16 de junho de 2021

COlabora #4 – O corrupto em nós

Publicado originalmente no LinkedIn em 10 de junho de 2021

É muito melhor perceber um defeito em si próprio do que dezenas no outro, pois o seu defeito você pode mudar” (Dalai Lama)

Responsabilização é palavra-chave quando se fala em integridade corporativa. A adoção de uma Política de Consequências é parte fundamental do trabalho que visa assegurar o combate à corrupção, às práticas anticoncorrenciais, aos conflitos de interesses e a outras infrações às políticas e normas internas que orientam a atuação dos colaboradores, com destaque para o também essencial Código de Ética e Conduta.

Ao pensarmos na relação entre Conformidade e Comunicação, no entanto, gostaríamos de trazer à reflexão um sentido um pouco mais amplo do termo “responsabilização”. Um sentido que vai além daquele que trata de assegurar que as ações e condutas em desacordo com as normas internas sejam regularmente apuradas, e que haja penalidade para os envolvidos, ressarcimento dos danos apurados e ações de remediação para evitar novas infrações.

Falamos do sentido que há – num grupo, empresa, instituição ou, em última instância, na própria sociedade – em cada qual se sentir parte atuante do todo e, logo, responsável pelas práticas, pelos hábitos, pelas condutas naturalizadas e, consequentemente, pelos resultados alcançados. Esse sentido mais amplo é o primeiro passo para a construção de uma cultura de integridade em qualquer agrupamento humano, que, por sua própria natureza, deve ter regras e mecanismos para que essas regras sejam cumpridas.

É comum enxergamos com mais acurácia os erros dos outros que os nossos próprios. Pegando emprestada a metáfora de Jim Collins no livro “Good to Great”, em geral olhamos “pela janela” ao buscar culpados pelos insucessos em nossos grupos, mas “para o espelho” ao apontar os motivos daquilo que deu certo. Falando sobre liderança, Collins ressalta como traço distintivo dos grandes líderes a ação exatamente oposta: grandes líderes miram o espelho e dizem “sou responsável por isso” quando diante de resultados ruins, ao passo em que olham pela janela ao justificar os objetivos alcançados, destacando aspectos como a contribuição dos times, o contexto do momento e até mesmo a sorte.

Tal comportamento é essencial para o sucesso de qualquer empreitada, por uma razão muito simples: só podemos mudar aquilo que enxergamos como responsabilidade nossa. Podemos apontar a corrupção nas esferas pública e privada, discursar contra a desonestidade e as práticas antiéticas com que nos deparamos, cobrar políticas públicas assertivas contra a impunidade. Tudo isso é, de fato, parte da construção de uma cultura ética em nossa sociedade. Mas nada disso será efetivo enquanto não nos enxergarmos como parte da necessária mudança. Enquanto acharmos natural o “jeitinho” na solução dos problemas. Enquanto olharmos com condescendência para práticas supostamente inofensivas, como uma venda sem recibo; uma renda não declarada; um atestado “conveniente”; uma forma de furar a fila, seja a do mercado ou a da vacina – práticas que, é bom que se frise, estão a léguas de distância do que se pode chamar de inofensivo.

Construir uma cultura ética passa, portanto, por desenvolver, coletivamente, um senso de responsabilização mais amplo e profundo, que leve cada ser humano a compreender que é nas pequenas ações que se inspiram os grandes gestos. Uma criança que cresça vendo os pais “pagarem uma cerveja” para escapar da multa no trânsito achará muitas outras coisas “normais” quando for um adulto diante de um dilema ético no trabalho. Uma empresa que se preocupe com a construção de uma cultura que valorize a ética e a integridade, por sua vez, deve trabalhar para que o compromisso inequívoco com a verdade seja a base de cada relação.

É neste ponto que Conformidade e Comunicação se encontram no universo corporativo. Ao nos organizarmos para oferecer soluções eficazes para o combate à corrupção, precisamos conscientizar, mobilizar, engajar. Ações de disseminação devem colocar em pauta não apenas as regras, os códigos de conduta e as necessárias medidas educativas/punitivas, mas, também, a reflexão a respeito das pequenas atitudes que, pela repetição, constroem a cultura dia a dia, nas relações dos colaboradores entre si e com todos os stakeholders.

Na Eletrobras, a Comunicação é um dos pilares do programa de integridade, denominado “Eletrobras 5 Dimensões”. Implantado em 2016, o programa vem fomentando a cultura ética por meio da aplicação das melhores práticas de conformidade, estruturado em:

1.      Desenvolvimento do ambiente de gestão do programa de integridade;

2.      Análise periódica de riscos;

3.      Estruturação e implantação de políticas e procedimentos do programa de integridade;

4.      Comunicação e treinamento;

5.      Monitoramento do programa, medidas de remediação e aplicação de penalidades.

Essas práticas abarcam ações relativas ao tratamento de ilícitos que são capturados via canal de denúncias corporativo. Tais relatos são apurados com técnica, profissionalismo e devida diligência e, uma vez julgados procedentes, seus autores são submetidos a um processo de responsabilização que foi construído incorporando tanto requisitos legais quanto mecanismos internos balizados em boas práticas de mercado. Mais uma vez, a Comunicação tem papel fundamental, pois, por meio de suas ações, dissemina com concretude os resultados obtidos pelo Programa Eletrobras 5 Dimensões, de forma a mostrar a todos os colaboradores não só a importância de preparar e prevenir, mas também a de capturar e corrigir.

A empresa investe e acredita nas ações de conscientização e engajamento não apenas com seu público interno, mas também no relacionamento com parceiros e fornecedores. Atua, ainda, liderando a Plataforma Anticorrupção da Rede Brasil do Pacto Global, que conta com cerca de 90 empresas signatárias, empenhadas na estruturação e disseminação de temas como treinamento de avaliação de riscos de corrupção, riscos de corrupção na cadeia de valor e maturidade ética nas empresas.

Uma sociedade mais ética e justa será, necessariamente, fruto de construção coletiva. E as empresas têm papel fundamental nisso. Mas, para transformarmos as coisas de fato, precisamos começar por nós próprios. Encarar os nossos defeitos, já que são os únicos que podemos mudar. Combater o corrupto em nós – ainda que ele seja tão sutil que não o consigamos enxergar.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Renata Petrocelli Bezerra Paes

Superintendente de Comunicação da Eletrobras, Renata Petrocelli é jornalista e publicitária, com mestrado em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente, cursa o Global Business Management do IBMEC. Atuando há mais de 10 anos na comunicação corporativa da Eletrobras, também coordena o Comitê de Comunicação Integrada das Empresas Eletrobras, que congrega todas as subsidiárias do grupo, e representa a empresa na Plataforma Ação para Comunicar e Engajar da Rede Brasil do Pacto Global. É membro do Conselho Editorial da revista "Comunicação e Memória", publicação da Memória da Eletricidade.

Camila Gualda Sampaio Araújo

Diretora de Governança, Riscos e Conformidade da Eletrobras

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