15 de novembro de 2023

Assessoria de imprensa e a ética do marceneiro

Todo o jogo tem regras, e, no campo, onde me formei, ser jornalista de veículo era o que importava. Assessor de imprensa era o chapa-branca. Muito provavelmente a época, o cenário, determinasse esses rótulos. Afinal, era o final da década de 80, e muitos dos estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no coração do Rio Grande do Sul, eram ativistas da democracia e defensores dos trabalhadores – patrão e empresário eram substantivos quase pecaminosos, contaminados pela mais-valia marxista. Bem dentro desse contexto, aos 18 anos, no penúltimo ano da faculdade de jornalismo, fui apresentada a Cláudio Abramo e ao seu livro de capa vermelha “A Regra do Jogo”, um compilado de artigos e crônicas publicados entre 1948 e 1987, quando morreu aos 64 anos. Se estivesse vivo, em 6 de abril, teria se tornado centenário.

O tempo e o conhecimento têm a generosidade de nos conceder a clareza para ver que as regras do jogo para o jornalista, reconhecidas e respeitadas por Abramo, me guiam hoje na comunicação corporativa, como assessora de imprensa:

“Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual a minha ética como jornalista – não tenho duas. Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão”.

Isso implica atuar com correção, não ser ingênuo ou manipulável. E também não viver dentro do ceticismo ou ser manipulador. Algo como não ter o preconceito de não ter preconceito, como também escreveu o autodidata Abramo.

“Para trabalhar em jornal é preciso fazer um armistício consigo próprio”.  

Quantas vezes, em gerenciamento de crise, por exemplo, não temos o papel de advogado criminalista? Ou seja, temos opinião, não somos bobinhos, porém temos o equilíbrio de apresentar os fatos e proporcionar esclarecimentos – que interessam ao cliente, é verdade, só que se deve disponibilizar informações válidas à opinião pública em uma crise de imagem e reputação. É uma questão de sobrevivência para a marca.

“Mas é uma bobagem esperar que o jornalista tenha uma atitude neutra, fria ou álgida diante das coisas”.  

Sim, como sempre soubemos, imparcialidade não existe. Todos têm interesses a defender em qualquer uma das esferas humanas. A nossa narrativa, seja em uma crise ou em uma inocente sugestão de pauta, deve ser resultado de observação do repórter e da presença de referências universais – dois dos princípios de uma reportagem, como elencou Abramo. Como jornalista de veículo que fui e agora como jornalista de comunicação corporativa, acredito que o nosso ofício é informar o cidadão a fim de que possa ter mais elementos para tomar suas decisões e viver melhor.

“(…) eu mesmo limitarei minha liberdade. Isso é algo que o jornalista delimita. Não é preciso que o patrão diga. É a regra do jogo.” 

Bom senso, maturidade, abertura para o novo e o diferente, ouvir mais do que falar são vitais.

Em um programa de rádio, escutei uma análise de que Maroon5 teria feito uma apresentação cumpridora no The Town – o festival de música que movimentou SP. Ainda mais porque a banda pop norte-americana tocou antes de Bruno Mars, que falou em português e encantou o público. Então, à lista acima, humildemente, acrescento empatia e presença de palco. Temos que encantar os stakeholders – inclusive e principalmente o cliente e os colegas das redações – todos os dias. Talvez, com essa, Cláudio Abramo me fulminaria. A gente até pode sentir medo, só que precisamos enfrentá-lo. É a sobrevivência no jogo.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Catia Bandeira

Graduada em Jornalismo pela UFSM (Universidade Federal de Santa Maria/RS), MBA em Gestão e Novas Mídias pela ESPM-Sul e participação no Programa Completo de Gestão em Reputação 2023, da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), Catia Bandeira soma 34 anos de vivência na comunicação. Foram quase 15 anos como repórter e editora no jornal Zero Hora, participando de coberturas nacionais e internacionais - como o Mundial Feminino de Vôlei em 1994, o Mundial de Atletismo em 1997 e a Liga Mundial de Vôlei em 1998. Em 2004, começou a atuar na comunicação corporativa. Ao lado de Ana Cássia Hennrich, fundou a B&H Comunicação, hoje CORE, na qual desde o início se dedicou à área de atendimento aos clientes desenvolvendo um portfólio diversificado de experiências em múltiplos segmentos, da gastronomia à cultura, passando pela economia em suas diversas dimensões, como varejo, indústria e impacto social. A CORE tem ainda os sócios Mariana Oselame e Rodrigo Rodembusch.

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