25 de março de 2022

Relações institucionais e governamentais: nem sempre “o de sempre” é a melhor pedida

No dia a dia, situações por vezes corriqueiras podem esconder armadilhas e aí, meu caro e estimado leitor, a análise correta de contextos, o alinhamento aos procedimentos, e, também, o famoso “jogo de cintura” podem funcionar melhor do que “o de sempre.” Que o diga o perrengue chique que profissional de relações institucionais e governamentais (RIG) passou…

Já virou lugar-comum dizer que o mundo ficou mais complexo. Aliás, com descobertas, desenvolvimentos e progressos contínuos, o mundo parece ser um eterno canteiro de obras, em constante transformação.

A maneira como vivemos, trabalhamos e convivemos está mudando em um ritmo avassalador, em alta velocidade.

A cada dia, temos que repensar comportamentos, atitudes, pensamentos, negócios, atividades, prioridades, investimentos, soluções e apostas, considerando e analisando cenários, oportunidades e dificuldades nesse ambiente em ininterrupta transformação.

Todos, em todo momento, passamos por momentos desafiadores. Só uma coisa é certa: mudanças e transformações são inevitáveis e acontecem em todas as áreas de nossas vidas e de nosso entorno.

A partir daí, é preciso estarmos sempre calibrando a forma como encaramos tudo, e isso determina as nossas reações aos acontecimentos e às circunstâncias.

O universo de relações envolvendo empresas privadas, entidades, organizações, governos e sociedade como um todo também está em processo de transformação, no Brasil e no mundo.

No ambiente empresarial, não é diferente. Entender todos esses movimentos e suas consequências é fundamental para os profissionais de relações institucionais e governamentais (RIG).

Profissional de RIG têm de estar em permanente modo “ativado”

Sem dúvida, tem crescido nas empresas a importância das áreas de RIG. As companhias têm percebido a necessidade de profissionalizar e melhorar a interlocução com os governos e órgãos públicos, pois a falta de profissionalismo nessa atividade pode ser desastrosa para os negócios e para os objetivos da organização.

Passou a ser cada vez mais importante, para as empresas, contar com profissionais capacitados e antenados para entender os cenários legais, regulatórios, político-econômicos, sociais e ambientais, e estabelecer estratégias adequadas de como fazer a conexão entre as entidades privadas e os diferentes órgãos de governos.

As estratégias e operações corporativas exigem, cada vez mais, a participação direta de relações institucionais e governamentais. A contínua capacitação desses profissionais, para o enfrentamento de cenários instáveis, voláteis e que se transformam constantemente, se tornou necessidade imprescindível.

E não só no relacionamento com entidades e órgãos governamentais. O ambiente de negócios é influenciado por diferentes stakeholders, cujas decisões podem impactar diretamente os resultados das empresas. Podemos incluir, aqui, colaboradores/funcionários, clientes, parceiros, fornecedores, sindicatos, associações civis, imprensa, entre outros públicos. Desse modo, os profissionais de RIG também precisam entender e interagir com entidades que atuam fora das esferas governamentais.

Tudo contribui, enfim, para a percepção de que o profissional de relações institucionais e governamentais pode e deve ter uma posição cada vez destacada na dinâmica empresarial.

Só que o dia a dia é um perigo. Mesmo atendendo todos os requisitos necessários à função e com toda a capacitação e atualização na bagagem, o profissional de RIG não pode deixar de exercitar, frequentemente, atributos como flexibilidade, razoabilidade e “jogo de cintura”.

Afinal, percepção diz muito… vejam a história a seguir e vamos refletir.

“O de sempre, presidente?”

Num jantar organizado por um profissional de relações institucionais de uma entidade setorial com agentes públicos, há alguns anos, para se discutir cenários e projeções do país, foram convidadas 12 pessoas, inicialmente, embora outras pessoas pudessem chegar para participar. O objetivo era estimular um diálogo rico, denso e proveitoso de temas relevantes para o setor.

A entidade em questão, nessa época, já contava com programa introdutório de compliance, mas as regras ainda não eram específicas, o que nesse caso poderia ajudar a estabelecer normas ou limites para eventos dessa natureza (ex. política de cortesia & brindes). No passado, esses jantares ou almoços eram regidos mais pelo bom senso. Porém, nem sempre bom senso é senso comum… Daí a importância das diretrizes.

Um dos convidados do jantar era um habitué do local (restaurante) em que o jantar havia sido marcado. E, carinhosamente, era chamado pelos garçons e demais atendentes de “presidente”, como apelido.

