21 de dezembro de 2020

Crise, inovação, ciclo e dualidade

Se tem algo que 2020 deixa, é um legado a partir dos diversos cenários de crise: o rápido desenvolvimento da capacidade das pessoas e das organizações em se adaptarem e reagirem ao contexto (im)posto, mesmo com alto custo.

O contato com dois especialistas em inovação durante a temporada pandêmica, que mais parece um longo ciclo, me faz refletir diante da nova realidade criada por essa crise. Um novo sistema frágil e desconexo, que aumenta o grau de ansiedade e potencializa a capacidade de compreensão – para citar o BANI que “desloca” o VUCA, definido com esses termos pelo antropólogo e historiador Jamais Cascio.

Renata de Paula Rodrigues Pereira, especialista em gestão da liderança, afirma que toda mudança carrega um viés de oportunidade para a inovação. Quando as tendências se alteram ou são antecipadas e os bloqueios se dissipam, gerando uma energia que pode ser aproveitada. A mudança é a regra!

Daniel Alves, administrador com experiência em tecnologias exponenciais, lembra que inovação não é invenção e seu propósito está em, principalmente, melhorar a vida das pessoas. E esse caminho precisa ser encarado como uma jornada infinita que exige um arranjo estratégico ao projetar as organizações para esse espaço de complexidade (in)definida que é o amanhã.

Para tentar compreender o tempo presente, olho pelo retrovisor para ver como as marcas da história se ensaiam. O saudoso Ignácio Rangel, formado em direito e economista por conquista árdua, considerado um singular intérprete do Brasil e consultor de alguns presidentes da República na era pré-democrática, teorizou a chamada “dualidade básica da nossa economia”.

Impossível explicar essa teoria em poucas laudas, até mesmo porque ainda tento compreendê-la em maior profundidade. Mas a estrutura dessa dualidade considera dois polos, o interno e o externo, estabelece que cada polo possui seu lado, também o interno e o externo.

Na terceira dualidade, que Rangel entendeu legislar dentro dos ciclos longos da economia do russo Nikolai Kondratiev, apenas para exemplificar e ajudar na nossa compreensão, considerou o período brasileiro de 1929 a 1973. Para Kondratiev há fases dentro dos ciclos longos que são depressivas e ascendentes e com velocidades similares no quesito tempo.

Nesses quase 50 anos, diz Rangel, nosso polo interno tinha como sócio maior fazendeiros feudais, tendo no seu lado interno o feudalismo e no externo o capitalismo mercantil. Já no polo externo, a burguesia industrial era a referência com os capitalismos industrial no lado interno, e o financeiro no externo.

Mas o que essa famigerada dualidade de Rangel tem a ver com crise, inovação e pandemia? E com comunicação organizacional? Antes que o André Nakasone brigue comigo, porque posso fugir do tema desse espaço, preciso responder…

Bom, os ciclos longos que citei consideram um certo – muitas vezes bem potente – centralismo em países com caráter de império e que afetam nosso modo de vida e nossa formação social. Vimos isso com a postura americana em lidar com a crise pandêmica no âmbito da saúde e da economia servindo de espelho refletido de forma semelhante por aqui. E os ciclos longos são longos mesmo: dizem que o VUCA durou desde a guerra-fria, quase 40 anos, sendo passível de ser plotado na teoria e no recorte histórico do russo Kondratiev.

Dentro dos ciclos longos há os ciclos curtos, de mais ou menos 10 anos, chamados de juglarianos – mas isso poder ser papo para outro momento. A inovação nada mais é, entrando agora na minha interpretação, do que práticas ágeis que exigem círculos curtos forjados pelos ciclos longos (o VUCA e o BANI) e pelo polo externo – liderado nesse diálogo pela pandemia. E nosso polo interno? Bom, se ele se torna subvertido ao externo, a força do centralismo se potencializa e inflama nos dois lados desse polo.

Conclusão: há uma dualidade básica na atual crise, até porque mudança é natural, como vimos, parte do dinamismo e tem características cíclicas. Mas isso merece ser melhor teorizado em dado momento. A pandemia fez o ambiente para a inovação, por mais paradoxo que pareça, o isolamento foi propício para a liberdade de pensamento e para a ação por necessidade. E quem não tem exemplo em sua empresa de mudança rápida e sem melindres durante essa crise?

Talvez a questão não seja se existe inovação sem crise. É evidente que com a crise a inovação floresce, mas o ponto talvez mais adequado para a interrogação introduzida nesse texto é que não existem mais, há muito tempo, ambientes, especialmente os organizacionais, sem crise. Os ciclos estão postos e trazem a partir da história uma potencial aceleração desse processo. Será que os ciclos longos serão juglarianos (curtos) um dia?

Havendo uma fórmula capaz de dar resposta a indagação, certamente ela vêm acompanhada de um grau de complexidade significativa. Precisamos saber dar as mãos em ciclos como esse, e nos dois polos, e em todos os lados dessa dualidade.

Por fim, como citei um economista nesse intento arrazoado, julgo oportuno lembrar um princípio dessa ciência: “quanto maior o risco, maior o retorno”. Mas será que esse fundamento diretamente proporcional seria válido no atual contexto? Ou seria ele também mais uma “vítima” da transformação? Olhem, essa questão eu não arrisco responder ainda. Vamos refletir mais…

Façamos um feliz 2021 com a coragem exigida.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Leonardo Mosimann Estrella

Contribui com a comunicação da SCGÁS. Administrador pela UFSC (CRA/SC 10.868) e Jornalista Profissional (6684/SC), se especializou em marketing e gestão empresarial (UFSC), comunicação pública (Tuiuti), gerenciamento de crises (Unylea) e gestão estratégica de pessoas (HSM). Cursa mestrado em planejamento territorial e desenvolvimento socioambiental pela UDESC. Lidera área de comunicação corporativa. Apaixonado pela área de sociologia, atua no terceiro setor e acredita que por meio da pesquisa e do diálogo é possível construir uma sociedade melhor.

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