Matemática de comunicadores para novos tempos
Publicado originalmente no LinkedIn
“Se matemática fosse meu forte, não teria feito Comunicação”. A frase, repetida em tom de brincadeira corrente entre profissionais de Comunicação, já não faz sentido diante das mudanças trazidas pelas últimas décadas. Dela sobrou apenas o tom pitoresco, sobretudo entre aqueles de nós saudosos da época em que podíamos realizar nosso trabalho longe dos números. Cada vez mais a atuação dos comunicadores pode e deve ser guiada por dados. Mas o mundo que se desenha a partir do cenário de transformações exponenciais em que estamos imersos abre caminho para uma outra matemática – esta, sim, feita sob medida para (e por) comunicadores.
Houve um tempo em que informação era sinônimo de poder. Deter a informação, e, consequentemente, o conhecimento, era distinção. Sobre cabedais de conhecimento específico erguiam-se carreiras, reputações, fortunas, verdadeiros impérios. Mas o mundo mudou. O acesso à informação foi barbaramente ampliado, a velocidade dos meios de comunicação transformou o modo como tomamos conhecimento do que acontece ao redor de todo o planeta e as mídias sociais fizeram de cada cidadão um comunicador em potencial, diante de apenas um clique.
Porque nem toda informação é conhecimento, ou sequer base sólida para sua construção – vide o fenômeno preocupante das fake news –, o novo desafio é navegar neste mar de excessos e encontrar aí o essencial, cientes do fato de que nem sempre a máxima do “quanto mais, melhor” funciona quando o assunto é construção de conhecimento e, em última instância, sabedoria. Ao contrário, na maior parte dos casos, o excesso distrai, desfoca e confunde.
Esse é um desafio com o qual os profissionais atuantes na comunicação corporativa já vêm lidando nas últimas décadas. O papel de detentores da informação já não existe na nova realidade, assim como se foi para sempre o gostinho da “notícia em primeira mão”. Além de lidar com as novas possibilidades de comunicação, os discursos dissonantes e a velocidade da difusão de informações por múltiplos atores, a comunicação corporativa precisa engendrar um novo papel, muito mais relacionado à curadoria que à difusão da informação. Esse é um movimento já consolidado na maior parte das organizações, com resultados mais ou menos adiantados, em função de especificidades que determinam o sucesso dessa trajetória. Mas há um papel mais relevante, mais amplo e mais significativo à espera de cada um de nós.
Da mesma forma que, no passado, deter o conhecimento era sinônimo de sucesso, hoje ele está atrelado à capacidade de compartilhá-lo. Vivemos numa era relacional, em que estabelecer conexões fortes e valorosas é imprescindível à sobrevivência de qualquer organização. E conexões fortes e valorosas se constroem com base no compartilhamento de conhecimento. Dentro e fora das nossas organizações. Entre os colaboradores de um time, entre os vários times da empresa, e entra ela e seus múltiplos públicos de relacionamento – fornecedores, parceiros, investidores, imprensa, poder público, comunidades, associações da sociedade civil e o público em geral.
Mesmo diante de todas as incontestáveis transformações que vivenciamos, no entanto, muitos ainda resistem em práticas antigas, aprisionados à força do hábito. E seguem carregando seu conhecimento como se fosse um tesouro a ser mantido longe dos olhares alheios. Salvo, é claro, em situações nas quais exibi-lo serve aos propósitos da ostentação que alimenta o ego. Vemos esse comportamento comprometer a cooperação entre os membros de um time, dificultar o andamento de projetos que dependem da interação de múltiplas áreas de uma empresa e, em larga escala e longo prazo, atrasar a adoção de práticas inovadoras e enfraquecer a capacidade de adaptação das organizações.
No recém-lançado “Culture Renovation: 18 Leadership Actions to Build an Unshakeable Company”, Kevin Oakes diz (em tradução livre): “Em muitas organizações, no passado, as pessoas se baseavam no fato de que conhecimento é poder. Para alguns indivíduos, ter conhecimento era sinônimo de segurança, porque dava poder, e os fazia indispensáveis. Atualmente, as organizações que são realmente bem-sucedidas mudaram essa noção, e agora compartilhamento de conhecimento é poder. Quanto mais você espalha o conhecimento dentro e fora da sua organização, mais poderoso você é.” Nem todas as organizações já “mudaram essa noção”, mas, mesmo entre aquelas que já perceberam e caminham nesse sentido, há focos de resistência individual e coletiva que podem, e devem, ser trabalhados.
E é justamente aí que reside o cenário ideal para a eclosão deste novo papel dos comunicadores: a criação, o fortalecimento e a nutrição contínua de espaços de colaboração e troca de conhecimentos. Por meio da conscientização dos múltiplos atores envolvidos no dia a dia de uma empresa, da formalização de práticas que propiciem a integração e a conectividade, da criação de espaços de escuta genuína entre colaboradores e líderes, do planejamento e execução de programas que fomentem a conexão entre as múltiplas formas de conhecimento e a valorização da diversidade como fonte de riqueza, a comunicação corporativa pode não apenas fortalecer seu papel estratégico dentro das organizações, como contribuir de maneira decisiva para transformar a realidade das empresas, por meio de seu ativo mais valioso: o capital humano.
Novos tempos exigem novas formas de lidar com antigos e novos desafios. A matéria-prima de nosso trabalho pode ser a mesma, mas o que fazemos com ela deve ser foco de atualização e reflexão constantes. Onde antes a exclusividade, agora o compartilhamento. Onde antes a surpresa, agora a transparência. Onde antes o controle, agora o engajamento. Onde antes a concorrência, agora a colaboração. 2020 foi fértil em lições desta nova realidade. O ano em que enfrentamos o maior desafio coletivo a que as gerações viventes já assistiram foi também o ano em que vimos grandes exemplos de nossa potência criativa diante das complexidades. Os desafios permanecem. Não só no campo da saúde, mas também na necessidade de reinvenção diária de nossas práticas.
Analisando as ações de combate ao coronavírus, o historiador Yuval Noah Harari afirma, no livro “Notas sobre a pandemia”: “Neste momento de crise, a batalha decisiva trava-se dentro da própria humanidade. Se essa epidemia resultar em maior desunião e maior desconfiança entre os seres humanos, o vírus terá aí sua grande vitória. Quando os humanos batem boca, os vírus se multiplicam. Por outro lado, se a epidemia resultar numa cooperação global mais estreita, triunfaremos não apenas contra o coronavírus, mas contra todos os patógenos futuros”. Ampliando a reflexão, podemos falar de uma “batalha decisiva dentro da própria humanidade” em larga escala, em que fomos chamados a refletir, e temos a chance de escolher a empatia, a colaboração, a transparência, o respeito às diferenças, o triunfo do coletivo sobre o individual.
Comunicadores podem não ser os maiores especialistas em matemática – embora toda generalização seja perigosa. Mas somos, sim, grandes conhecedores de uma certa “matemática do intangível”. Aquela em um mais um pode ser mais que dois, em que dividir pode dar melhores resultados que somar, em que menos pode ser mais e em que até a exatidão dos números pode esconder uma outra história. Uma matemática feita sob medida para os novos tempos.
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