06 de outubro de 2023

Como os princípios e as ferramentas da mediação podem ser aplicados na atuação do profissional de RIG

Nas atividades de Relações Institucionais e Governamentais (RIG), por que não “beber da fonte” do método de mediação e incorporá-lo no dia a dia? No cenário atual, habilidades como escuta ativa, diálogo qualificado, construção de relacionamentos perenes e a busca por soluções consensuais que, dentro do possível, contemplem as partes envolvidas, são diferenciais importantíssimos. Essas habilidades podem (e devem!) ser aplicadas na atuação desse profissional.

Já foram abordadas, em outros artigos ou materiais, as diferentes competências e habilidades que um profissional de Relações Institucionais e Governamentais deve ter em sua atuação. Num mundo cada vez mais complexo, em constante transformação, o olhar e o desempenho desse especialista têm de ser continuamente calibrados. Aprendemos todos os dias.

Embora a multiplicidade e amplitude da função assustem um pouco, o profissional de RIG não precisa de “superpoderes”, mas há competências e características que são especialmente essenciais para uma performance adequada e assertiva, como: visão estratégica, adaptabilidade, flexibilidade, conhecimento e construção de relacionamentos, que são premissas básicas; análise de dados; capacidade de criação de narrativas embasadas e legítimas; capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo; atenção aos aspectos éticos e de compliance; paciência e resiliência (o profissional deve conseguir construir relacionamentos confiáveis e de longo prazo, pois muitas das discussões, bem como os processos de pleitos, podem levar meses ou anos para serem resolvidos – nessa conjuntura, esse profissional é, ao mesmo tempo, educador e aprendiz); habilidade de articular e expor ideias; bom senso e “jogo de cintura”; censo crítico; capacidade de avaliação e de interlocução; análise de informações e de dados; transparência; entre outras.

Com esse capital de competências e características, esse profissional pode, assim, se relacionar de maneira mais eficaz e produtiva com diferentes instâncias e órgãos de governos e também com outras organizações ou entidades.

Entretanto, com o mundo em incessante e acelerada transição, novas necessidades surgem a todo momento e demandas fervilham ininterruptamente. Daí a importância do aprimoramento contínuo para a continuidade da jornada.

Um conhecimento  que tem se mostrado cada vez mais relevante, nas atividades de Relações Institucionais e Governamentais, é a arte da mediar. Será que as agendas ficam mais profícuas incorporando a mediação no dia a dia? Vamos a isso. 

O que é a mediação?

É um meio de solução de conflitos em que um terceiro imparcial e sem poder decisório, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia a desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. Temos que ter em mente que os conflitos fazem parte da vida de todos nós.

Nesse procedimento, há participação voluntária das partes, que têm controle sobre o processo e podem chegar a um acordo que atenda às suas necessidades específicas e legítimas, tendo o mediador como um facilitador para o diálogo, mas que não  sugere, julga ou decide o conflito. É importante frisar que o diálogo é arte de pensar junto. E a cooperação é outro atributo crucial nesse processo.

A mediação é orientada pelos princípios da voluntariedade, confidencialidade, protagonismo das partes, autonomia da vontade, informalidade, flexibilidade, colaboração, boa-fé e igualdade entre as partes.

No Brasil, esse método vem sendo utilizado em vários contextos: familiares, empresariais, comerciais, administrativos, políticos, econômicos, sociais, trabalhistas, ambientais, escolares, comunitários, entre outros.

Presença na história do mundo

Há registros da prática da mediação  em diversas culturas e civilizações antigas, como na China, no Egito, na Grécia e em Roma. A utilização de um terceiro facilitador está, inclusive, descrita em relatos bíblicos.

Nas Ágoras (termo grego, que significa “assembleias” ou “locais de reuniões”) da Grécia Antiga, os cidadãos se encontravam para debater sobre obras públicas, leis, questões políticas, econômicas, sociais e culturais, cidadania e outras matérias. Lá, as pessoas se reuniam, conviviam e se viam. Normalmente, as reuniões aconteciam em praças públicas. Os cidadãos chegavam às decisões por meio de voto direto.

Hoje em dia, podemos dizer, de forma simplificada, que a Ágora maior equivale às nossas redes sociais – Instagram, Facebook, X (ex-Twitter), YouTube, TikTok, entre outras – e aplicativos de mensagens instantâneas, como o WhatsApp e o Telegram. Não é um território físico, os polos  se comunicam em alta velocidade, sem gerenciamento ou controle central.

Na China, a mediação era um método comum para resolver conflitos entre famílias e entre comunidades. Na Índia, os sábios hindus eram considerados especialistas em mediação. E, em Roma, era utilizada para resolver conflitos entre cidadãos e o Estado.

