28 de setembro de 2021

O que parece complicado é também complexo?

Em diversas ocasiões, situações complicadas são ou se tornam complexas. Mas são coisas bem diferentes.

Em definições de dicionários, é possível perceber essa aparente contradição. Como significado de complicado, encontramos: “em que há confusão; cuja compreensão é difícil; que não é fácil de se aprender; exageradamente detalhado; que possui elementos em demasia.

Para complexo, temos: “que abarca e compreende vários elementos ou aspectos distintos com múltiplas relações de interdependências; construção com inúmeras partes que estão ligadas entre si, formando um todo (ex.: complexo aquático, complexo empresarial, Complexo do Alemão etc.).

Algumas características podem orientar nosso entendimento. Nas situações, nas atividades ou nos trabalhos complicados, muitas partes operam entre si de maneiras previsíveis. Aquilo que é complicado é algo que, por natureza, é difícil de entender. O “como fazer” ou o “como funciona” não é percebido tão facilmente, a não ser que você seja um especialista no assunto. Mas, sendo um especialista, você consegue prever, organizar e controlar.

Já situações, atividades ou trabalhos complexos são compostos por muitos componentes e partes móveis. Abrangem múltiplas causas de interação, que não podem ser distinguidas individualmente e que não podem ser tratados de maneira fragmentada. Os problemas que se apresentam não podem ser resolvidos de uma vez, para sempre, pois nem sempre podem ser controlados, mas precisam ser gerenciados de maneira sistemática e, normalmente, qualquer intervenção acarreta novos problemas, como resultado das interações.

Vamos imaginar, por exemplo, o universo dos sistemas de gestão. De acordo com a auditora e especialista em comunicação Monise Carla (2016), “problemas complicados originam-se de causas que podem ser distinguidas individualmente; eles podem ser abordados peça por peça; para cada entrada no sistema, há uma saída proporcional; os sistemas relevantes podem ser controlados e os problemas apresentados apresentam soluções permanentes. Nos sistemas complicados, muitas partes operam entre si de maneiras previsíveis… Exemplo: dirigir um carro, onde os comandos dados são respondidos; portanto, você tem uma previsibilidade sobre o que vai acontecer”.

Os sistemas complexos, por outro lado, “são imprevisíveis, até porque as interações entre as partes mudam constantemente e com as mudanças surgem novos resultados. Exemplo: o tráfego de carros mudando constantemente em reação ao tempo, acidentes, acontecimentos, entre outras mil coisas”.

E o profissional de Relações Institucionais e Governamentais (RIG), o que tem a ver com isso?

Comecemos com uma pequena reflexão sobre a atividade de lobby, apontada pelo cientista político Lee Drutman (2009). “Em última análise, o lobby é muito mais arte do que ciência. Não há uma receita simples, na qual se adicionarmos mais de um ingrediente específico a probabilidade de obter resultado aumenta. Não importa a abrangência da legislação, cada tema tem sua dinâmica e diferentes interesses utilizam diferentes estratégias.”

Ainda conforme Drutman, “o sucesso do lobbying não parece estar relacionado à utilização de inúmeras estratégias, mas sim em ser capaz de fazer muitas coisas ao mesmo tempo e de ajustar-se rapidamente às mudanças circunstanciais.”

Bingo! Capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo, adaptação constante, conhecimento e resiliência são características fundamentais na atuação do profissional de relações institucionais e governamentais. Esse profissional precisa relacionar-se de maneira intensa com diferentes instâncias e órgãos de governos e também com outras organizações ou entidades.

Nunca é demais lembrar que, pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho e Emprego, a atividade de relações institucionais e governamentais está atrelada a 91 competências. Assim, por natureza, o trabalho de RIG pode ser considerado complicado, pois exige alta qualificação, conhecimentos específicos, além de outras competências técnicas e humanas. Mas a função principal desse profissional, que é defender os interesses legítimos da empresa ou organização em que atua, buscando fazer chegar a governos, a formadores de opinião, às comunidades ou a qualquer um de seus públicos de relacionamento o pleito da empresa ou organização que representa, com argumentos sólidos e bem embasados e sempre lastreado na ética e nas boas práticas, para a construção de relacionamentos duradouros e benéficos para todos os envolvidos, é uma função com alto grau de complexidade.

Em seu dia a dia, deve haver um esforço redobrado do profissional para não só́ conceituar corretamente o que se deseja demandar e compreender os processos de serviços públicos e legislativos variados, os sistemas judiciários diversos e os novos arranjos de poder, mas também ter capacidade de compreensão cultural do momento político-econômico-social e fazer a leitura de contextos variados. Isso é complexo! Entender os cenários, analisar tendências ou perspectivas e estabelecer estratégias adequadas de atuação fazem parte do plano de ação para cada projeto gerenciado. É uma tarefa complicada elaborar um plano de ação contemplando todas as etapas do projeto, de forma detalhada e com um planejamento acurado, prevendo as ferramentas necessárias, os resultados desejados e o monitoramento. É necessária muita qualificação para isso. Porém, nesse contexto, há parâmetros que podem ser previstos e controlados e outros não. Os cenários e processos são movediços e muitas vezes se transformam rapidamente, o que exige constantes adaptações e adequações. Isso é complexo.

Em paralelo, são exigidos compreensão, análise e diálogo permanentes com todas as partes envolvidas. É essencial estabelecer um diálogo contínuo com o poder público e outros stakeholders, para que se construam vínculos sólidos e duradouros. E isso também é complexo, pois leva tempo, demanda grande esforço, depende de diversas variáveis, necessita de revisões e acompanhamento contínuos e não se constrói do dia para a noite. Mas tudo isso é absolutamente necessário, para que o projeto possa ser considerado efetivo e de sucesso. Optar por atalhos não confiáveis ou previstos ou agir com demasiada pressa pode levar a problemas incontornáveis.

Uma das parábolas de Nilton Bonder (1998), em sua obra “A Alma Imoral”, joga luz e nos dá a real reflexão: “Certa vez uma criança arrebatou o melhor de mim. Eu viajava e me encontrava diante de uma encruzilhada. Vi então um menino e lhe perguntei qual seria o caminho para a cidade. Ele respondeu: ‘Este é o caminho curto e longo e este o longo e curto.’ Tomei o curto e longo e logo deparei com obstáculos instransponíveis de jardins e pomares. Ao retornar, reclamei: ‘Meu filho, você não me disse que era o caminho curto?’ O menino então respondeu: ‘Porém, lhe disse que era longo!'”

Por isso, se você  é um profissional de Relações Institucionais & Governamentais e estiver diante de uma encruzilhada, lembre-se do menino e preste atenção para não ser seduzido por um caminho curto… E, como disse o mestre Guimarães Rosa (1956), no clássico “Grande Sertão: Veredas”: “Não convém a gente levantar escândalo de começo, só aos poucos é que o escuro é claro”.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Carlos Parente

Graduado em Administração de Empresas pela UFBA, com MBA em Marketing pela FEA USP, possui um sólido histórico de experiência em Relações Institucionais & Governamentais, Comunicação Corporativa e Advocacy, com participações e lideranças em processos de comunicação estratégica, inclusive internacionais. Carlos Parente é sócio-diretor da Midfield Consulting.

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