nas universidades estadunidenses, e com a propagação a categorização de estudantes estrangeiros como uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos.
Essa interrupção da cooperação entre um país desenvolvido tanto com países em desenvolvimento quanto com o sistema internacional (de maneira geral) atrapalha os rumos às metas da Agenda 2030.
O impacto do intercâmbio acadêmico
O intercâmbio de estudantes de países em desenvolvimento para países desenvolvidos é de suma importância, porque gera um impacto multifacetado que beneficia não somente o indivíduo, como suas comunidades de origem e o desenvolvimento global. A oportunidade de acessar tecnologias avançadas, metodologias de ensino inovadoras e realizar pesquisas que aprimorem seu desempenho acadêmico e profissional, e impactam no desenvolvimento do país de origem.
Em entrevista, Moisés Teles, professor da Escola Politécnica da USP, afirma:
(…) a mobilidade internacional de estudantes por meio de intercâmbios e duplo diploma pode ser uma aliada, ampliando e reforçando as competências técnicas adquiridas no currículo acadêmico do país de origem. Empresas e instituições não atuam mais apenas localmente, mas em ambientes globais (TELES, 2024).
O networking internacional gera uma rede de contatos composta por diferentes culturas, costumes, perspectivas, que permitem àquele que as experiencia entender o propósito de se combater outros desafios globais, para além daquele que o aluno se sente parte. Existe uma compreensão mais profunda da humanidade, tornando-os mais tolerantes, abertos a novas ideias e dispostos a participar de ambientes multiculturais.
O retorno dos estudantes ao país de origem, por exemplo, significa a transferência de conhecimento e tecnologia, aprimorando setores-chave para o desenvolvimento sustentável de uma nação em diferentes âmbitos, como econômico e social.
Os alunos estrangeiros se tornam agentes de mudança, líderes que fortalecem não apenas o seu entorno, mas, também, as redes internacionais, gerando um estímulo à internacionalização e possibilitando a multiplicação de intercambistas que farão o mesmo em outras realidades ou em futuras gerações.
Dessa forma, apesar de um grande ator internacional, que é os Estados Unidos, estar fazendo esforços na direção contrária à aquelas que se tornaram motivadoras para atingir as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, seguir os mesmos passos não é somente contraprodutivo para a comunidade internacional, mas um desestímulo à democratização do ensino, à diversidade de conhecimentos e a formação de agentes de mudança e futuros líderes, capacitados para mudar a realidade daqueles países que, muitas vezes, permanecem distante dos caminhos para o desenvolvimento sustentável.
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