05 de fevereiro de 2024

O papel dos conselhos em situações de crise

Man drawing the outline of a businessman stopping the domino effect in a conceptual image on gray background.

Publicado originalmente no LinkedIn, em 26 de janeiro de 2024

As crises são, por definição, os momentos mais difíceis enfrentados pelas organizações. E elas têm se tornado cada vez mais complexas e imprevisíveis. Saber o que fazer e o que dizer diante de um momento de grande incerteza é um dos maiores desafios de qualquer liderança executiva. Por isso, atuar de forma preventiva com relação a potenciais crises, por meio de frequentes mapeamentos de riscos e treinamentos, é um item fundamental quando falamos de proteção da reputação e do próprio negócio.

Boa parte das empresas possui um plano de gestão de riscos bem estabelecido. Entendem os riscos operacionais, financeiros, ambientais, tecnológicos, realizam treinamentos de segurança e prevenção de acidentes, criam seus canais internos de denúncias e compliance. Mas ainda são poucas aquelas que inserem na pauta de alertas um dos temas mais relevantes de negócios: os riscos reputacionais. E por que isso é importante? Pesquisas de institutos globais renomados mostram ativos intangíveis, como reputação e marca, atualmente representam nada menos do que entre 80% e 90% do valor de uma companhia.

A reputação, que nada mais é do que a opinião ou imagem que os diferentes públicos têm de uma empresa, demora tempo para ser construída. Ela representa um saldo que vai se acumulando a partir de atributos como notoriedade, posicionamento concorrencial, imagem de marca e posição da empresa enquanto agente econômico e social. E como se constrói tudo isso? A partir de uma somatória de ações que vão desde o básico, como qualidade de produtos e serviços, atendimento aos clientes, respeito aos funcionários, responsabilidade socioambiental, até questões que ganharam mais força na agenda corporativa recentemente como propósito, transparência e consistência nos valores e ações.

E se é preciso todo esse esforço para construir uma boa reputação, basta muito pouco para destruí-la. Uma única crise mal gerenciada pode comprometer não apenas a liderança, mas também a existência de um negócio em razão da combinação explosiva que envolve impactos financeiros, perda de confiança do consumidor e danos irreversíveis à reputação e valor da marca. Nesse sentido, as empresas que estiverem melhor preparadas e fizeram sua lição de casa, investindo tempo e recursos na prevenção, bem como construindo relacionamentos sólidos com seus stakeholders ao longo do tempo, têm maiores chances de sobreviver.

Atuando como consultora de comunicação há mais de 15 anos para companhias nacionais e internacionais, posso garantir que, apesar de 90% das crises acontecerem em situações previsíveis, a grande maioria das empresas não está preparada para enfrentá-las, em especial nesse cenário complexo em que estamos vivendo no qual novos elementos complicadores surgem todos os dias.  Estudos mostram que, por conta da velocidade das redes sociais, quase 30% das crises se tornam globais dentro de uma hora – enquanto as empresas demoram, em média, longas 21 horas para realizar uma comunicação externa satisfatória.

Mas, e quanto aos conselhos de administração e consultivos? Como eles devem agir antes, durante e depois de uma grande crise reputacional? Esse foi o tema que discutimos esta semana no curso de formação de conselheiros da Board Academy Br, em uma aula do Daniel Medina, e que gerou um bom debate – em especial sobre a tendência de se confundir os papeis do conselho com o da gestão da empresa diante da crise.

Em primeiro lugar, vale lembrar que o conselho é o grande guardião do propósito, da ética, da cultura e também da reputação. Portanto, a gestão de crise deveria ser uma preocupação central dos boards de todas as organizações, de qualquer porte ou setor.

Cabe ao conselho incluir esse tema na pauta regular anual e cobrar reportes da diretoria sobre como a empresa vem se desempenhando na prevenção dos riscos reputacionais, cobrar por políticas e procedimentos, melhoria de processos, estabelecimento de uma estratégia de defesa e resposta a crises e monitoramentos frequentes. Além disso, também é função do board fazer perguntas difíceis, como “… mas e se tudo der errado?”, e entender quais foram os tipos de riscos efetivamente mapeados – vale notar que a maioria das crises recentes tem se dado em ao menos um dos pilares ESG (ambiental, social ou de governança) ou relacionadas à segurança cibernética.

