25 de outubro de 2021

Por que é hora de acabar com fotos de braços cruzados e pose poderosa?

Publicado originalmente no LinkedIn em 16 de outubro de 2021

Lembre de uma entrevista recente que leu nos veículos de comunicação com algum líder do tal C-level. Agora tente se recordar da foto dessa liderança. Há grande chance da imagem trazer uma pessoa de braços cruzados, com aquela pose vencedora e autoconfiante.

Preciso dizer que nossa imprensa e nós, comunicadores corporativos, continuamos alimentando a manutenção desse estereótipo anacrônico. Fotógrafos seguem pedindo para executivos posarem para compor esta cena, assessorias de imprensa continuam selecionando essas imagens para ilustrar matérias, editorias permanecem selecionando tais fotos para estampar reportagens.

Por muito tempo, essa construção de imagem com braços cruzados vem sendo utilizada para transmitir uma imagem mais profissional, de segurança, de poder, nos perfis de Linkedin, nas reportagens, nas propagandas de cursos de liderança, mundo afora. Eu mesmo já obedeci no passado a direções de fotografia que me clicaram dessa maneira, mas hoje só envio para a divulgação das minhas atividades executivas, palestras de minha empresa e cursos acadêmicos fotos informais, preferencialmente com sorriso leve e camiseta, porque é o mais próximo de quem sou. Não é à toa que minha imagem de fundo no Linkedin me traz encostado na Mistery Machine da turma do Scooby-Doo só porque não tenho nenhuma com meu favorito Plymouth cor de rosa dos Simpsons.

Pessoalmente, como questionador rebelde, desde minhas aulas de semiótica na ECA-USP, gostava de colocar em xeque classificações categóricas definitivas. Braços cruzados representariam sempre desinteresse, segurança excessiva, poder? Lá ia eu cruzando os braços intencionalmente durante uma aula que despertava todo meu interesse para mostrar que associações não podem ser tão automáticas e irrefutáveis… Já dizia Caetano Veloso, onde queres Leblon, sou Pernambuco, E onde queres eunuco, garanhão, onde queres o sim e o não, talvez… Dotado de uma saudável visão crítica, sabia que era fundamental conhecer o contexto para interpretar a mensagem, percorrer possibilidades de interpretação, considerar exceções às regras, para alcançar uma comunicação mais plena.

O grande semiólogo e filósofo francês Roland Barthes dizia que a fotografia de imprensa trazia duas mensagens, a reprodução mecânica análoga da realidade (mensagem denotada) e também uma imposição de sentidos que são elaborados em diferentes níveis de sua produção, fazendo com que seja lida e relacionada pelo público que a consome a um conjunto de signos (mensagem conotada).

Poses podem induzir a leituras de muitos significados. Atitudes estereotipadas como olhar para o horizonte, ficar de mãos unidas ou erguê-las para cima, cruzar braços ou mantê-los bem abertos alimentam interpretações associadas à força, virilidade, confiança no futuro, pureza, infalibilidade, vulnerabilidade, espiritualidade e tantas outras possibilidades. Comunicadores devem saber trabalhar com este conjunto de signos em suas construções de narrativas e desafios de levar mensagens a seus públicos.

Entretanto, no mundo de hoje, em que as pessoas processam informações em milissegundos nas redes sociais, e especialmente, porque lutamos para romper com sistemas opressores e derrubar barreiras anti-inclusivas, recomendo fortemente abandonarmos estes símbolos que não nos levam ao futuro desejável de uma sociedade mais harmoniosa, horizontal, humana, colaborativa.

Em 2021, a 3M (empresa em que atuo na parte de minha vida profissional corporativa), coproduziu um documentário cinematográfico batizado de “Not the science Type”(não Pareço Cientista, em português) que ataca a visão estereotipada que temos dos cientistas. Se pedisse para você descrever a primeira imagem que lhe vem à cabeça ao escutar o termo “cientista”, é provável que você tenha pensado em algum homem branco, vestido de maneira descuidada, com certo ar de maluco.

Imagens como de um Einstein de cabelos arrepiados e língua para fora, na célebre foto de Arthur Sasse de 1951, ajudaram a propagar a visão de cientista maluco, reforçada pelo cinema em personagens antológicas como Dr. Emmett Brown da trilogia “De volta para o futuro”. E olha que à época, tal imagem do físico alemão ganhou visibilidade pois quebrava o estereótipo anterior de cientistas extremamente sérios e reservados. Foi assim que ganhamos um novo paradigma, a imagem do cientista maluco. O documentário da 3M mostra a vida de quatro mulheres de origens diversas que venceram preconceitos para evoluírem no mundo cientifico, propondo um rompimento da imagem associada e esperada de cientistas na direção da equidade de gênero.

Por aqui, no começo do artigo, desconfio que você também pensou que o executivo C-Level das reportagens seria um homem branco, já maduro, provavelmente vestindo um terno. Provavelmente, poucos pensaram em mulheres, jovens, pretos, cadeirantes, vestidos de maneira informal, expondo tatuagens, camisetas, penteados diferentes.

