18 de novembro de 2021

O peru do presidente causando confusão

Man drawing the outline of a businessman stopping the domino effect in a conceptual image on gray background.

Por mais que se estabeleçam códigos de conduta, normas, regras, regulamentos, estatutos, protocolos, convenções, diretrizes, procedimentos e que tais, a vida cotidiana insiste em nos pregar peças.

 

Se tem uma coisa em que o mundo corporativo tem se debruçado nos últimos tempos são as questões sobre “o que pode” e “o que não pode” nas relações profissionais, seja no ambiente interno seja no relacionamento com fornecedores, parceiros, clientes ou com órgãos públicos.

Para o dia o dia, as empresas têm se esmerado em estabelecer e/ou aperfeiçoar regras de comportamento, diretrizes e cuidados a serem seguidos. No entanto, é praticamente impossível prever todos os tipos de situações.

Por isso, uma expressão mágica que continua valendo para tudo é: use sempre o bom senso! Porém, nem sempre o bom senso é igual ao senso comum… como administrar situações embaraçosas? Como dizer não?

Antes de qualquer coisa, deve-se “andar e caminhar positivamente”. Nas ações diárias, é preciso ter narrativas consistentes, ter fundamento nas informações a serem passadas ou solicitadas, ter clareza nos contatos e ter coerência e densidade nos  pleitos, encaminhando-os às pessoas certas, da forma correta, com um acompanhamento posterior estruturado.

O que fica, de verdade, é que regras e regulamentos devem, sem dúvida, ser seguidos e cumpridos. Mas o exercício do bom senso é habilidade indispensável no cotidiano corporativo. Veja a história a seguir.

“O peru do presidente”

Certo dia, numa grande empresa, o diretor de relações institucionais e governamentais estava analisando um documento. Era uma tarde de dezembro. Ele estava sossegado em sua sala na empresa, perto do final do ano, naquele período em que as férias ainda não chegaram no papel, mas no espírito já. Tudo o que deveria ter feito no ano já havia sido feito ou empurrado para depois do dia dois de janeiro. Calmaria, arrumações de rotina, alguns rascunhos com os planos para o futuro, tanto da empresa, quanto pessoal.

A silhueta de um rapaz uniformizado assumiu o espaço da porta e deixou sobre a cadeira à frente da mesa uma grande embalagem térmica, saindo em seguida. Como a curiosidade é a rainha do cérebro, enquanto a sacola não fosse aberta nada mais poderia ser feito com a devida concentração.

Parou o quase nada que estava fazendo, olhou a etiqueta para ter certeza de que era para ele e abriu. Lá dentro, repousando em sua frigidez nutricional estavam, lado a lado, coxa com coxa, um peru, um pernil e um presunto.

Como fosse recém-chegado à empresa, não sabia muito bem o que fazer com aquele brinde de peso. Devia pesar bem mais de 20 quilos. Constrangido, presenteado de primeira viagem, acessou a intranet à procura das políticas da empresa para essas situações.

Procurou se havia regras de compliance, se poderia ou não receber qualquer coisa, se havia limites em dinheiro como na maioria das empresas. Onde havia trabalhado antes, a regra era recusar qualquer brinde acima de U$ 100 e, neste caso, o valor certamente era maior do que isso. Não encontrou nada específico.

Olhou para a cadeira e a sacola continuava lá, sentadinha, quieta em sua sala, aguardando uma decisão. Outra coisa que o intrigou foi o desconhecimento do fornecedor, com o qual nunca tivera qualquer relação.

Andou pelos corredores do andar e observou que outros colegas com cargos semelhantes também receberam e ficou um pouco menos desconcertado. Mas como o incômodo o atormentasse por mais algumas horas, decidiu reportar o ocorrido para a sua liderança, no caso o próprio presidente da empresa, e solicitar uma orientação sobre o que fazer.

Entrou na sala da presidência e explicou a situação. O presidente respondeu:

– Eu também recebi, isso é muito normal. Eles são os fornecedores dos nossos restaurantes aqui e em toda a nossa rede no Brasil.

– É que eu imaginei que, como esse presente tem um valor muito superior a U$ 100, o correto seria recusar.

– Você tem razão, mas seria muito indelicado. Eles têm esse costume há anos e devolver seria como uma desfeita. Não vamos fazer isso.

Ficou mais confortável com a resposta. Imaginou o caso como encerrado, agradeceu e procurou a porta de saída. No meio do percurso ouviu novamente a voz do presidente:

– Você gosta mais de pernil ou peru?

– Pelas tradições de família, comemos muito peru, depois presunto e quase nunca pernil.

– Ótimo! Veja que sincronismo: eu gosto, pela ordem, de pernil, presunto e, por útimo, peru. Você se incomoda de trocar o seu pernil pelo meu peru?

Mesmo que se incomodasse teria respondido que não. Voltou para a sua sala, pegou seu pernil e o levou para trocar com o presidente.

Realizada a troca, voltou pelo corredor carregado. A secretária geral o encontra e pergunta:

– O que é que você está carregando?

Ele respondeu de imediato:

– O peru do presidente!

Mal se deu conta da bobagem (duplo sentido) que havia falado, e a gozação começou.

Pensou: talvez não fosse possível dizer não ao presidente, mas poderia ter evitado aquela troca.

Durante meses foi motivo de gozação em toda a empresa, não por ter comido o peru do presidente, mas pelo presidente ter comido o seu pernil….

 

O que fica dessa história? Verifique as políticas internas de sua companhia, consulte as normas de compliance, confira as regras e os valores da organização e, ainda assim, pense bem antes de aceitar um brinde ou um presente de grandes proporções monetárias.

Aparentemente, o ato de dar ou receber brindes ou presentes corporativos pode parecer inofensivo à primeira vista, mas se mal administrado pode se tornar uma semente ruim, dando brechas a tentativas de corrupção.

Um premissa que devemos ter em mente é que um brinde ou um presente nunca – reiterando, NUNCA – deve ser dado ou recebido com a intenção de influenciar ou ser influenciar para alguma atitude ou decisão ou comportamento. Isso é ponto pacífico.

Além disso, consulte e/ou converse sempre com seus pares, colegas e com sua liderança, em casos como esse. Bom senso não faz mal a ninguém, pelo contrário.

Por exemplo: não aceitar um presente recebido pode ser uma situação delicada em alguns casos, mas isso pode ser resolvido com uma simples ligação, o envio de uma mensagem ou até a entrega de uma carta, agradecendo a lembrança e explicando as políticas da empresa.

E, por fim, cuidado com o que diz!!! Quem fala demais pode prejudicar não só outras pessoas, mas a si próprio. Fale com segurança, quando souber que não irá se arrepender.

Lembre-se que a sua credibilidade é o mais importante dentro da organização e fora dela. Um peru, quer seja do presidente ou de outro lugar, você pode comprar, mas a sua reputação não tem preço. Uma vez comprometida, ela estará fragilizada pelo resto da sua vida profissional.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Carlos Parente

Graduado em Administração de Empresas pela UFBA, com MBA em Marketing pela FEA USP, possui um sólido histórico de experiência em Relações Institucionais & Governamentais, Comunicação Corporativa e Advocacy, com participações e lideranças em processos de comunicação estratégica, inclusive internacionais. Carlos Parente é sócio-diretor da Midfield Consulting.

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