Em determinado momento, o garçom, ao passar por ele para verificar a bebida a ser pedida, foi logo tascando:

– O de sempre, presidente?

A resposta veio rápida e instintiva:

– Claro, o de sempre!

Algumas pessoas na mesa começaram a se entreolhar… Como assim? Mas, parecia uma pergunta inocente.

Esse é o tipo de situação que poderia ser evitada, combinando-se antes com o local ou produção do evento, por exemplo, quais pratos e bebidas que seriam “padrão” para aquele atendimento, ou limite de valor, por exemplo.

No caso, o “de sempre” era um vinho que aquele frequentador sempre pedia.

Após esse pequeno embaraço, o jantar transcorreu normalmente. O público foi flutuante, o que foi precioso para o debate e gerou grande compartilhamento de ideias.

Ao chegar a conta, descobriu-se que o vinho “de sempre” custava R$ 1.700,00 a garrafa – e foram quatro garrafas. Ao se fazer a divisão unitária da conta, o valor para cada um mostrou-se indecente. Uma situação absolutamente constrangedora.

O desafio ficou para a pessoa que organizou o evento. “Como é que eu apresento essa Nota? Será que vou sofrer uma punição, ou até perder meu emprego?”, pensava.

O terror passeava pela cabeça do executivo, pois, por mais que se justifique, é uma circunstância inaceitável, porque poderia ter sido evitada.

Passado o evento, tudo foi conversado, debatido e dissecado, e o profissional continuou na função, com a orientação correta para eventuais situações semelhantes.

Lição passada, lição aprendida. Erro cometido, erro superado. O que temos que ter em mente é que, se estivermos com um público estratégico num evento, e o garçom passar por um convidado e falar “o de sempre?”, cuidado!

Reflexão: o que ainda predomina, nesse tipo de processo, são as relações humanas. Elas são flexíveis, e muitas vezes informais. E, nesse caso, é fundamental a atuação assertiva de um profissional bem preparado e antenado de relações institucionais e governamentais, amparado sempre por regras claras de compliance (entendendo-se compliance não apenas pelo lado punitivo, mas pelo viés orientador e educador).

Conclusão

O profissional de RIG tem que analisar inúmeras variáveis. Apesar de ser legítimo, o “deleite do vinho” deve ser fundamentado e embasado. O processo está correto? Que desdobramentos podem acontecer? E assim por diante. Há variáveis sobre as quais não podemos ter visão total ou controle, mas há outras que podemos e devemos gerenciar.

Toda narrativa precisa situar-se dentro de um contexto.

Ainda que, no caso em questão, a entidade já contasse com algumas regras de compliance, não há compliance absoluto sem leitura de contexto. Se não, são apenas regras. E só isso nem sempre é suficiente.

Nossos comportamentos geram inúmeras percepções, e temos de estar conscientes disso.

Sabemos que a missão primordial do profissional de RIG é defender os interesses legítimos da empresa ou setor em que atua, buscando fazer chegar a governos, a formadores de opinião, às comunidades ou a qualquer outro público de relacionamento o pleito que representa, com argumentos sólidos e bem construídos e sempre lastreado na ética e nas boas práticas, para a construção de relacionamentos duradouros e benéficos para todos os envolvidos.

Mas qual deve ser o novo papel desse profissional com a dinâmica atual, que traz uma enorme quantidade de novas informações a cada dia e apresenta uma multiplicidade de meios? Fatores como visão estratégica, adaptabilidade, alinhamento a boas práticas, conhecimento e relacionamento são premissas básicas nesse novo mundo. E a necessidade de criação de novas narrativas e o aprimoramento contínuo em termos de capacitação são pontos-chave na caminhada.

Em tempo: tudo o que discutimos aqui vale não apenas para quem exerce as atividades de relações institucionais e governamentais, mas para qualquer profissional envolvido no relacionamento público-privado e no relacionamento com outros stakeholders, mesmo que eventualmente, bem como para profissionais em geral, estudiosos, estudantes, etc. O conhecimento e a vivência não têm dono e nem carimbo. A vida está para ser vivida, com todos os seus riscos e aventuras que surgem.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Carlos Parente

Graduado em Administração de Empresas pela UFBA, com MBA em Marketing pela FEA USP, possui um sólido histórico de experiência em Relações Institucionais & Governamentais, Comunicação Corporativa e Advocacy, com participações e lideranças em processos de comunicação estratégica, inclusive internacionais. Carlos Parente é sócio-diretor da Midfield Consulting.

  • COMPARTILHAR:

COMENTÁRIOS: