A imprensa da liberdade
Partiu o grande jornalista. Não há duvidas de que as qualidades de sensível profissional de imprensa e de empreendedor de talento se combinaram na personalidade de Roberto Civita, presidente do Grupo Abril. Tanto que fundou e dirigiu revistas do significado da Veja, Exame, Quatro Rodas e Claudia, conseguindo triunfar em mercados diferentes, todos a exigir vasta energia criadora, além de fertilidade de recursos financeiros e técnicos.
Nada mais justo do que celebrar, portanto, sua memória e entendê-lo no contexto de profunda mudança de paradigma da imprensa brasileira. Esta é, sem dúvida, uma forma de avaliar o papel de Roberto Civita. Um segundo caminho, em paralelo, é vê-lo, juntamente com seu pai, Victor Civita, como herdeiro da tradição de imigrantes italianos de defender, de maneira irrestrita, a liberdade de imprensa, e inovar na prática do jornalismo.
Se voltarmos no tempo, iremos constatar a existência de três grandes veios fundadores da imprensa brasileira. O primeiro de cunho oficial, a imprensa régia, trazida para o Brasil por Dom João VI quando deixou Lisboa fugindo das tropas do general Junot, de Napoleão, e embarcou numa das naus uma tipografia completa que tinha comprado na Inglaterra. Estava pronto o prelo para impressão da Gazeta do Rio de Janeiro, de fugaz influência. A segunda ótica, a mais conhecida, está associada às meritórias lutas pela independência. A terceira, quase que absolutamente esquecida, ganha forma na presença da imprensa liberal, revolucionária e operária, organizada pelos imigrantes italianos.
Com efeito, no final do século XIX os títulos dos jornais italianos publicados no Rio de Janeiro falam por si: L’operario italiano, La voce del populo. L’emigrante, L’Italia Unita, o Giornale italiano. Em São Paulo, em 1870 circulavam o Garibaldi, Il movimento, Il corriere d’Italia, Gli italiani in San Paolo… Os dois primeiros jornais socialistas a circular no Brasil eram italianos – La giustizia e Gli schavi Bianchi. No ano de 1907, apenas na capital paulista, circulavam o Fafulla, La tribuna italiana, Il secolo, L’avanti e o Corrieri d’Italia, isto para citar apenas os jornais importantes. Naquele ano, o jornal La battaglia conclamava os operários à greve. Quando se organizaram em 1900 uma das primeiras providências dos operários italianos foi editar o jornal Avanti, que em 14 meses se tornou diário, no mesmo momento em que se formavam ligas operárias de têxteis, chapeleiros, alfaiates, sapateiros. O movimento crescia na capital e no interior graças à propaganda e às primeiras grandes greves.
Os jornais italianos são contemporâneos de duas grandes vertentes do pensamento: as ideias socialistas, de influência na organização operária, e no sentimento de brasilidade pela hospitalidade da terra. Era dificílimo manter um jornal diário ou periódico. Nada lembrava os dias atuais. Não existiam agências, as máquinas impressoras eram escassas e havia poucas de grande porte, além da composição, com caracteres móveis. A impressão era feita a mão.
O Fanfulla – o nome era uma homenagem a um padre italiano no mesmo nome, mas os jornaleiros teimavam em gritar nas ruas A Fanfulla italiana – foi um exemplo típico de jornalismo de “alta qualidade e bom senso”. Em 1904 adquiriu uma rotativa Albert de Frankenthal e de quatro linotipos canadenses, tornando-se precursor de equipamentos que toda a grande imprensa adotaria nos anos seguintes.
Fez campanhas corajosas denunciando o tráfico humano de imigrantes, defendeu os interesses trabalhistas dos colonos e os direitos políticos dos descendentes de italianos. Fundado em 1893 por um grupo de intelectuais italianos, circulou até 1965. Havia jornais satíricos, humorísticos, jornais políticos e publicações dirigidas por italianos em língua portuguesa, a exemplo da Estampa esportiva, dirigido pelo barão Nicolino Pepi, que foi considerada “o mais completo jornal de esportes” por volta de 1925.
O tempo passou. O grupo Abriu surgiu nos anos 50, no momento de renovação e profissionalização da imprensa. Nasceu num pequeno escritório no centro de São Paulo, a partir da revista Pato Donald, membro proeminente dos gibis da família Disney. Nos anos 60 e 70, a despeito da censura, o grupo cresceu e, entre outras, lançou a Veja, hoje uma das principais revistas em todo o mundo. Lutou e venceu a censura. Formou gerações de jornalistas, sempre com elevado critério profissional e de qualidade.
As suas realizações gráficas, editoriais e políticas têm a mesma marca dos pioneiros italianos da imprensa. Se uns, os antigos italianos, trouxeram para o Brasil a valorização do trabalho, as revistas criadas pelos Civita, Roberto à frente, galgaram novas alturas na defesa da liberdade de expressão. Se os pioneiros se voltaram para os italianos e seus descendentes, os Civita evoluíram para vislumbrar a sociedade como um todo. Na base de tudo, uma mesma raiz, um mesmo princípio: a liberdade.
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