23 de outubro de 2023

Cultura e Histórias: A Trama Narrativa das Organizações

Na atual paisagem empresarial, a cultura de uma organização desempenha
um papel fundamental na determinação de sua identidade, imagem,
confiança e, em última análise, seu sucesso. Mas o que é cultura
organizacional? É muito mais do que apenas uma lista de valores escritas
em um papel ou expressas em formas audiovisuais ou digitais; é uma trama
narrativa rica e complexa que abrange uma série de elementos
interconectados, incluindo mitos, rituais, narrativas de origens, narrativas
de sonhos e desejos, inovações e até mesmo os fracassos da empresa. A
cultura não é apenas um conjunto de conceitos vagos e abstratos, mas sim
um tecido vivo que se manifesta no cotidiano das pessoas da organização e
nas pessoas de suas relações e projeta o passado, presente e futuro de uma
organização.

A Cultura como Narrativa

Para entender a cultura de uma empresa ou instituição, é útil pensar nela
como uma grande trama narrativa. Se pensarmos a organização como um
ser, esse grande tecido narrativo é uma grande trama das representações
sociais de tudo o que é a organização. Essa trama narrativa é construída por
meio de metanarrativas, narrativas e micronarrativas que são
compartilhadas pela comunidade que compõe a organização. As
metanarrativas, as grandes narrativas, representam os princípios
fundamentais e os valores centrais que guiam a organização. Elas são como
os alicerces de uma história épica que dá sentido e significado à existência
da empresa.

As narrativas, por sua vez, são histórias específicas que ilustram e reforçam
as opiniões da organização e as opiniões e percepções sobre a organização.
Elas podem ser histórias de sucesso, como a criação de um produto
inovador, ou histórias de fracasso que demonstram lições aprendidas ao
longo do tempo. As micronarrativas são pequenas histórias do dia a dia,
como um elogio público a um empregado exemplar ou um incidente que
destaca a importância da integridade.

A Importância das Narrativas na Cultura Organizacional

As narrativas quando bem produzidas desempenham um papel crucial na
criação e manutenção da cultura de uma organização. Elas humanizam a
jornada da empresa ou instituição, ajudam a transmitir os valores e a
confiança aos membros da equipe e orientam seu comportamento no dia a
dia. As narrativas históricas, por exemplo, contam a história de como a
organização começou, quais desafios e como superou ou não obstáculos
para se tornar o que é hoje. Essas histórias inspiram um senso de
continuidade, pertencimento e propósito.

As narrativas de ordenamento técnico e de processos descrevem como as
coisas são feitas na organização. Elas estabelecem padrões de qualidade,
eficiência e inovação. As narrativas éticas e estéticas definem os princípios
morais e estéticos que orientam as decisões e ações da empresa. Por fim,
as narrativas de regulação jurídica delineiam como a organização se
relaciona com o contexto legal e regulatório em que opera.

O Papel do Comunicador na Cultura Organizacional

Em nosso tempo, os comunicadores desempenham um papel central na
gestão da cultura organizacional. Eles são os guardiões das narrativas,
trabalhando em colaboração estreita com profissionais de outros campos,
como a literatura, a administração, o direito, a antropologia, as ciências
sociais e a psicologia social. Eles são os cientistas das narrativas, pois
compreendem como as histórias moldam a cultura e como a cultura, por
sua vez, influenciam as histórias.

Os comunicadores também colaboraram de forma destacada com os
cientistas de dados. A análise de dados pode fornecer insights importantes
sobre como as narrativas estão sendo recebidas e interpretadas dentro e
fora da organização. Isso ajuda a ajustar e aprimorar a trama narrativa,
garantindo que ela esteja alinhada com os objetivos e valores da empresa.

Culturas Organizacionais Distintas: Exemplos

Para ilustrar como a cultura de uma organização se manifesta, podemos
examinar exemplos de algumas organizações:

A Cultura da Apple: A Apple é conhecida por sua cultura de inovação e
design excepcional. Sua narrativa de origem, em 1977, centrada em uma
oficina de Steve Jobs e de seu sócio Steve Wozniak, inspira a criatividade e
o pensamento disruptivo. A empresa valoriza a simplicidade e a elegância
em seus produtos, uma narrativa estética que permeia todas as suas
criações.

A Cultura da General Motors (GM): A GM tem uma história rica na indústria
automobilística. Sua cultura enfatiza a engenharia e a produção em massa.
As narrativas históricas destacam a evolução dos carros ao longo do tempo.
Embora tenha enfrentado desafios financeiros e tecnológicos, a GM tem se
reinventado, o que se tornou uma narrativa de resiliência.

A Cultura da Lego: A Lego baseia sua cultura na criatividade e na
imaginação. Sua narrativa de origem remonta à criação das primeiras peças
de Lego, em 1930, por Ole Kirk Christiansen, na Dinamarca. A empresa
encorajada a construção livre e o aprendizado através do jogo, uma
narrativa que ressoa com crianças e adultos.

Considerações Possíveis

A cultura de uma organização é uma trama narrativa complexa e dinâmica
que abrange valores, implicações, mitos, rituais, narrativas de origens,
inovações e até mesmo fracassos. Essas narrativas moldam a identidade,
imagem, confiança e sucesso da empresa. Os comunicadores
desempenham um papel vital na gestão dessa cultura, trabalhando em
colaboração com cientistas de dados e outros campos para garantir que a
narrativa esteja alinhada com os objetivos da organização. Empresas são
histórias vivas, e compreender e gerenciar essas histórias é essencial para
o seu sucesso contínuo.

*Palestra proferida no encontro Sinapse CI Ao Vivo, em 20 de Outubro de
2023.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

  • COMPARTILHAR:

COMENTÁRIOS:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *