25 de fevereiro de 2025

Como a comunicação transformou a política monetária dos Bancos Centrais

A comunicação do Banco Central nunca esteve tanto em destaque mas esse cenário é recente. Ao menos três pontos na política econômica contribuíram para essa virada comunicacional dos BCs
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Publicado originalmente no Infomoney, em 20/02/2025

Em encontro realizado no dia 12 de fevereiro pelo Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (IEPE/CdG), no Rio de Janeiro, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, relatou uma conversa que teve com Caetano Velloso a respeito da comunicação da política monetária: “O desafio da comunicação é enorme para todos os BCs; é quase uma arte.”

De fato, a comunicação do Banco Central nunca esteve tanto em destaque como atualmente – e nunca foi tão cobrada. Mas esse cenário é recente. Historicamente, os bancos centrais ficaram mais conhecidos pela discrição, preferindo operar com pouca ou mesmo sem nenhuma comunicação pública. A máxima, “Never explain, never excuse (Nunca se explique, nunca se justifique)”, assumida por Montagu Norman, ex-governador do Banco da Inglaterra entre 1920 e 1944, encapsulava essa abordagem – que mudou drasticamente a partir dos anos 1990.

Ao menos três desenvolvimentos na teoria e na política econômica contribuíram para essa verdadeira virada comunicacional da parte dos bancos centrais: o papel das expectativas, a adoção do regime de metas de inflação e a busca por independência das pressões políticas.

A teoria macroeconômica moderna destaca o papel crucial das expectativas para o funcionamento da economia. Desde a década de 1970, os economistas têm reconhecido cada vez mais que a forma como os agentes econômicos (empresas, consumidores e investidores) formam suas expectativas principalmente sobre a inflação impacta diretamente a eficácia da política monetária. Em particular, passaram a articular a ideia de que suas previsões de inflação incorporam os sinais emitidos pela autoridade monetária e que o seu comportamento (precificação, demandas salariais e decisões de investimento) é influenciado por esses sinais. A partir dessa interpretação, os bancos centrais começaram a considerar que uma abordagem transparente à política monetária talvez fosse uma melhor alternativa para alcançar a estabilidade econômica.

O segundo grande desenvolvimento ocorreu em 1989, quando o Banco Central da Nova Zelândia inaugurou uma nova abordagem à política monetária conhecida como regime de metas de inflação. Nele, o banco central compromete-se publicamente a alcançar uma taxa de inflação específica ao longo de um período determinado. A estratégia envolve uma comunicação clara e aberta sobre os objetivos de política do banco e as ferramentas que serão usadas para alcançá-los. Essa abordagem marcou uma mudança drástica em relação ao enfoque anterior. O regime de metas de inflação foi progressivamente adotado por diversos bancos centrais conforme os anos 1990 avançavam, à medida que se mostrava um instrumento eficaz para estabilizar tanto a inflação quanto as expectativas. Ao declarar claramente seus objetivos de inflação, os bancos centrais buscam alinhar as expectativas do público com suas ações de política, o que aumenta a previsibilidade e a credibilidade da política monetária.

Um terceiro fator que contribuiu para uma maior transparência nas comunicações dos bancos centrais foi a busca por independência em relação às autoridades políticas. Conforme o banco central adquire maior autonomia em relação aos governos, ocorre um aumento correspondente na demanda por prestação de contas. A comunicação é pilar central na legitimação da instituição e da política monetária. Daí a necessidade de explicitação das decisões e de sua racionalidade ao público e aos representantes políticos por parte do banco. Um diálogo que reúne fortemente as dimensões técnicas e simbólicas de uma instituição fundamental para o mercado e a sociedade.

Nesse cenário, como bem apontou Galípolo, é preciso mais do que ciência para se alcançar uma boa comunicação pública – é preciso também aprender a trabalhar com e por meio das palavras.
Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

Leonardo Müller

Economista-chefe da Aberje. Leonardo André Paes Müller é economista formado pela Universidade de São Paulo (USP), com doutorado em filosofia pela USP e pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne, e atualmente é doutorando em Teoria Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor do livro “Imaginação e moral em Adam Smith”, publicado pela Alameda Editorial em 2022. Como economista, atuou na área de Pesquisa Produção e Vendas do Mercado Editorial Brasileiro da FIPE. Na academia, é professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFABC (PPGEco UFABC), também foi professor visitante no bacharelado em Ciência Econômicas da UFABC e ministrou diversos cursos de extensão na FFLCH-USP.

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