Fernanda Tartuce, em sua obra “Mediação nos Conflitos Civis”, acentua que: “Há centenas de anos a mediação era usada na China e no Japão como forma primária de resolução de conflitos; por ser considerada a primeira escolha (e não um meio alternativo à luta ou a intervenções contenciosas), a abordagem ganha-perde não era aceitável”.

Na Idade Média, a mediação continuou a ser utilizada, mas foi perdendo espaço para a justiça formal, baseada em leis e tribunais. No entanto, no século XVIII, houve um ressurgimento do interesse pelos métodos consensuais  de solução de conflitos, especialmente na Europa e nos EUA. Isso aconteceu em virtude de uma série de fatores, como o aumento da complexidade da sociedade, a sobrecarga do sistema judiciário e a busca por formas mais justas e eficientes de resolver conflitos.

No Brasil, esse método vem ganhando relevância e musculatura. O alicerce legal que contribuiu para o aumento da utilização dos mecanismos consensuais de solução de conflitos, fora do campo judicial, foram a Resolução 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça, que buscou promover a cultura da pacificação social por meio de métodos consensuais de solução de conflitos, como a mediação, buscando garantir uma justiça mais rápida, eficiente e acessível, a Lei 13.140/2015, conhecida como Lei da Mediação, que dispôs sobre a mediação entre particulares e a autocomposição no âmbito da administração pública, e o Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), que trata de métodos consensuais de resolução de conflitos como forma de pacificar controvérsias, promover celeridade, efetivo acesso à justiça e manutenção harmoniosa e permanente das relações sociais.

A mediação e a “construção de pontes”  

As companhias e outras organizações buscam se manter “vivas” e ativas no mercado, criando laços proveitosos com os públicos de relacionamento e construindo uma reputação fortalecida perante a sociedade em geral.

Nas dinâmicas de relacionamento, sejam intra ou interempresariais, surgem campos de disputa de toda ordem – disputas por poder, hierárquicas, por recursos, políticas, econômicas, sociais, de interesses diversos –, e tudo isso gera conflitos.

Ocorre que o conflito é inerente à condição humana, cerne do processo democrático,  portanto, há que se lidar de uma forma construtiva.

A utilização dos princípios e das ferramentas de mediação possibilita a gestão e a resolução construtiva de conflitos de forma pacífica e consensual, o que contribui para a promoção da paz e da harmonia nos ambientes interpessoais e corporativos.

Nessa metodologia, as partes envolvidas participam ativamente da solução do problema, de acordo com suas próprias necessidades e interesses, o que redunda em uma resolução mais justa e equitativa do conflito. Como vantagem, a possibilidade de resolver o conflito de forma mais rápida, menos onerosa e menos desgastante e, por isso, a resolução alcançada costuma ser considerada mais justa, já que os próprios envolvidos a constroem.

E o profissional de RIG, como pode se beneficiar desse método?

Os conceitos e as ferramentas da mediação são amplamente aplicáveis no contexto da atuação dos profissionais de RIG.

Como já mencionado, esse método pode ajudar a construir pontes e a facilitar o diálogo entre diferentes partes, o que contribui para a adoção de soluções colaborativas e duradouras, o que, para esse profissional, é essencial.

Para aplicar e utilizar efetivamente as ferramentas da mediação no dia a dia, os profissionais de Relações Institucionais e Governamentais devem promover um ambiente de diálogo aberto e respeitoso, praticar a escuta ativa para compreender as perspectivas, interesses e necessidades das partes envolvidas, buscar soluções colaborativas que atendam a todos e priorizar a busca por consensos mutuamente satisfatórios. Entendendo-se consenso como um conjunto de decisões possíveis que contemplem o máximo das necessidades dos envolvidos e com as quais todos possam conviver.

Tais ferramentas podem ser aplicadas pelos profissionais de RIG em situações como negociações de políticas públicas, resolução de conflitos entre diferentes partes interessadas, facilitação de diálogos entre governo e sociedade civil, gestão de crises, consultas públicas e tomadas de decisões colaborativas em questões institucionais. Elas ajudam a promover a comunicação eficaz, a construção de consensos e a busca por soluções sustentáveis. Na esfera dos aspectos ESG, tem tudo a ver com a boa governança.

A mediação, como uma negociação facilitada:

  • Promove o diálogo e a reflexão.
  • Exercita a escuta empática e ativa.
  • Separa as pessoas dos problemas.
  • Não é barganha (ganha X perde).
  • Identifica e aborda interesses subjacentes ou “escondidos” (parte maior do iceberg);
  • Estimula a geração de opções criativas pelas próprias partes envolvidas (foge do dogma binário “tudo ou nada”, por exemplo).
  • Atende de forma satisfatória aos legítimos interesses de todos os envolvidos/stakeholders.

