21 de maio de 2021

Amor nas organizações: é possível?

Organizações: um verdadeiro caldeirão de emoções e afetos. Não é? Tem raiva, tem medo, tem ansiedade, tem tristeza, tem alegria. Por que o amor ficaria de fora?

Não estou falando do amor romântico. Falo do amor fraternal no trabalho, aquele que nasce na amizade, no carinho, no benquerer e que flui organicamente. O amor que humaniza as relações, o diálogo, a escuta. Essa é a pauta que trago hoje.

Tendo como ponto de partida o senso comum, num primeiro momento, por que nos parece tão estranho pensar – e sentir –  o amor no ambiente de trabalho? Algumas crenças que foram se cristalizando ao longo do tempo a respeito disso:

– no ambiente de trabalho, priorizamos a razão em detrimento da emoção

– falar de amor pode ser interpretado como sentimentalismo, tido como piegas

– ao ser amoroso/gentil/compassivo, as pessoas podem nos usar/se acomodar/trabalhar menos

– impossível tomar decisões difíceis no dia a dia quando há amor na relação

– naturalmente hostil, o organizacional não é um ambiente favorável para o amor florescer

Mas sabemos que, apesar dessas crenças, somos impactados por relações profundas no ambiente organizacional. Elas simplesmente acontecem. Por que inevitavelmente carregamos o humano que há em nós para o espaço do trabalho. E com ele vem a predisposição para amar o outro e de trazer o amor como emoção regeneradora para o campo das relações.

Pela primeira vez, lá quando fiz mestrado, em 2013, ouvi, concretamente, falar de amor no ambiente organizacional. Na época, li uma autora que postulava o amor como elemento antagônico ao medo organizacional, tema da minha dissertação.

Em uma visão bastante inédita e ousada para a época (1999) a respeito da influência do amor no ambiente organizacional, a autora Kay Gilley apresentou o medo de amar como um dos mais temidos entre a maior parte das pessoas. Esse medo deflagraria medos adjacentes como o de se vulnerabilizar, do abandono, do julgamento negativo por parte do outro e, ainda, do medo de não conseguir amar incondicionalmente nem a nós mesmos e nem ao outro.

Segundo a autora, o traço principal de um ambiente de trabalho edificado no amor, e não no medo, é a presença de pessoas que estejam acordadas, atentas aos seus medos e que optem de forma consciente, por agir com base no amor e não no medo.

Em linha com essa narrativa, Brené Brown também defende que cultivamos o amor quando permitimos que nosso eu mais vulnerável e poderoso seja profundamente visto e conhecido. E quando honramos a conexão que cresce a partir dessa oferta com confiança, respeito, bondade e afeto.

Brené ainda traz a ideia de que o amor não é algo que damos ou recebemos. É algo que nutrimos a partir de um lugar no qual a vergonha, a culpa, o desrespeito, a traição e a recusa do afeto danificam as raízes por meio das quais o amor cresce. O amor só pode sobreviver a esses ferimentos se eles forem reconhecidos e regenerados.

Esse pensamento também conversa com as crenças de Humberto Maturana, intelectual do pensamento reflexivo, que falava no amor como a “emoção que constitui as ações de aceitar o outro como um legítimo outro na convivência”.

Levando em conta as ideias todos estes pensadores, na relação com o outro no ambiente organizacional, o amor pode nascer da confiança, do exercício de se vulnerabilizar e de legitimar a presença do outro no dia a dia. De agir no amor e não no medo.

O paradigma atual lógico racional-linear está mais do que consolidado e no limite do que pode oferecer. Nele, o lugar para o amor é escasso, rarefeito. Este paradigma nos trouxe até aqui mas não nos fará avançar. Precisamos acessar o sutil, o intuitivo, o humano. E abrir-se para o “pensar do coração”, conceito ancorado na antroposofia, no qual partimos da premissa que o amor é, antes de qualquer coisa, o principal sentimento atribuído ao coração.

Nessa perspectiva, o que está na cabeça pode ser encaminhado para os membros, para a ação, a partir da força do coração. E aquilo que está nos membros, como vivência prática, passa pelo coração para ser despertado na consciência. O pensar do coração nutre pensamentos cheios de significado, a partir do sentido que o coração lhes atribui e não na lógica material do pensar racionalizado que está em declínio e que não nos corresponde mais.

Pensamentos preenchidos de amor, entusiasmo, gratidão, compaixão e confiança que nos colocam no limiar de outros sentidos (intuição, inspiração, força imaginativa): isso nos traz uma nova forma de olhar o mundo dentro e fora das organizações. O tal “pensar fora da caixa” talvez não seja mais suficiente. É preciso pensar com o coração. Voltar a sentir. Com amor e coragem, sendo que coragem no latim é a própria ação do coração.

