30 de março de 2010

Risque com o compasso e olhe fora do riscado

William Blake (1757-1827), pintor e poeta inglês, viveu a primeira Revolução Industrial no ambiente do iluminismo sedento por dominar e explicar a natureza e o homem. Uma de suas telas mostra um deus, que maneja um compasso e olha o mundo de cima para baixo. Em O Eterno, Blake não deixa dúvidas sobre o que pensa dos limites do pensamento racionalista.

Sua obra aponta para um deus maior do que qualquer medida, número ou da área circunscrita pelo compasso, a área não-medida e não-utilizada, que é o intangível, o transcendente e nossas carências sociais e psicológicas. Pode-se pensar que independentemente de quem é Deus, Ele será sempre maior que o pensamento dos racionalistas, dos administradores. Ele será sempre maior do que o número, por ser o infinito.

Inovação, engajamento e civilidade

Os neo-ludistas, que se opõem ao desenvolvimento tecnológico ou industrial, revoltam-se contra os computadores e homens-máquinas, que administram nossas vidas. Para muitos administradores e racionalistas, a linguagem da natureza é a matemática. Tudo, a natureza inclusive, pode ser expresso e compreendido pelos números. Ou seja, o que se vê na régua, no compasso, na máquina de calcular, na tela do computador é usado para justificar o que se decide nas diretorias e gerências, onde os números são indicadores da competência e da legalidade administrativa – nem sempre legítimos.

A mentalidade quantitativa, no entanto, mostra-se ineficaz para aumentar a confiança da sociedade em administradores empresariais e políticos, cuja retórica é baseada em instrumentos de laboratório. As recorrentes surpresas da economia e da natureza, que fizeram tremer o chão de empresas e países com a crise financeira internacional em 2008, e os terremotos no Haiti e Chile, ressaltam os limites da administração.

Tal qual Édipo, estamos com os pés e vidas inchados, reféns de um destino incontrolável. Na sociedade de hoje, o que está fora do compasso e ligado aos afetos, no quadro observado pela administração, tem se transformado nas forças principais de inovação, de engajamento e de civilidade, onde o número não contém o mito.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

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