26 de agosto de 2021

COlabora #6 – Liderança, artigo feminino

Publicado originalmente no LinkedIn em 16 de agosto de 2021

* escrito em parceria com Elvira Cavalcanti Presta, diretora Financeira e de Relações com Investidores da Eletrobras

De um lado, o compromisso expresso de boa parte das empresas verdadeiramente empenhadas na construção de um ambiente diverso e equitativo: oferecer oportunidades indistintas a homens e mulheres, assegurando o espaço para a igualdade de gênero e o fortalecimento da liderança feminina. De outro, números que retratam a realidade: estudo divulgado no fim de julho pela empresa de seleção de executivos FESA Executive Search revela que apenas 6% dos cargos de liderança das 25 principais empresas de energia que atuam no Brasil são exercidos por mulheres. Diante dessa incongruência, qual o papel de empresas, profissionais e, sobretudo, das líderes que já compõem esse percentual minoritário, na transformação dos compromissos em práticas?

Diversidade e inclusão estão na pauta de todas as grandes empresas em função das exigências cada vez mais severas de investidores, consumidores e da sociedade em geral com relação a boas práticas ESG (do inglês Environment, Social and Governance). Parte dessa temática, a ocupação de cargos de liderança por mulheres já compõe o painel de indicadores estratégicos de muitas companhias, com metas estabelecidas nos respectivos planos plurianuais. Na prática, o compromisso pode – e deve – se traduzir em políticas internas afirmativas que assegurem, por exemplo, acesso equitativo a processos seletivos, benefícios como licença-maternidade e licença-paternidade estendidas, auxílio-creche e salas de amamentação, além de ações de conscientização para toda a força de trabalho.

Um grande desafio das organizações está relacionado aos processos seletivos, principalmente quando se trata de funções consideradas “masculinas”. Durante muito tempo, o próprio setor elétrico não tinha eletricistas mulheres, operadoras e técnicas de manutenção, dentre outros exemplos. Achava-se que essas funções deveriam ser necessariamente ocupadas por homens. Algumas empresas pioneiras ofereceram cursos técnicos de formação e se viram surpreendidas pelo grande interesse das mulheres por essas posições. Existem outros exemplos na construção civil, nas ferrovias de carga e certamente em outros setores. Casos assim revelam o chamado “viés inconsciente”, que se manifesta de maneira imperceptível para os decisores.

O problema dos processos seletivos pouco inclusivos é ainda maior nas posições de liderança, especialmente nos cargos mais elevados. As mulheres representam cerca de metade da população e já são maioria em diversos cursos universitários, com desempenho acadêmico igual ou superior aos seus pares masculinos. Não há razão que explique por que ainda há tão poucas mulheres ocupando posições C-level e em Conselhos de Administração, a não ser práticas arraigadas que mantêm barreiras elevadas para a ascensão feminina.

O último Estudo de Conselhos de Administração da consultoria Korn Ferry, com dados de 2020, mostra que a presença das mulheres nos conselhos de administração das empresas brasileiras passou de 7% em 2014 para 14% em 2020, com base em informações de 81 empresas, das quais apenas 3 possuem conselhos presididos por mulheres (4% do total). Esse mesmo estudo indica que mulheres são apenas 15% dos membros de comitês, estando mais representadas nos comitês de Sustentabilidade, Governança Corporativa e Pessoas / RH / Remuneração, não por acaso, áreas em que a presença feminina é mais comum. Mulheres são apenas 9% nos comitês de Finanças.

Nos últimos anos surgiram inúmeros programas de mentoria e também bancos de conselheiras e altas executivas de distintas áreas funcionais e setores da economia, prontas para ocupar cadeiras C-level, de Conselhos de Administração e Fiscal, além dos comitês de assessoramento. Desta forma, tenta-se combater o já cansativo e falacioso argumento de que “não há mulheres preparadas para esses cargos”, razão pela qual se justificaria a predominância masculina.