Como benefícios, a utilização dos princípios e ferramentas desse método na atuação de RIG pode propiciar:

  • Maior controle das partes sobre o processo.
  • Prevenção e resolução de conflitos de forma pacífica e consensual. Isso é importante para manter a paz e a harmonia social, bem como para evitar custos emocionais e financeiros, além de comprometimento da imagem e reputação.
  • Construção de relacionamentos e de confiança. Nesse caso, as partes envolvidas têm a oportunidade de se conhecer melhor e entender os pontos de vista de cada uma. Isso pode colaborar para a construção de relacionamentos mais fortes e para a criação de confiança entre as partes.
  • Promoção da justiça e da equidade, pois garante que todas as partes envolvidas em um conflito tenham voz e sejam ouvidas. Isso contribui para assegurar que as decisões sejam tomadas de forma justa e equitativa.
  • Criação de soluções que atendam às necessidades de todas as partes envolvidas no conflito. Isso pode auxiliar no fortalecimento dos relacionamentos entre as empresas e organizações e os grupos de interesse, bem como para o desenvolvimento de soluções mais sustentáveis e duradouras.
  • Comunicação mais ágil e assertiva entre as partes, com construção de pontes.

Algumas dicas para o profissional de RIG que deseja desenvolver e utilizar ferramentas e habilidades de mediação:

  • Participe de cursos e workshops sobre esse tema.
  • Leia livros e artigos sobre o assunto.
  • Observe profissionais com experiência nesse método.
  • Pratique a utilização em situações simuladas.

As atividades de Relações Institucionais e Governamentais são cada vez mais fundamentais para a sobrevivência e a adaptação da empresa ou organização dentro de um contexto político e socioeconômico e de um ambiente regulatório que mudam constantemente. Esse profissional tem que analisar e ponderar inúmeras variáveis. A construção de relacionamentos duradouros e proveitosos é fundamental e contribui muito nessa direção. Esse profissional é multitarefa!

E abrangendo todas as pontas… o mesmo profissional que ontem conversou sobre um pleito com um governador ou com um influente senador da República pode estar, amanhã, tratando com um líder comunitário ou com um coordenador do Corpo de Bombeiros do município… faz parte da dinâmica dessa função.

Conclusão

A mediação pode ajudar a construir pontes e facilitar o diálogo entre diferentes partes, promovendo soluções colaborativas e duradouras em questões institucionais e governamentais.

Com o desenvolvimento das ferramentas e habilidades desse método, o profissional estará ainda melhor preparado para enfrentar os desafios de uma área que é cada vez mais importante no mundo contemporâneo. Essas competências, principalmente no mundo atual, são essenciais para o sucesso em uma área que vem se tornando, crescentemente, mais complexa e desafiadora.

Queremos encorajar a promoção de uma cultura de diálogo e a resolução consensual de conflitos intra e interorganizacionais, bem como propor o uso inédito dos princípios e das ferramentas de mediação para a quebra de paradigmas como o “ganha X perde”, o “tudo X nada” ou a polarização.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Carlos Parente

Graduado em Administração de Empresas pela UFBA, com MBA em Marketing pela FEA USP, possui um sólido histórico de experiência em Relações Institucionais & Governamentais, Comunicação Corporativa e Advocacy, com participações e lideranças em processos de comunicação estratégica, inclusive internacionais. Carlos Parente é sócio-diretor da Midfield Consulting.

Rosa Galvão

Advogada e Mediadora de Conflitos. Consultora Jurídica Empresarial. Conselheira do Conselho de Inovação da Associação Comercial de São Paulo – CONIN Pateo76. Atuação corporativa nas áreas de governança, contratos, infraestrutura, societário e M&A. Executiva em companhias abertas e familiares no segmento de Papel e Celulose como Klabin S/A, Bahia Pulp S/A, Bacell S/A como head do departamento jurídico e em conselhos de administração com governança corporativa e comitês de crise. Formação pelo Instituto de Mediação e Arbitragem de Portugal - IMAP e Instituto Palas Athena. Pós-graduação em Negociação, Mediação e Resolução de Conflitos pelo Instituto de Formação de Mediadores Lusófonos - ICFML. Clínica e Supervisão de Mediação no Instituto D Accord e Laboratório de Mediação no Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil - IMAB. Pós MBA em Conselho de Administração pela Saint Paul Escola de Negócios, com extensões na London School of Economics e Lahav Executive Education Coller School of Management Tel Aviv University. MBA em Gestão Empresarial pela Faculdade Getulio Vargas e Especialização em Negociação Estratégica e Gerenciamento de Conflitos pelo Insper. Advogada pela Pontifícia Universidade Católica da Bahia.

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