Aprendizados que acumulamos nos fazem continuamente reinventar a comunicação

Entre outros lugares em que já atuei em minha trajetória profissional, fui trainee, em 1990, no antigo Banco Nacional – o “banco do Ayrton Senna” –, período em que esse cargo envolvia dez meses de formação divididos entre sala de aula (abordando temas como negociação, comunicação, persuasão e vendas) e estágio em variados departamentos da instituição. Foi um tempo de vivências marcantes e intensa aquisição de conhecimentos.
Numa determinada manhã, éramos 25 trainees na sala com a mesa em formato de U, liderados por um instrutor do Nordeste, o que me inspirou simpatia imediata, por ser meu conterrâneo. Representante de uma consultoria renomada, ele começou nos propondo um exercício para trabalhar os conceitos de texto e contexto.
O exercício teve início com um flip chart e canetas coloridas. Cada participante deveria desenhar um elemento de uma casa. O resultado deveria ser um desenho coletivo de uma casa, e assim foi. Cheio de detalhes como cortinas nas janelas e até um rio em perspectiva com árvores no jardim e o Sol em cima de umas montanhas ao fundo.
Ao final, terminada a obra coletiva, nosso instrutor nos surpreendeu: rasgou o desenho em dezenas de pequenos pedaços e os distribuiu entre os participantes, perplexos e um pouco indignados.
Nos pedaços entregues aos trainees era difícil reconhecer o projeto, nos fragmentos desconexos do desenho original. A analogia proposta pelo instrutor era clara: assim como no mundo corporativo, cada indivíduo recebe partes e fragmentos que muitas vezes não revelam o panorama completo. Só ao compreender o contexto é possível enxergar o objetivo comum – a casa que todos ajudaram a construir.
Essa dinâmica, vivida há mais de três décadas, reforça que não há texto sem contexto. Usei esse exercício com diferentes equipes e momentos, sempre com efeito metafórico significativo, contribuindo para o envolvimento do time e a compreensão do papel de cada um na construção do todo.
Ao revisitarmos nossa história, percebemos aprendizados valiosos que, muitas vezes, se perdem na névoa do tempo. A proposta é refletir sobre experiências vivenciadas e destacar como certos insights permanecem relevantes, mesmo com o passar dos anos. Tenho procurado fazer esse exercício pessoal de remexer em memórias, em antigas anotações, relembrar histórias…
De volta ao passado, no mesmo ano de 1990, no processo de formação de trainee, durante um dos módulos sobre comunicação foi apresentado o conceito da “Janela de Johari” (ferramenta de autoconhecimento e desenvolvimento interpessoal), trazido por um palestrante da consultoria Marcondes e Associados. O modelo propunha quatro quadrantes: o aparente do aparente, o oculto do aparente, o aparente do oculto e o oculto do oculto. Ou seja, refletir sobre algo que está evidente, o que está oculto no que parece evidente, o que é aparente no que está escondido e, finalmente, aquilo que permanece totalmente desconhecido.
Essa abordagem foi desenvolvida pelos psicólogos norte-americanos Joseph Luft e Harrington Ingham, em 1955, na Universidade da Califórnia. Depois de alguns aperfeiçoamentos, hoje é utilizada como uma ferramenta para compreender aspectos de comunicação e permite analisar situações contemporâneas, como questões políticas, econômicas e sociais, identificando camadas de informação e interesses por trás das aparências.
Por exemplo, pode incluir os atuais debates sobre soberania, nacionalismo, renegociação de ordenamentos mundiais e influência norte-americana, além dos interesses ocultos inseridos nesses contextos. Ao aplicar a “Janela de Johari” ao episódio do “tarifaço” que está sendo aplicado ao Brasil, é possível distinguir o que aparece de imediato, como o nacionalismo ou políticas de influência, e o que está subjacente – interesses estratégicos, questões geopolíticas, riscos de influência de outros países ou até mesmo questões de segurança nacional e avanço do crime organizado. Analistas políticos apontam o bolsonarismo apenas como um dos motivos determinantes, ressaltando que o aparente do aparente nem sempre reflete a causa principal dos acontecimentos.

Essas duas breves histórias demonstram como o passado permanece atual e relevante, trazendo ensinamentos que nos ajudam a compreender melhor a complexidade do presente, muitas vezes revelando, com certa ironia, que o essencial nem sempre é o mais visível.
São exemplos guardados na minha memória há muito tempo e sacados dela algumas vezes, como agora, para reafirmar a importância das nossas histórias pessoais nos exercício da comunicação, tanto pessoal como profissional, usadas como conhecimento, bagagem, referências e instrumentos para compreender o momento presente. Me lembrou Cazuza em “O Tempo Não Para”, quando diz “eu vejo um museu de grandes novidades”. E eu concordo.
O suprassumo que fica é que as experiências que vivemos ao longo da nossa jornada carregam conhecimentos adquiridos que podem ser ressignificados e atualizados, podem ser transformados por meio de reflexões, gerando novos insights e valor para o universo da comunicação empresarial. Nada de importante se perde, é uma riqueza acumulada, devemos olhar e tratar esse baú sempre com muito carinho. A busca por histórias pessoais e a extração dos aprendizados nelas contidos são essenciais para a evolução contínua de cada um de nós e também para a evolução coletiva, incluindo as nossas múltiplas interações e as organizações para as quais trabalhamos, prestamos serviços e/ou nos relacionamos. Ao trazer o saber para contextos contemporâneos, amplia-se o significado desses ensinamentos, ao possibilitar sua aplicação na prática. Cuidemos e façamos bom uso dessas memórias e vivências
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