E é justamente quando se pensa em conscientização que vem à tona um aspecto mais amplo desse debate. Por mais que os compromissos estejam formalmente assumidos, por mais que existam políticas que assegurem o mínimo necessário, não haverá transformação efetiva se a cultura organizacional não refletir de maneira genuína o propósito de incluir e valorizar. Incluir cada ser humano, homem ou mulher, de qualquer raça, credo, faixa etária ou orientação sexual. Valorizar cada contribuição, com os múltiplos olhares que fazem o diferente ser rico e cheio de possibilidades. Porém, isso requer um amadurecimento de todos e uma abertura para aceitar o diferente. É mais fácil chegar a um consenso com pessoas parecidas, que têm a mesma faixa etária, formação similar e mesma classe social, por exemplo, muito embora esse “alinhamento” nem sempre leve às melhores decisões. Diversidade agrega muito, mas é trabalhosa e por vezes incomoda aqueles que não estão verdadeiramente convencidos dos seus benefícios.

Mais que um imperativo de mercado, portanto, o compromisso com a diversidade deve ser escolha consciente de qualquer um que compreenda o valor da diferença para a construção de melhores resultados – para o aprendizado, o crescimento e a inovação. Nesse sentido, fazemos a necessária ponte entre o compromisso institucional e papéis individuais. Porque a cultura de uma organização é responsabilidade de todos que a integram. E é no exercício cotidiano das relações que os compromissos saem do papel e transformam a realidade.

Assim, há algumas perguntas que cada um de nós deve constantemente se fazer: tenho encarado o diferente como ameaça ou fonte de aprendizado? qual o meu papel na construção de um ambiente inclusivo? tenho buscado aprender com opiniões e pontos de vista diversos, ou simplesmente me esforço para reafirmar minhas certezas e reforçar posicionamentos há muito defendidos? Fortalecer o potencial da liderança feminina em nossas organizações passa necessariamente por essas e outras questões afins. Não podemos delegar à organização algo que, na prática, depende de nossa postura cotidiana, em cada ação, em cada ponto de contato com cada um dos daqueles com os quais compartilhamos o dia a dia de trabalho.

Neste aspecto, a presença de executivas em cargos de alta liderança tem um efeito importante por inspirar outras mulheres que também queiram seguir esse caminho. A falta de exemplos femininos desestimula muitas jovens a sequer tentar ascender na carreira.

A liderança feminina não floresce fora de um ambiente de segurança psicológica, conceito pesquisado e aprofundado pela pesquisadora e professora de Harvard Amy Edmondson, autora do livro “A Organização sem Medo: Criando Segurança Psicológica no Local de Trabalho para Aprendizagem, Inovação e Crescimento”. Amy estuda o impacto da liberdade de manifestar aquilo que se é na construção de times preparados para inovar, crescer e encarar o erro como parte do processo de aprendizagem, atingindo, assim, melhores resultados. Em ambientes caracterizados pela segurança psicológica, todos se sentem convidados a manifestar o que pensam, a expressar pontos de vista divergentes e a trazer para a mesa as singularidades que os caracterizam. O resultado? Uma cultura que abre espaço para o reconhecimento do diverso, para a vulnerabilidade e para a aceitação do erro – fundamental para a correção tempestiva de rota.

A construção de ambientes caracterizados por segurança psicológica é responsabilidade de todos, mas, essencialmente, dos líderes, que acabam tendo um papel de maior impacto no estabelecimento dos princípios que orientam os times, quer pelo estabelecimento de regras explícitas, quer pelo exemplo. Se pensarmos no fortalecimento da liderança feminina, ganham papel de ainda maior destaque as mulheres que já superaram todos os obstáculos do caminho e galgaram os postos de maior relevância nas organizações.