Na perspectiva do “Thinking Environment”, a pesquisadora Nancy Klein defende que para tomarmos melhores decisões, precisamos ter qualidade de pensamento. E para ter qualidade de pensamento, a maneira como tratamos o outro faz toda a diferença. A partir da relação com o outro, quando se cultiva atenção, presença, encorajamento, apreciação, por meio de práticas diversas, o nosso pensamento é potencializado. Nancy defende que “quando nós apreciamos uns aos outros, nós pensamos melhor. Quando pensamos melhor, amamos mais. Quando amamos mais, vivemos melhor”.

Pensando nisso tudo, como seria, então, agir no amor e não no medo nas organizações? Faço um exercício a seguir:

Ação no Medo Ação no Amor
Competitividade Colaboração
Agenda Oculta Transparência
“Puxar o tapete” Agir com Lealdade
Comando e Controle Confiança e Vulnerabilidade
Tensão Improviso
Agir no automático Agir na consciência
Vergonha e Culpa Autoestima e autocompaixão
Mental Intuição
Imediatismo Presença
Pensar “fora da caixa” Pensar com o coração
Relações abusivas Relações apreciativas
Eu falo, você escuta Falamos e escutamos em equilíbrio
Emoções que drenam Emoções que regeneram
Respostas imediatistas Respostas de qualidade
Escuta apática Escuta empática
Escassez Abundância
Comunicação Mecanicista Comunicação Humanizada

 

E enquanto comunicadores, como podemos apoiar essa transição da ação no medo para ação no amor?

Podemos apoiar a construção de espaços dialógicos e relacionais onde as pessoas também possam se escutar com o coração, de forma genuína, praticando uma escuta apreciativa, coerente, acessando a essência do outro, o que harmoniza as relações e torna o diálogo mais construtivo, proveitoso e amoroso e, portanto, as narrativas organizacionais mais coerentes e potentes.

Como fazer isso?

Certamente, não há uma única forma de fazer e essa é a beleza do processo. Mas acredito que um primeiro passo seja contar às pessoas que esse tipo de diálogo é valorizado, que praticá-lo é um valor, uma virtude.

Fomentar espaço para um diálogo com presença e interesse genuínos, atenção plena, a partir da escuta apreciativa, empática que conecta e reconecta, que regenera, a partir das emoções do amor com potencial para transformar a convivência, as relações, a ação – do medo para o amor.

Falar e escutar com o coração aberto pode nos ajudar a entrar naturalmente na frequência do amor, pois é nossa essência humana.  Voltando à antroposofia, encerro com uma frase que ouvi recentemente: “Num mundo com tantos ruídos, com tanta necessidade viva de reencontro humano, um dos trabalhos de humanização da nossa vida é aprimorar nossa escuta”

A escuta como ponte para o amor.

 

REFERÊNCIAS:

 

  • https://www.adigodesenvolvimento.com.br/o-pensar-do-coracao/
  • GILLEY, Kay. A alquimia do medo. Como acabar com o transe corporativo e criar um futuro de sucesso para sua empresa. São Paulo. Editora Cultrix, 1999
  • BROWN, Brené. A coragem de ser imperfeito/ Brené Brown; 1ª ed. – Amadora, 2013
  • Podcast “Amor em Pauta” – Inteligência do coração, com Ana Munzner e Roberta More, com facilitação de Marcelle Xavier
Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

CYNTHIA PROVEDEL

Mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero (Facasper), especialista em Gestão de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e graduada em Comunicação Social pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Mais de 15 anos de experiência em organizações, tais como Duratex, Sanofi, Novartis, Ericsson, Grupo Ultra e GPA (Grupo Pão de Açúcar), liderando temas como Comunicação Interna, Cultura, Desenvolvimento Humano. Concebeu e publicou - em inglês e português - uma matriz de maturidade em comunicação interna, ferramenta de diagnóstico e planejamento em comunicação interna que tem apoiado diversos profissionais da área. Vencedora do Prêmio Aberje 2018 na categoria "Relacionamento com Público Interno" em case transversal envolvendo Cultura, Engajamento e Comunicação. Desde 2015 na Aberje, atua como professora da disciplina de Comunicação Interna no MBA da Aberje em Gestão da Comunicação Empresarial, instrutora de curso anual em "Planejamento da Comunicação Interna", além de liderar as "Oficinas de Escuta" lançadas durante o período da pandemia. Possui artigos publicados pela Intercom e Organicom e é coautora dos livros "Comunicação em Cena" e "Ensaios sobre Comunicação com Empregados".

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