Felizmente, estamos evoluindo para uma nova Era da gestão, um momento caracterizado pela interdependência e que exige transformação profunda. Nossas organizações em estágio de adoecimento necessitam urgentemente de segurança psicológica, de empatia, cultura de colaboração, espaço para criatividade, flexibilidade, saúde mental e de tantos outros fatores.

É fundamental enterrar o modelo de liderança autocrática, do “comando e controle”, do microgerenciamento, da imagem de eterna perfeição e poder inquestionável. Esse modelo costuma ser bem ilustrado pela foto do líder poderoso de braços cruzados, olhar altivo, invulnerável e excessivamente confiante.

Não me entenda mal… claro que não queremos líderes de organizações que transmitam fraqueza, insegurança, incerteza. É mais como pregava Rony Meisler, fundador da Reserva, em seu livro “Rebeldes têm asas”, com histórias que demonstravam sua liderança forte e influente, mas que enfatizavam a importância da irreverência, de se posicionar de maneira próxima de seu time e bastante humana em relação a todos os stakeholders.

Tento ser um missionário da coerência e da verdade interna, mas também admiro a beleza da realidade ambígua do ser humano, entre transgressões e conservações. Há momentos que podemos ser formais e outros, radicalmente inovadores. Cada segmento, ambiente e profissão têm seus códigos e rituais que não necessariamente precisam sofrer brusca revolução a todo momento. Pode haver o dia dos terninhos e logo depois, o dia das bermudas rasgadas e saias; tem hora para discursos institucionais quadrados e momentos para falas coloquiais, desde que ambas sinceras e relevantes. Na maioria das vezes, encaro qualquer rigidez absoluta e incapacidade para fazer concessões como um problema grave que nos lega comportamentos inflexíveis e polarizados. De qualquer modo, é muito importante quebrar símbolos que produzem afastamentos quando precisamos fortalecer conexões e gerar confiança.

Desde 2020, quando o Marcelo Oromendia chegou ao Brasil para liderar a 3M, viemos adotando este modelo de liderança cada vez mais humana que tanto prego nos meus atos, nas minhas palestras e no curso “the Leadership Way” que cocriei com bons amigos. Com o Marcelo, criei uma tática de comunicação interna que se traduz num encontro mensal que batizei de Papo Aberto, sessão virtual de 1 hora sobre temas importantes (diversidade, sustentabilidade, mudanças organizacionais, nova filosofia de trabalho etc.) em que o presidente da companhia convida outras 3 ou 4 pessoas para um debate. O maior diferencial é que não se faz apresentação alguma, abandonando o monólogo – o sucesso da sessão depende exclusivamente das perguntas e comentários que os funcionários fazem na ideia de promover uma discussão aberta e transparente, estimulando as dúvidas mais delicadas. A imagem que utilizamos para promover o Papo Aberto é uma foto do Marcelo sorridente e de braços escancarados como se quisesse abraçar o público tirada no centro de inovação da empresa. Ele ainda está de terno, mas poderia estar com suas famosas camisas-polo ou quem sabe a do seu time Boca Juniors. Quem sabe eu peça para ele uma nova foto ainda mais especial para 2022.

Por hora, fica meu pensamento registrado para vocês, executivos e empreendedores, lideres organizacionais, comunicadores, fotógrafos corporativos, jornalistas… É hora de nos atirarmos nessa jornada de transformação, de autoconhecimento, de adoção urgente de um novo estilo de liderança. E para a imagem ficar coerente com essa essência, lembrando da mensagem sem código que é a fotografia (Barthes), na próxima oportunidade, descruze os braços, abra um sorriso e faça transparecer a sua essência mais humana.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Luiz Eduardo Serafim

Serafim é pai do Gabriel, pianista, professor, palestrante e Head de Marca & Comunicação da 3M, onde atua desde 1.994. Formado em administração (EAESP/FGV) e Publicidade (ECA/USP), tem especialização em desenvolvimento do potencial humano (PUCCAMP) e em Psicologia Positiva (PUC/RS). Palestrante com mais de 900 apresentações sobre Criatividade, Inovação, Negócios e Liderança, é professor de Gestão de Marketing e Inovação nos cursos de MBA da Inova Business School e ESALQ/USP. Co-criador do Programa de Desenvolvimento de Liderança "The Leadership Way" em que atua também como Guia da Liderança Colaborativa. Autor do livro "O Poder da Inovação", publicado pela Ed. Saraiva, idealizador do Programa Inspira.mov sobre Criatividade e Empreendedorismo, veiculado pela TV Cultura, produtor e apresentador do Canal de Podcast Inovação em Pauta da 3M e responsável pelo patrocínios de projetos culturais como a Mostra 3M de Arte e o Prêmio Brasil Criativo, entre outros.

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