No caso do setor de energia, estamos falando dos 6% que hoje ocupam cargos de liderança em empresas que, historicamente, têm uma força de trabalho predominantemente masculina. Não é difícil imaginar que tenham passado boa parte de suas vidas profissionais em ambientes em que sempre foram minoria, e que, talvez, tenham enfrentado situações de preconceito, explícito ou velado. Por sua trajetória, têm a possibilidade de inspirar, pelo exemplo, outras mulheres que buscam exercer em plenitude suas potencialidades. Mentorias, grupos de apoio, abordagem clara e consciente dos obstáculos do caminho, mas, sobretudo, uma postura constante de valorização do diverso e de respeito ao outro como fonte de aprendizado são atitudes que podem fazer dessas líderes fonte de energia para que a liderança feminina brilhe cada vez mais nas organizações.

Entretanto, a baixa representatividade feminina nos cargos de alta liderança não vai mudar apenas com os exemplos das mulheres que já alcançaram essas posições. É imperativo envolver os homens neste processo, principalmente porque eles ainda são os principais tomadores de decisão nas empresas. Por isso, voltamos à questão dos processos seletivos. Empresas que estão buscando aumentar o percentual de mulheres em altos cargos precisam ter um pipeline de potenciais candidatas, o que se consegue dando igual oportunidade aos jovens de ambos os gêneros para suas primeiras posições de liderança.

Não é por acaso que as políticas de cotas tenham surgido como uma forma de acelerar o processo e corrigir uma desigualdade inexplicável. Há muita controvérsia sobre se as cotas são ou não a melhor alternativa para aumentar a diversidade. Porém, sem metas ousadas e iniciativas concretas, o problema não vai se resolver apenas com debate e declarações de apoio à causa feminina. Essas medidas, embora importantes, não garantem a mudança. Vários estudos demonstram que, mantido o ritmo atual, serão necessárias muitas décadas para que as mulheres alcancem igualdade no ambiente corporativo.

Outro tema que não pode deixar de ser mencionado é a diferença salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função. Mais uma prática antiga que não encontra respaldo para continuar ocorrendo. A remuneração deve ser maior ou menor com base apenas na complexidade do cargo e/ou no maior valor agregado à empresa.

Os compromissos institucionais são, sim, imprescindíveis para assegurar um ambiente corporativo alinhado às expectativas dos novos tempos – de investidores e da sociedade. Na Eletrobras, temos, no Plano Diretor de Negócios e Gestão (PDNG), a meta de garantir percentual de mulheres em cargos de liderança igual ou superior ao percentual de mulheres no total da força de trabalho nas empresas Eletrobras (percentuais atualmente em 22,72% e 18,97%, respectivamente). Assumimos ainda, junto ao Programa Equidade é Prioridade, do Pacto Global da ONU, a meta de ter, na holding, 30% dos cargos de alta liderança (superintendência e diretoria) ocupados por mulheres até 2025. Atualmente este percentual está em 37,04%. Estamos, portanto, acima das duas metas estabelecidas. Mas sabemos, também, que isso não basta. Temos ainda o desafio de aumentar a diversidade nas nossas empresas controladas, cujas diretorias ainda são compostas apenas por homens. Nossa cultura é fruto de muitos, de muitas. E cada um deve abraçar, em seu íntimo, a certeza de que na diversidade reside a força, não a ameaça. Só assim seremos verdadeiros promotores de um ambiente que favorece não apenas a liderança feminina, mas a expressão do que faz de cada um de nós seres únicos.

Por fim, não podemos deixar de ressaltar que diversos estudos demonstram que uma representação mais equilibrada das mulheres nas principais posições de liderança produz melhores resultados financeiros, melhor gestão de riscos e de reputação, além de contribuir para a inovação.

 

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Renata Petrocelli Bezerra Paes

Superintendente de Comunicação da Eletrobras, Renata Petrocelli é jornalista e publicitária, com mestrado em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente, cursa o Global Business Management do IBMEC. Atuando há mais de 10 anos na comunicação corporativa da Eletrobras, também coordena o Comitê de Comunicação Integrada das Empresas Eletrobras, que congrega todas as subsidiárias do grupo, e representa a empresa na Plataforma Ação para Comunicar e Engajar da Rede Brasil do Pacto Global. É membro do Conselho Editorial da revista "Comunicação e Memória", publicação da Memória da Eletricidade.

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