E, mais importante, o conselho deve cobrar que treinamentos específicos envolvendo a alta liderança e o próprio conselho sejam realizados. Manuais de crise guardados na gaveta, por melhor que sejam, nunca serão suficientes diante da dinâmica da vida real. Planos precisam ser testados e revistos frequentemente.  Desta forma, mesmo que a crise não possa ser evitada, seus danos podem ser minimizados.

Durante a crise

A gestão de crise vai muito além de remediar o que deu errado. Tão importante quanto estancar a sangria é a forma como a organização vai se comunicar, em meio ao caos e com as emoções à flor da pele, com as partes relacionadas: clientes, funcionários, comunidade, órgãos reguladores, imprensa, fornecedores e a sociedade em geral.

Foi-se o tempo em que o conselho era um órgão completamente distante da administração. Tem-se tornado consenso, e isso ficou muito evidente na pandemia, que o conselho precisa estar mais próximo da gestão em situações de alta complexidade. O distanciamento da operação e a experiência prévia dos conselheiros podem ajudar a liderança a enxergar caminhos, fazer pontes e proteger a empresa. Mas é preciso tomar dois cuidados importantes: 1) a gestão da crise em si não é responsabilidade do conselho e 2) intervir demais pode atrapalhar o já difícil e urgente trabalho da administração.

A consultoria Deloitte afirma que, em suas análises pós-crise, cada vez mais investidores, reguladores e outros stakeholders relevantes têm questionado com que frequência os planos de crise das empresas foram testados e exercitados; de que forma a alta liderança da empresa esteve envolvida no gerenciamento das crises; e como e quando o conselho foi envolvido.

A regra geral dos códigos de governança é que a atuação do conselho em uma crise deve ser interna e nos bastidores, e que o colegiado procure fazer uma avaliação mais isenta possível do cenário. Não cabe ao conselheiro, por exemplo, ser o porta-voz junto à imprensa, clientes ou outros stakeholders. Porém, diante de uma crise de grande dimensão, mudam-se as regras, a urgência, as dinâmicas e emerge a necessidade de simplificação de processos. Dependendo da gravidade do problema, do perfil do conselheiro e de sua rede de contatos, pode haver casos em que o relacionamento do conselheiro poderá ser útil para a empresa no momento – desde que ele aja em pleno alinhamento com o grupo e com o comitê de crise.

Em um relatório sobre o tema, a Deloitte destaca que o conselho adiciona mais valor quando oferece supervisão crítica, planejamento de longo prazo e suporte estratégico, e ajuda a envolver partes interessadas chave, como governo e parceiros de negócios.

Outro ponto que gosto muito desse relatório da Deloitte é quando diz que ser CEO de uma organização em crise pode ser um lugar solitário. Ter a confiança e apoio do conselho pode ser vital para o executivo ou executiva nas horas mais críticas.

O único caso em que o conselho pode ter de atuar mais à frente da gestão da crise é quando a situação envolve destituição do CEO, má conduta corporativa ou problemas específicos de governança. E, com isso, deixo a pergunta: se isso acontecer, quem será o indicado? E será que essa pessoa está preparada para tal função? Tudo isso deve também ser discutido previamente  e fazer parte dos treinamentos e prevenção de crises.

Pós-tormenta

Passado o pico da crise, o conselho deve se manter próximo da gestão para ajudar na volta à normalidade, acompanhando as investigações, analisando outras possíveis falhas nos processos, revisando lições aprendidas, revisando a cultura organizacional e cobrando as melhorias para que os erros não se repitam. Eventualmente, pode até decidir pela substituição da liderança. Mas, principalmente, o conselho deve olhar para frente e identificar oportunidades de transformação em termos de cultura, estratégia e governança que elevem a organização – e às vezes o setor como um todo – para um novo patamar, mais fortalecida e resiliente.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Roberta Lippi

Roberta Lippi é sócia da Brunswick Group, consultoria internacional de comunicação estratégica. Jornalista com pós-graduação em gestão empresarial pelo Insper e especialização em comunicação internacional pela Universidade de Syracuse/Aberje, tem 25 anos de experiência na área de comunicação, com foco em posicionamento corporativo, mídia, crises, comunicação interna e treinamento de executivos.

  • COMPARTILHAR:

COMENTÁRIOS:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *