24 de fevereiro de 2021

Chamem os meninos, nós queremos o nosso lugar no clube

Publicado originalmente no LinkedIn, em 16 de fevereiro de 2021.

O abacateiro era gigante e opulento e, mesmo assim, íamos todos lá no alto, meninas e meninos em busca das cigarras que mais cantavam. Juntos também brincávamos de pega-pega, esconde-esconde, de empinar pipa e até mesmo de “lutinhas” para ver quem era o mais forte.

Nenhum adulto nunca me chamou a atenção por ser mulher e estar com os meninos, por outro lado, a energia gasta para ser aceita no “clube do bolinha” era tão grande que quando a brincadeira começava, eu já estava cansada só por ter tido de provar que eu também era boa e merecia estar entre eles.

Foi assim que eu passei grande parte da infância em Ribeirão Pires, na região metropolitana de São Paulo. Trinta anos depois, eis a repetição desses padrões no mundo corporativo.

Em cada bate-papo profissional com mulheres de empresas de diferentes setores, escuto exemplos e mais exemplos de interrupções em reuniões, homens que não são especialistas no tema com ar de professor, a quase invisibilidade das mulheres e o “café com leite” em decisões estratégicas. As situações são tão comuns que existem até neologismos para explicá-las: manterrupting, mansplaining, bropriating e outros.

O mais interessante é que quando questionamos os colegas homens a respeito deste tipo de comportamento, é comum ouvir frases do tipo eu não sou machista, eu até gosto de trabalhar com mulheres, tenho mãe, irmã, filha e respeito muito profissionais de outro gênero e por aí vai. 

Este vídeo do humorístico Porta dos Fundos mostra de maneira divertida o que acontece todos os dias com mulheres em diferentes locais de trabalho. Cômico se não fosse trágico.

Os homens são todos maus? Não. Boa parte da culpa é dos vieses inconscientes, geralmente alimentados por uma cultura que ficou enraizada, de uma época em que as mulheres eram ensinadas à subordinação e quando assumiam posições de liderança a história tratava logo de esquecê-las. As trajetórias e o quanto ouvimos falar de Amelia Earhart, Dandara dos Palmares, Anita Garibaldi, Esther Lederberg, entre outras, comprovam a teoria.

Acontece que os tempos são outros, embora os números ainda nos remetam aos séculos passados. Pesquisa realizada pela Delloite com 8 mil empresas em 66 países aponta que as mulheres ocupam apenas 5,3% das cadeiras em conselhos. No Brasil, embora o índice esteja um pouco acima da média global, com 6,5%, ainda está muito aquém da representatividade necessária para promover equidade dentro das empresas.

Vale lembrar que as mulheres, segundo o IBGE, representam 45% da população economicamente ativa do país, além de acumularem mais anos de estudo do que os homens. A conta não fecha. Fica nítido que algo acontece no caminho e impede a ascensão feminina nas empresas.

Não podemos negar que houve avanços. A própria pesquisa da Delloite mostra isso quando compara os números atuais aos da última edição, no entanto, estamos a passos muito lentos, especialmente se levarmos em conta a velocidade avassaladora das transformações contemporâneas e a necessidade de inovação dentro e fora das organizações.

Para as transformações começarem rápido e de forma assertiva, elas precisam do apoio dos homens. Eles são maioria nos conselhos e “têm a caneta” da decisão nas mãos. No dia a dia, mais distante do Board Room, também possuem o poder de escolher entre repetirem ou não padrões ultrapassados de comportamentos que promovem a exclusão.

Por este motivo, três semanas antes do dia internacional da mulher, quando os preparativos para a celebração da data estão em evidência, deixo reflexões aos colegas de todos os gêneros, responsáveis por comunicação ou à frente de comitês: Os homens estão convidados para esta conversa? Nossa celebração estimula o pensamento e promove realmente transformações pessoais? Se as suas respostas forem negativas, vale repensar em como tornar a sua ação mais efetiva e sustentável envolvendo todos os gêneros no diálogo.

Receber presentes, como rosas, bombons e outros agrados é sempre bom, para mulheres e homens, porém, eles não mudam realidades em longo prazo. O tempo de brincarmos de “clube do bolinha” passou, temos responsabilidades muito além de ser o dono da rua. É na diversidade que encontraremos as soluções inovadoras, sustentáveis e regenerativas para a sobrevivência da sociedade, do planeta e das empresas.

 

 

 

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Renata Nascimento

Renata Nascimento é mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Formada em jornalismo pela mesma instituição, pós-graduada em Semiótica Psicanalítica pela PUC-SP, também tem MBA em Gestão da Comunicação pela Escola Superior de Engenharia e Gestão (ESEG) em parceria com a Aberje. Há 20 anos atua em Comunicação e Marketing e soma experiência nas áreas de conteúdo, relações públicas, mídias sociais, imprensa e sustentabilidade. Atualmente ocupa a função de Head de Comunicação da Scania Brasil e lidera as atividades do capítulo Aberje na região do ABCD paulista.

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