17 de dezembro de 2020

Uma série de textos sobre… séries e seus aprendizados para a vida

A série The Crown é uma aula de Comunicação e tanto. A mais recente temporada traz quatro aprendizados que podem ser úteis para pensarmos sobre o ambiente corporativo

Sempre fui uma pessoa televisiva. As narrativas e os diferentes contextos apresentados por meio da tela ainda me encantam e me ensinam muito.

Desde a iniciação científica até o doutorado, me dediquei a estudar os fenômenos da linguagem a partir de uma premissa essencial: estar diante de um produto midiático não é um ato passivo, mas sim de intensa ressignificação dos conteúdos ali expostos diante de nós, que movem conversas e impactam comportamentos e modelos de mundo.

Com essa superexposição e oferta de plataformas de streaming, venho revisitando essa trajetória de pesquisa de uma nova forma: estimulo as pessoas a pensarem sobre os aprendizados que séries e filmes nos proporcionam, apresento cenas para discussão em workshops e isso vem rendendo boas conversas (para dizer o mínimo).

Por isso, resolvi compartilhar mensalmente uma análise em que destaco os aprendizados das séries, documentários e filmes a que assisto e/ou estão em evidência nos principais canais de streaming. Um incentivo para você fazer o mesmo e, quem sabe, me indicar novas séries para eu assistir e analisar por aqui.

Atenção: Este artigo não contém spoilers da série, porém comenta algumas cenas e episódios específicos.

“The Crown”

Esse formato não é lá muito novo, eu mesma vinha publicando textos assim há alguns anos, como esse sobre a primeira e segunda temporadas do “The Crown”, aqui no portal da Aberje. O que muda agora é a regularidade e a variedade de narrativas analisadas por aqui.

Já que mencionei essa série, que é uma aula de Comunicação e tanto, analiso nessa primeira temporada de textos a mais recente temporada de “The Crown”, que estreou em 15 de novembro de 2020.

Depois de maratonar os episódios, falar a respeito com pessoas próximas, ler a repercussão na imprensa, compartilho quatro aprendizados mais marcantes e que podem ser úteis para pensarmos sobre o ambiente corporativo.

Ficção e realidade

A série é classificada na plataforma de streaming Netflix como um drama baseado em eventos históricos. Como os ocorridos da quarta temporada estão mais próximos do presente e mostram os bastidores da relação entre Charles e Diana (tão tematizada em tabloides na época e em biografias nem sempre autorizadas), há uma maior comoção dos espectadores e uma certa preocupação em pontuar aquilo que é fato ou não. Houve, inclusive, um pedido da realeza de incluir um aviso de que a obra é uma ficção logo após o lançamento da temporada.

Como aprendizado, vale destacar a importância do pensamento crítico (uma das seis grandes competências do futuro) ao termos contato com qualquer conteúdo, pois sempre há escolhas, recortes, roteirização de cenas, criação de diálogos, referência (ou não) a fontes. A representação do real, afinal de contas, é sempre uma representação.

Saindo da realeza para a vida cotidiana, que tal pensar em como você, a sua área ou a sua empresa são representados nas campanhas internas de comunicação, nas peças publicitárias, nas redes sociais. Afinal, o que é real e o que é uma construção de imagem, de marca?

Efeito de expectativas frustradas

Na série, vemos uma jovem Diana cheia de expectativas e sonhos com seu casamento com o príncipe. Mas o dia a dia retratado na série deixa evidente as frustrações de Diana, Charles, Camila e tantos outros personagens. Cada um lida com suas dores e necessidades à sua própria maneira.

Um dos grandes aprendizados que podemos refletir e já pensar no ambiente corporativo, é como:

  • somos afetados de diferentes formas pela frustração de expectativas, nas mais diferentes situações da vida;
  • os profissionais reagem de diferentes formas diante dos problemas cotidianos, seja silenciando ideias, se desmotivando ou adoecendo;
  • como nem sempre campanhas ou ações formidáveis são efetivas para criar engajamento por haver outras expectativas e necessidades não atendidas. Podem, inclusive, gerar novas frustrações.

A força das normas, regras e hábitos

Vivemos tempos em que a humanização é cada vez mais um tema a se pensar e praticar nas empresas, em que as normas e regras vêm sendo questionadas e mudadas. Mas tudo isso ainda é muito novo. Imagine então há 30 anos, numa instituição tradicional e secular como a monarquia britânica, liderada por uma rainha, (como retratada na série) que preza valores, costumes e compromissos da coroa.

A meu ver, é emblemático o episódio em que, pela primeira vez, a rainha Elizabeth opina contra as medidas de Margaret Thatcher num “vazamento” causado por uma fonte de dentro do palácio e a imprensa cobriu e repercutiu amplamente. Diante do “estrago”, o palácio desmente, silencia e demite o assessor de imprensa que ali trabalhava há anos. Sem falar nos efeitos negativos na relação entre ambas. Vale refletir sobre esse evento da série nos alerta sobre como atuar com transparência em nosso dia a dia, como se acha um “bode expiatório” para responsabilizar publicamente, como resolver conflitos internos sem deixar com que isso transborde as fronteiras para a imprensa, opinião pública ou outros interlocutores externos.

Outro episódio é a visita de Thatcher e o marido à família real no castelo de Balmoral, um convite da rainha para estreitar laços, mas que mais as afasta, tamanha a distância entre os hábitos de uma e de outra família. Já pensou em quantas práticas existem na cultura organizacional que soam estranhas a quem não faz parte da empresa, sejam novos funcionários, fornecedores e clientes? Trazendo pro nosso dia a dia, que tal se colocar no papel de um estrangeiro em novos universos, sejam novas bolhas, novos contextos, outros lugares que não estão muito no seu radar e podem ser os mais estranhos, num primeiro momento, e extremamente ricos para aprender algo novo?

Poder do diálogo 

Os não ditos imperam em todas as relações da série “The Crown”, especialmente nas mais íntimas.

Desde a primeira temporada, chamava minha atenção o não diálogo entre os personagens da rainha e do rei, ainda jovens em começo de casamento e reinado. Na terceira temporada, me solidarizei a um Charles que nunca foi ouvido pela mãe.

Nesta quarta temporada, a relação tumultuada de Charles e Diana é mais pautada pela falta do diálogo do que por brigas cheias de palavras. Apenas no tour do casal pela Austrália, uma desinteressada Diana se transforma em uma radiante presença em todos os compromissos reais depois de ter uma franca conversa com Charles, em que enfim eles dialogam, expressam seus anseios e criam novos acordos.

Dialogar é uma forma de ser e estar no mundo. Precisa pautar as relações, ainda tão pautadas por monólogos, silêncios ensurdecedores, invisibilidade de vozes em prol da ordem, das metas ou de uma aparente boa convivência. Isso vale para cada um de nós no ambiente familiar e profissional e para cada empresa adequada ao mundo em que vivemos e de tanta transformação por vir.

Agora, te convido a:

  • Traçar paralelos desses quatro aprendizados com a empresa em que você atua?
  • Refletir sobre outros aprendizados da quarta temporada de “The Crown”?
  • Comentar os aprendizados e as reflexões que esse texto te proporcionou. Vai ser ótimo termos essa troca.
Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Vívian Rio Stella

Doutora em linguística pela Unicamp, idealizadora da VRS Academy. Professora da Aberje, da Casa do Saber e de cursos de extensão da Cásper Líbero. Coordenadora do comitê de comunicação digital com empregados. Apaixonada por pesquisa, aprendizado e comunicação.

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